Filosofia
e docência: o retorno do recalcado
VERNEQUE,
Dênio Fernandes. Filosofia e docência: "o retorno do recalcado". São
Paulo, PUC-SP, 2010. (Monografia de conclusão de Curso de Especialização em
Magistério do Ensino Superior).
Trata-se de pesquisa teórica, de cunho filosófico-educacional e exploratório,
que discute o retorno da Filosofia ao Ensino Médio da Escola Pública Estadual
de São Paulo, bem como a formação necessária e a atuação eficaz dos professores
da disciplina na atualidade. Partindo do questionamento sobre as
características da formação didático-pedagógica que o professor de Filosofia
deve ter, especialmente o que atua na rede pública, inicialmente procurou-se
contextualizar o ensino da disciplina desde sua exclusão mais recente (pela
ditadura militar) até o atual retorno como componente curricular, a partir de
bibliografia especializada (Gramsci, Bornheim, Vergez & Huisman) e em breve
discussão do aparato legal. Num segundo momento a reflexão voltou-se para a formação
do professor de Filosofia, com ênfase na necessidade da postura ética e da
capacidade didático-pedagógica para a condução da prática educativa. Nesse
momento da pesquisa, os pensamentos de Paulo Freire, Antonio Joaquim Severino,
Marilena Chauí, Sílvio Gallo e Celso Favaretto, forneceram o apoio teórico à
discussão. Por fim, uma breve inserção empírica, através da aplicação de um
questionário (estruturado) a alunos (56) do Ensino Médio, de duas escolas
públicas de São Paulo/SP de bairros diferentes, possibilitou a discussão dos
procedimentos didáticos indispensáveis a uma aula de Filosofia adequada ao
contexto dos alunos atuais. A partir do posicionamento dos sujeitos da pesquisa
foi possível detectar sua percepção: do retorno da Filosofia ao Ensino Médio, da
proposta da Secretaria da Educação Estadual e recursos materiais utilizados, da
relação professor/aluno e qualidade das aulas ministradas, da significação do
trabalho realizado na disciplina em vista da formação do aluno como ser social
e cidadão. Os resultados mostram também: receptividade positiva dos alunos
quanto à disciplina e reconhecimento de sua importância em sua vida; embora
haja, contraditoriamente, sinalização de que nem sempre os conteúdos
trabalhados sejam significativos para eles; não há boa aceitação do ?caderno do
aluno?; mostram-se satisfeitos com as aulas, mas também reivindicam melhores
recursos e procedimentos didáticos. Enfim, os resultados apontam para a
necessidade de continuidade da discussão sobre o retorno da Filosofia como componente
curricular e sobre a formação do professor para a realização desse trabalho,
necessário e importante, com a relação Filosofia e formação dos jovens para a
cidadania.
Unitermos: ensino da Filosofia, ensino público, formação do professor de
Filosofia, ética, cidadania.
A FORMAÇÃO DITÁTICO-PEDAGÓGICA DO DOCENTE DE FILOSOFIA
2.1 A FORMAÇAO DIDÁTICO PEDAGÓGICA: A EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA E A HISTÓRIA DA
FILOSOFIA
O que se pretende discutir neste tópico, em relação à formação
didático-pedagógica do professor da disciplina Filosofia do Ensino Médio das
escolas públicas do Estado de São Paulo, é sobre sua experiência filosófica, e
também de sua estreita relação com a História da Filosofia.
Para Severino (2007) o conhecimento, de modo geral, se origina do esforço do
homem em busca de compreender a realidade, e dar significado a fatos e objetos.
Isto se processa na esfera intelectual, porquanto, subjetiva, e vai se
revelando na medida em que o sujeito passa a demonstrar sua inquietação e
sensibilização em torno do objeto do conhecimento. Isto nos leva a compreender
que este pensamento coaduna com aquilo que podemos chamar de experiência
filosófica.
Sobre o ensino da disciplina Filosofia no Ensino Médio Gallo (2008) observa que
algo que parece ser razoavelmente simples, na maioria das disciplinas, no caso
da Filosofia não é tão simples assim. Para esse autor, isso ocorre porque a
Filosofia tem pelo menos 2500 anos de história, e ao longo dessa história, ela
própria sempre se deparou com a questão: o que é mesmo Filosofia?
É inegável, portanto, que a questão colocada demanda preparo e formação
didático-pedagógica do profissional. Segundo o autor supracitado é importante
que os professores da disciplina Filosofia do Ensino Médio, nesse início de
século, no Brasil, tenham clareza de que precisam considerar a formação como
uma das questões primeiras.
Deste modo, quando se trabalha, por exemplo, A História da Filosofia, é
razoável pensar, que o professor da disciplina não deve se ater apenas a
desfilar nomes de filósofos e textos, mas procurar sempre vincular os aspectos
dos pensamentos dos filósofos configurando?os com a realidade dos estudantes do
século XXI.
O contato com a História da Filosofia parece ser importante na formação
didático-pedagógica do professor da disciplina Filosofia, porque segundo
Severino (2007), ao longo da história da cultura, o modo de entender o
conhecimento sofreu alterações, que ficaram registradas na História da
Filosofia. Desse modo, o profissional do ensino de Filosofia pode perceber de
que modo o conhecimento deve ser visto e aplicado atualmente, neste contexto de
mundo globalizado, onde se valoriza o conhecimento de uma forma bem específica
em relação a outros momentos históricos.
Para Vergez e Huisman (1988), a História da Filosofia não pode ser separada da
Filosofia, porquanto a compreensão do cogito exige o conhecimento sobre
Descartes, a descoberta do caráter a priori do espaço supõe que nos coloquemos
na escola de Kant. Vale lembrar que a Filosofia não se reduz, no entanto, à História
da Filosofia. Em conformidade ao pensamento exposto, Gramsci (2008) assinala
que não se pode separar a Filosofia da História da Filosofia, nem a cultura da
História da Cultura.
A História da Filosofia nos permite inferir sobre os problemas que os filósofos
enfrentavam, e de como eles se comportavam diante de tais problemas, e também
nos leva a perguntar: o que é ensinar Filosofia nos dias atuais?
A História da Filosofia, segundo Vergez e Huisman (Idem), em sua essência é
filosófica, uma vez que não se elabora a história do pensamento do mesmo modo
que a dos fatos materiais.
Para esses autores a História da Filosofia é uma disciplina específica dentro
da própria Filosofia. Na história das ciências, comumente se trabalha os fatos
concretos e evolutivos, valorizando na maioria das vezes as novas descobertas
em detrimento das mais antigas. No entanto, na História da Filosofia não se
deve pensar assim, pois, pensamentos utilizados em épocas tão remotas, são
valorizados da mesma forma que os mais recentes.
Vergez e Huisman (1988), sinalizam que a ciência exata se coloca sob o signo do
progresso. Um simples professor de física contemporâneo pode saber mais física
do que Newton sem, no entanto, ter sua genialidade. Para esses autores, não se
pode dizer a mesma coisa da Filosofia, pois, não há progresso temporal para a
Filosofia, como nas ciências.
A Filosofia de Platão, ou Aristóteles, não possui menos valor que a Filosofia
que se convencionou ser chamada de moderna, ou mesmo a contemporânea.
Para Severino (2007), a forma como a relação sujeito/objeto é concebida e
vivenciada, marca profundamente a intencionalidade da teoria e da prática
ativadas pela educação; podemos então, dizer que cabe ao professor da
disciplina Filosofia no Ensino Médio, articular bem os textos e obras dos
clássicos da Filosofia, atrelando-os aos procedimentos didáticos, oferecendo
aos estudantes possibilidades de conceber a realidade do mundo atual.
É importante considerar que quando se estuda a História da Filosofia antiga,
medieval, moderna, ou contemporânea, não se deve imputar àquele(s) filósofo(s)
valores morais e éticos, políticos e religiosos do nosso tempo.
Portanto, situar o filósofo em seu tempo, observando as entrelinhas da
história, caracterizando os acontecimentos que os circundavam: políticos,
sociais, religiosos, estéticos, artísticos, educacionais, éticos, morais , e
consultando a biografia do filósofo, parece ser um método eficaz para se tentar
compreender os pensamentos e a escola filosófica a que pertenceu determinado filósofo.
2.2 A FORMAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA: A POSTURA ÉTICA E A PRÁTICA EDUCATIVA
Todos os dias o nosso comportamento na sociedade é avaliado, às vezes de forma
ingênua, outras de modo mais crítico. Para se enfrentar esse cotidiano repleto
de acontecimentos esperados e inesperados no convívio social (principalmente na
escola) e, especialmente no exercício da prática docente, é necessária
constante reflexão sobre nossa prática, em outras palavras, uma auto-avaliação
(FREIRE, 1996).
A formação a que nos referimos é aquela vinculada à postura ética do educador.
Por vezes, nos comprometemos com aquilo que falamos e, com as nossas ações.
Acredita-se ser imprescindível ao educador preparo ético, social e
profissional.
Para Freire (1996), ensinar exige corporificação das palavras, sem a qual,
nossas palavras não passam de falácias, ocas de significados, sem sentido para
os nossos interlocutores. Não se deve correr o risco de cair na fórmula
farisaica de exigir dos outros uma postura ética, quando a nossa não condiz com
o que se fala, ou com que se exige do outro.
Para Chauí (2002), os nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso
moral, e há situações conflitantes que também põem à prova a nossa consciência
moral. Estas qualidades são constituintes do campo ético e estão inerentes à
capacidade de discernimento do ser humano, isto é, de fazer juízo de valores.
O assunto exposto leva a refletir que o professor da disciplina Filosofia, no
exercício de sua função, deve se revestir destas qualidades, as quais nos
parecem ser indispensáveis para estabelecer procedimentos didático-pedagógicos,
que viabilizem boa relação com os seus alunos, e com toda a comunidade escolar.
Segundo Freire (1996), a prática docente é um movimento dinâmico, dialético,
entre o fazer e o pensar, sobre o quê fazer. Com isso, em sua formação, o
docente, em especial o da disciplina Filosofia que atua nas escolas públicas de
São Paulo, deve assumir que o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser
produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.
Uma das concepções contemporânea de ensino baseia-se numa escola que não
somente ensina, mas que também aprende.
Sobre a formação e a prática docente do aprender enquanto se ensina Freire
(Idem) assinala que o seu "distanciamento" epistemológico da prática,
enquanto objeto de sua análise, deve dela "aproximá-lo" ao máximo.
Para esse autor a prática do pensar certo implica o respeito em relação ao
saber ingênuo do aluno. Um saber que faz parte de sua realidade, daquela concepção
de mundo que o cerca, e que suscita um problema, que unido ao conteúdo
subjacente, resulta em um saber mais significativo. Assim, aprende-se com eles;
enquanto se ensina, sistematiza-se o que se aprende e devolve-se a eles um
saber mais e melhor construído, mais próximo do real.
2.3 A FORMAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DEMANDA DIÁLOGO E LIBERDADE
Vigorou por muitos e muitos anos, e ainda em alguns lugares persiste, aquela
educação tradicional, em que se atribui ao professor o centro do saber, e aos
alunos, o papel de receptores de conhecimentos (GALLO, 2008).
É válido, no entanto, deixar claro, que não se trata aqui de fazer crítica a
algum procedimento didático, como é o caso de aulas expositivas, recurso
freqüentemente utilizado ainda nos dias atuais, e que quando feito de forma
adequada, torna-se um recurso eficaz.
O modelo de educação que ao nosso modo de pensar, não passa de mera pretensão,
é aquele que já era denunciado por Sócrates (470-399 a.C.). No livro "A
República", Platão registrou as severas críticas feitas por Sócrates aos
Sofistas, por sua rebuscada oratória, que por vezes, continha apenas meias
verdades. Nesse processo, os interlocutores apenas recebiam passivamente a
mensagem sem a oportunidade de questionar.
Portanto, é necessário pensar que nem tudo que se diz de maneira bonita e de
forma elegante deve ser considerado como verdade.
O que se percebe na educação oferecida pelos sofistas, é que não havia abertura
para o diálogo. Para que haja liberdade para o ensino é necessário evitar aquela
educação que visa catequizar, dogmatizar as pessoas, ou , também uma educação
elitista e autoritária, que procura silenciar o outro.
Para Freire (1996), tanto uma quanto à outra são nocivas e alienantes, e rouba
um direito vital daqueles que buscam e esperam da escola o espaço para
desenvolver e exercer sua liberdade.
Sendo assim, não há, portanto, possibilidade de intervenção e transformação no
mundo, pois é necessária a liberdade para o diálogo. É na escola que se depara
com a pluralidade de idéias, concepções de mundo diferentes, e culturas as mais
diversas.
Daí a necessidade legítima do diálogo, em razão de os homens terem a
necessidade de se sociabilizar, de aprender a viver juntos, aprender a viver
com os outros (DELORS, 2001, p. 96).
Se compreendermos a educação sob a ótica de Gramsci (1978), constataremos que
ele acredita que os homens, como seres históricos, têm a capacidade de
modificar suas condições, sejam elas: materiais, espirituais, sociais,
econômicas, políticas entre outras, mas isso só se realiza através do diálogo,
fenômeno humano, que se realiza por meio da fala, e em muitos casos, por meio
de códigos.
Segundo Freire (Idem), para promover a práxis a palavra não pode negar a
reflexão, senão, torna-se alienante, e nem deve também sacrificar a ação.
Para ele, a palavra verdadeira é aquela que produz a reflexão-ação,
transformando o mundo, pois existir humanamente é pronunciar o mundo, é
modificá-lo. O mundo dos homens não é o do silêncio, pois, os homens se fazem
na palavra, no trabalho, na ação, na reflexão.
2.4 A FORMAÇAO DIDÁTICO PEDAGÓGIA: FILOSOFIA E INTERDISCIPLINARIDADE
No decorrer de um planejamento pedagógico tivemos a oportunidade de ouvir uma
consideração importante de um professor sobre o trabalho realizado em equipe. Ele
procurou distinguir o trabalho em grupo do trabalho em equipe.
O grupo de trabalho pode ser apenas ajuntamento de profissionais tratando de
algum assunto concernente à educação, porém com pensamentos dispersos, sem
envolvimentos mais sérios com uma educação de qualidade.
Mas quando se trabalha em equipe, há compromisso mútuo, senso de solidariedade
e respeito em relação à disciplina e o ponto de vista dos outros professores
nas decisões tomadas em relação ao projeto pedagógico.
Agir de forma a parecer que apenas a disciplina Filosofia na escola, e o seu
profissional, têm a missão em formar pessoas críticas, e as demais disciplinas
estão destituídas dessa missão, não passa de mera pretensão, uma postura que
deve ser considerada, no mínimo, equivocada.
Para Favaretto (2008), devido ao caráter que a filosofia teve no Ocidente, já
acentuado como trânsito entre a unidade e a multiplicidade, entre a dispersão e
a totalização as expectativas em relação ao seu retorno no ensino médio é muito
grande. No entanto, o autor afirma que não é possível fazer de uma disciplina
um centro tão vigoroso e tão definitivo".
Segundo Gallo (2008), uma das coisas que precisa ser evitada quando discutimos
o problema do ensino da Filosofia no Brasil hoje, é certa visão redentorista proposta
em alguns discursos, por alguns profissionais da área ao afirmar que a
disciplina Filosofia retornou com o objetivo de formar alunos com consciência
critica.
Para esse autor, nem toda forma de ensino da Filosofia é crítica. Isso porque
depende da ideologia política do professor, que está ministrando as aulas.
Ele pode ou não pertencer à corrente de pensamento de professores que acreditam
que a estrutura social deva mudar para melhorar a vida de todos. O autor
acrescenta ainda, que se colocarmos o pensamento crítico como valor fundamental
do processo educativo, pode ser perigoso localizá-lo numa única disciplina.
Se por um lado, não se pretende que a filosofia venha a dar conta sozinha de
formar alunos críticos, por outro lado, ela contribui acentuadamente para esse
fim.
Segundo Aspis (2008), antes de nos preocuparmos em que o aluno seja crítico,
devemos ensinar o aluno a enunciar problemas, a desenvolver argumentação,
elaborar problemas e trabalhar conceitos; a aprender e comparar conceitos; e
até mesmo poder chegar a criar um conceito original. Isso deve ser feito com
respaldo de todo o pensamento filosófico.
O trabalho assim realizado, por certo levará os estudantes por si só a terem um
pensamento crítico. Para tanto, é preciso cuidar do teor filosófico, tanto
formal quanto de conteúdo, em todo o processo do ensino de filosofia.
É inegável que a disciplina Filosofia tem caráter problematizador, e diríamos
que é até natural se fazer apologia da disciplina a que temos mais afinidade,
mas é necessário que compreendamos a importância de todas as disciplinas que
compõem o currículo escolar.
Na verdade, todas as disciplinas da escola podem e devem ser trabalhadas de
maneira a formar cidadãos críticos, daí poder se falar de trabalho
interdisciplinar.
2.5 A FORMAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA: A FILOSOFIA E A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Uma questão que norteia o ensino da disciplina no ensino médio das escolas
públicas de São Paulo, e demais instituições, e que sem dúvida perpassa o
pensamento dos que se ocupam de ensiná-la é: Para que ensinar Filosofia nos
dias atuais?
Compreendendo a educação sob a ótica de Saviani (2007), acreditamos ser
necessário ao docente em Filosofia do Ensino Médio das escolas públicas de São
Paulo, ter bem claro, que uma de suas ferramentas a ser utilizada no ensino de
Filosofia é a reflexão filosófica.
Para esse autor, esta reflexão deve satisfazer uma série de exigências, no
entanto, ele resume em três requisitos que parecem ser as bases para a reflexão
filosófica: ela deve ser radical, rigorosa e de conjunto.
A reflexão filosófica deve ser radical, porque se exige em primeira instância,
que o problema seja colocado em termos radicais, entendida a palavra no seu
sentido mais próprio e imediato. Exige-se que se opere uma reflexão profunda,
de maneira que se vá até às raízes do problema.
A reflexão filosófica também deve ser rigorosa, ou seja, deve-se proceder com
rigor, sistematicamente, colocando?se em questão as conclusões da sabedoria
popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar.
A reflexão filosófica deve ser de conjunto, quer dizer, o problema não pode ser
examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se os
aspectos do contexto em que está inserido.
Para Favareto (2008) as expectativas que envolvem o ensino de Filosofia
decorrem da necessidade de tentar sanar as deficiências das mutações culturais,
as tecnologias e aquilo que atinge o comportamento das pessoas como um todo. O
que falta segundo esse autor é o sentido, uma significação que poderia
sustentar as experiências das pessoas.
A experiência filosófica se manifesta no espaço escolar quando o docente
permite aos jovens uma abertura para a busca do real (BORNHEIM, 1976). Se
distribuirmos os conteúdos, os conceitos, temas e passamos a desfilar os
autores de pensamentos filosóficos, sem se atribuir real significado destes
pensamentos aos estudantes, relacionando-os às questões atuais, parece ser um
equívoco.
Segundo Gallo (2008) não se pode privar os jovens brasileiros de ele próprios fazerem,
o movimento da experiência filosófica, e acrescentamos que isso só se torna
possível, quando faz sentido para eles aprenderem Filosofia.
Severino (2007) assinala que a experiência da subjetividade se expressa
fundamentalmente a partir da capacidade de os homens instituírem trocas
simbólicas com os objetos, que fazem parte de seu contexto; por sua vez, o
mundo só alcança o homem através da mediação simbólica.
Deste modo, o autor-assim como Paulo Freire-nos leva a pensar que ensinar é um
processo de relação entre quem ensina e quem aprende mediatizados pelos objetos
a serem conhecidos.
Esse processo deve ser previamente pensado, assumindo-se uma postura
didático-pedagógica por parte do professor, que no contexto atual não deve ser
meramente um comunicador, ou transmissor de informações. Mas aquele que
interage no processo educativo como o que facilita, viabiliza e conduz o
processo de forma crítica e responsável.
O processo do conhecimento em Filosofia, então, adquire significado quando
confrontado à realidade; em outras palavras, ao contexto histórico, social,
cultural e concreto estudantes.
FONTE: http://www.webartigos.com/artigos/filosofia-e-docencia-o-retorno-do-
recalcado/51595/
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Brincadeiras
e jogos na educação infantil
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*Rosiane Violada
Resumo
O presente artigo tem como
objetivo mostrar a importância das brincadeiras e jogos nas escolas de
educação infantil. Através das brincadeiras e jogos, as crianças desenvolvem
saberes, resolvem conflitos, experimentam sensações, lidam com diferentes
sentimentos e aprendem a conviver e a cooperar com um grupo.
Enquanto brinca, a criança está
pensando, criando e desenvolvendo, dentre outros fatores, o pensamento
critico.
Brincar é uma realidade
cotidiana na vida das crianças. E para que brinquem é suficiente que não
sejam impedidas de exercitar a imaginação simbólica, instrumento que lhes
fornece os meios de assimilar o real aos seus desejos e aos seus interesses.
A brincadeira e o jogo são sem
dúvida a forma mais natural de despertar na criança a atenção para uma
atividade. Os jogos devem ser apresentados gradativamente: por meio de o
simples brincar, aprimorar a observação, comparação, imaginação e reflexão.
Através das atividades lúdicas,
as crianças desenvolvem a linguagem oral, a atenção, o raciocínio e a habilidade
do manuseio, além de resgatar suas potencialidades e os seus conhecimentos.
Desenvolve a imaginação, a espontaneidade, o raciocínio mental, a atenção, a
criatividade e tanto a expressão verbal quanto a corporal.
Palavras-chaves: brincadeiras, jogos
e aprendizagem.
Introdução
A utilização do brincar como instrumento pedagógico vem sendo objeto
de constantes pesquisas e estudos. Nesta perspectiva, este artigo, refere-se
uma análise dessa temática destacando a importância do lúdico no processo de
ensino e aprendizagem.
Nos dias de
hoje, o auxílio de concepções psicológicas e pedagógicas, reconhece-se a
importância das brincadeiras com fins de auxiliar no desenvolvimento
infantil, valorizando a construção de conhecimento. O uso contínuo de
brincadeiras com fins pedagógicos remete-nos para a relevância desse
instrumento em situações de ensino-aprendizagem e de desenvolvimento
infantil.
O educador ao
utilizar as brincadeiras em sala de aula transporta para o campo do
ensino-aprendizagem condições de conhecimento introduzindo as propriedades da
ludicidade que contribui para uma melhor assimilação do conhecimento por
parte da criança.
As atividades
lúdicas têm um conceituado papel no ensino, sendo que as mesmas devem ser
vistas como forma alegre e descontraída de aprender, sempre procurando
desenvolver no educando o espírito crítico e investigador, bem como os
sentimentos de disciplina, seriedade e respeito mútuo.
Visando alcançar
uma motivação que dê respaldo na aprendizagem, o educador deve buscar
adequação nas atividades lúdicas voltadas à realidade do meio em que o
educando está inserido.
Portanto, um
elemento significativo nos jogos e brincadeiras é o desafio genuíno que eles
provocam no aluno, que tem gerado interesse e prazer por parte dos mesmos.
Por isso, é salutar
que os jogos e brincadeiras façam parte da cultura escolar de todos os
educandos, cabendo ao professor analisar e avaliar as potencialidades
educativas das variadas atividades lúdicas, bem como as suas estruturas
curriculares que esteja inserida no processo da aprendizagem.
Entendendo que a
brincadeira e os jogos faz parte do centro da vida da criança, tornando-a
ativa a qualquer tipo de atividade, é possível compreender que ao agir a
criança incorpora elementos que vivencia o saber de forma critica e
reflexiva, mas ao mesmo tempo prazerosa, identificando ser melhor para
si e para seu grupo.
A sala de aula
precisa transformar-se então em uma verdadeira oficina, ou seja, em um
ambiente alfabetizador, nos quais as crianças façam uma relação entre o signo
e o significado de forma vital e real.
No entanto, a
escola deve ajustar em sua proposta pedagógica com intuito de buscar
alternativas para ajudar os alunos a desenvolverem suas capacidades e auxiliá-los
nas suas adequações às diversidades culturais que são expostas em seu
universo sociocultural, potencializando o desenvolvimento de todas as
capacidades do aluno, tornando o ensino mais digno e humano.
Desenvolvimento
Por
meio das brincadeiras as crianças desenvolvem saberes, resolvem conflitos,
experimentam sensações, lidam com diferentes sentimentos e aprendem a
conviver e a cooperar com um grupo, sendo que a mesma é uma linguagem natural
da própria criança.
Huizinga
(1980, p. 13), afirma que o jogo:
O jogo
é uma atividade, conseqüentemente tomada como não séria e exterior à vida
habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e
total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com o
qual não se pode obter qualquer lucro, praticado dentro de limites espaciais
e temporais próprios, segundo certa ordem e certas regras.
Na
construção desses conhecimentos é importante que a criança se faça presente
na escola desde a Educação Infantil para que o aluno (a) possa desencadear
todo o processo de aprendizagem, comunicando e se expressando por meio de
atividades lúdicas.
Nesta
perspectiva considera-se como lúdicas todos os elementos que auxilia na
aprendizagem dos alunos, como: as brincadeiras, os jogos, a música, a
arte, a expressão corporal, ou seja, atividades que mantenham a
espontaneidade das crianças.
É
importante ressaltar que o movimento corporal dos alunos em sala de aula
torna as atividades mais agradáveis, interessantes e prazerosas por parte dos
mesmos.
Dentro
do contexto social e educacional (TABANEZ, 2009) a oportunização do brincar
assumiu características próprias, pois seu papel dentro do campo da educação
cresceu e hoje. Podemos afirmar, com segurança, que ela é um agente de
mudança do ponto de vista educacional e, por acreditar nesta afirmação,
consideramos que o desenvolvimento da criança acontece principalmente através
do lúdico. Toda criança precisa brincar para crescer, precisa do jogo como
forma de equilíbrio com o mundo. Brincando e jogando, a criança reproduz as
suas vivências, transformando o real de acordo com seus desejos e interesses.
Por
isso, pode-se dizer que através do brinquedo e do jogo, a criança expressa,
assimila e constrói sua realidade. É o reconhecimento do valor inerente ao
prazer de pertencer a esse enorme tabuleiro em que ganhamos, perdemos,
jogamos, e aprendemos sempre.
Para
crianças pequenas, os jogos são as ações que elas repetem sistematicamente,
mas que possuem um sentido funcional (jogos de exercício), isto é, fonte de
significados e, portanto, possibilitam compreensão, geram satisfação, formam
hábitos que se estruturam num sistema. Essa repetição funcional também
deve estar presente na atividade escolar, pois é importante no sentido de
ajudar a criança a perceber regularidades.
Por
meio de brincadeiras e jogos as crianças não apenas vivenciam situações que
se repetem, mas aprendem a lidar com os símbolos e a pensar por anologia
(jogos simbólicos ): os significados das coisas passam a ser imaginados
por elas. Ao criarem essas anologias, tornam se produtoras de linguagens, criadoras
de convenções, capacitando-se para se submeterem a regra e dar explicações.
Além
disso, passam a compreender e a utilizar convenções e regras que serão
empregadas no processo de ensino e aprendizagem, sendo que essa compreensão
favorece sua integração num mundo social bastante complexo e proporciona as
primeiras aproximações com futuras teorizações.
Em
estágio mais avançado, as crianças aprendem a lidar com situações mais
complexas (jogos com regras) e passam a compreender que as regras podem ser
combinações arbitrárias que os jogadores definem; percebem também que só
podem jogar em função da jogada do outro (ou da jogada anterior, se o jogo
for solitário). Os jogos com regras têm um aspecto importante, pois neles o
fazer e o compreender constituem faces de uma mesma moeda, uma vez que
a participação em jogos de grupos a representa uma conquista cognitiva,
emocional, moral e social para crianças e um estimulo para o desenvolvimento
de seu raciocínio lógico.
“... a
criança quando brinca aprende a se expressar no mundo criando ou
criando novos brinquedos e, com eles, participando de novas experiências e
aquisições.No convívio com outras crianças trava contato com a sociabilidade
espontânea, ensaia movimentos do corpo, experimenta novas sensações”. (Oliveira,
1984,p.43).
Para
Vygostsky, a criança realiza aquilo que gosta, mas aprende a submeter-se a
regras, que fazem com que ela renuncie uma ação impulsiva. Assim, na
brincadeira a criança age de maneira diferente daquilo que gostaria. Esse
exercício favorece o desenvolvimento do controle emocional do respeito ao
outro, da vida social ( apud MOREIRA E ANDRADE, 2008, p. 69).
Vygotsky
(1989, p. 53) aponta também, que toda atividade lúdica da criança possui
regras. A situação imaginaria de qualquer tipo de brinquedo já contem regras
que demonstra características de comportamento. Nesse sentido o lúdico é
fundamental para o desenvolvimento cognitivo, pois o processo de vivenciar
situações imaginarias leva a criança ao desenvolvimento do pensamento
abstrato, quando novos relacionamentos são criados entre significações e
interações com objetos e ações.
Quando
as crianças brincam, observa-se a satisfação que elas experimentam ao
participar das atividades. Sinais de alegria, risos, certa excitação são
componentes desse prazer, embora a contribuição do brincar vá bem alem de
impulsos parciais. A criança consegue conjugar seu mundo de fantasia com a
realidade, transitando, livremente, de uma situação a outra.
(Coria-Sabini).
Segundo Piaget, os jogos coletivos de regras são paradigmáticos para a
moralidade humana. E isto por três razoes pelo menos. Em primeiro,
representam atividade inter-individual necessariamente regulada por certas
normas que, embora geralmente herdadas das gerações anteriores, podem ser
modificadas pelos membros de cada grupo de jogadores, fato este que explicita
a condição de legislador de cada um deles. Em segundo lugar, embora tais
normas não tenham em si caráter moral, o respeito a elas devido é ele sim,
moral (e envolve questões de justiça e honestidade).
Finalmente,
tal respeito prove de mútuos acordos entre os jogadores, e não da mera
aceitação de normas Impostas por autoridades estranhas à comunidade de
jogadores. Vale dizer que, ao optar pelo estudo do jogo de regras, Piaget deixa
anteceder sua interpretação contratual da moralidade humana.
A
evolução da prática e da consciência da regra pode ser dividida em três
etapas:
v A etapa da anomia. Crianças até cinco,
seis anos de idade não seguem regras coletivas;
v A etapa da heteronomia. Nota-se, agora, um
interesse em participar de atividades coletivas e regradas;
v A etapa da autonomia.
Em
primeiro lugar, as crianças jogam seguindo as regras com esmero. Em segundo
lugar, o respeito pelas regras é compreendido como decorrente de mútuos
acordos entre os jogadores, cada um concebendo a si próprio com possível
legislador, ou seja, criador de novas regras que serão submetidas à
apreciação e aceitação dos outros. Deve-se acrescentar que a autonomia
demonstrada na pratica da regra aparece um pouco mais cedo do que aquela
revelada pela consciência da mesma.
“brincando
(...) as crianças aprendem (...),a cooperar com os companheiros (...), a
obedecer as regras do jogo (...), a respeitar os direitos dos outros (...) a
acatar a autoridade (...), a assumir responsabilidade,a aceitar penalidades,
que lhe são impostas (...), a dar oportunidades aos demais (...), enfim, a
viver em sociedade”.
(Kichimoto,1993
p.110).
É necessário então aproveitarmos todas as experiências que cada educando traz
consigo e trabalhá-las a fim de transformar o educando em um sujeito capaz de
construir e reconstruir o seu próprio conhecimento. A atividade lúdica além
de ser um espaço de conhecimento sobre o mundo externo (a realidade física e
social) proporciona à criança a possibilidade de experimentar as emoções com
que convive em sua realidade interior.
Permite-lhe vivenciar, em ações concretas, reais, sentimentos que de outro
modo ficaram guardadas em sonhos de que muitas vezes ela não se recorda.
Assim brincando, a criança desenvolve uma estrutura de organização para
relações emocionais que lhe dá condições para o desenvolvimento das relações
sociais. Sendo assim, a escola e principalmente, a educação infantil deveria
considerar o lúdico como parceiro e utilizá-lo amplamente para atuar no
desenvolvimento e na aprendizagem da criança.
Ao
adotarmos atividades lúdicas como propostas de trabalho, proporcionamos ao
aluno interagir ativamente com seu ambiente e a ambiente escola de maneira
que todas as suas potencialidades sejam envolvidas na construção do
conhecimento.
A
brincadeira de forma geral deve ser incluída em todos os currículos das
Instituições que trabalham com a Educação Infantil e o professor deve ser bem
preparado em sua formação para utilizar as brincadeiras com as crianças
mantendo um vinculo entre aprendizado e diversão.
A
partir das teorias de Piaget e Vygotsky, entendemos que é necessário refletir
sobre o papel do professor ao utilizar o lúdico como recurso pedagógico que
lhe possibilite o reconhecimento sobre a realidade lúdica e seus alunos, bem
como sobre seus interesses e necessidades. Assim, ao utilizar o jogo como
recurso pedagógico na escola, o educador deve considerar a organização do
espaço físico, a escolha dos objetos e dos brinquedos e o tempo que o jogo
irá ocupar em suas atividades diárias. Esses aspectos são definidos como
requisitos práticos fundamentais para o trabalho com o lúdico como recurso
pedagógico.
As atividades
lúdicas, como brincadeiras e jogos, são altamente importantes na vida da
criança. Primeiro, por serem atividades nas quais ela está interessada
naturalmente; segundo, por serem no jogo que a criança desenvolve suas
percepções, sua inteligência, suas tendências á experimentação, seus
instintos sociais.
A
criança ao jogar, não só incorpora regras socialmente estabelecidas, mas
também cria possibilidades de significados e desenvolve conceitos é o que
justifica a adoção do jogo como aliado importante nas práticas
pedagógicas.
O jogo
pode ser considerado um dos elementos fundamentais para que os processos de
ensino e de aprendizagem podendo superar os conteúdos prontos, acabados
e repetitivos, que tornam a educação escolar tão maçante, sem vida e sem
alegria. O jogo pode ser um elemento importante pelo qual a criança aprende,
sendo sujeito ativo desta aprendizagem que tem na ludicidade o prazer de
aprender.
Conclusão
Ao
adotarmos atividades lúdicas como proposta de trabalho articulados na
construção de conhecimentos dos alunos da Educação Infantil tem proporcionado
uma interação ativa com seu ambiente e a ambiente escola de forma em que
todas as suas potencialidades sejam envolvidas na construção do conhecimento.
O
resgate lúdico deve ser visto como uma abordagem metodológica que propicia na
criança o processo de construção de conhecimentos, através do que lhe é real
do que ela julga melhor para si e para seu grupo. E ainda, aliado as suas
experiências, torna-se sujeito ativo de sua aprendizagem experimentando o
prazer de “aprender com prazer”.
Desta
forma, as atividades lúdicas devem ser aplicadas no sentido de abrir espaços
para o diálogo e a reflexão, pois são necessários, sempre a partir do que é
real para que o educando se sinta compreendido e respeitado.
Nesse
sentido grande é o papel do professor, pois cabe instruir e valorizar o
educando na interação humana, no desenvolvimento do seu raciocínio lógico.
Assim a aprendizagem do seu efeito positivo se vincula ao prazer e a relação
afetiva nas ações pedagógicas.
A
escola enquanto instituição de formação deve ajustar sua proposta pedagógica
voltada às diversas alternativas de ensinar de modo a auxiliar os alunos a
desenvolverem suas capacidades e habilidades auxiliando-os na adequação às
varias vivências a que são expostas em seu universo cultural, potencializando
o desenvolvimento de todas as capacidades do aluno, tornando o ensino mais
digno e humano.
*Rosiane Violada é professora das séries iniciais, graduada em
pedagogia pela UFMT e pós graduada em educação infantil pela Prominas.
Referências bibliográficas
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Matemática /Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamenta –
3. ed. – Brasília : A secretaria, 2001.
RAUL, Maria Cristina Trois Dornels. A
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Trois Dorneles Rau. -Curitiba: Ibpex, 2007.
LA TAILLE, Yves de 1951- Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias
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Heloysa Dantas. – São Paulo: Summus, 1992.
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Vilabol. UOL.com.br/g5a.Htm- 04/01/2011- 10:36.
MOREIRA E ANDRADE: Questões do Cotidiano
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TABANEZ ,Andréa Martinez: Desafios e Descobertas em
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de Mato Grosso: novos tempos e espaços para ensinar-aprender a sentir, ser e
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Física – Ciclo Básico de Aprendizagem, Cuiabá, 1998.
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Violência e escola: a participação do gestor na sua prevenção e conseqüente minimização
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Resumo: A violência é um fenômeno social, que inclusive, se manifesta nas escolas, sejam elas públicas ou particulares, sob diversas formas, proporcionando conseqüências nocivas ao psicológico e físico das vítimas; geradas por distintos atores que as freqüentam e não, exclusivamente pelos alunos. Nesse sentido, a gestão escolar apresenta-se como peça chave para o desenvolvimento e aplicação de um projeto pedagógico, que permita a manutenção da qualidade dos processos de ensino e de aprendizagem e também da relação entre os membros escolares.
Palavras-chave: Escola, Gestão, Violência.
Abstract:
Violence is a social phenomenon, which also manifests itself in
schools, whether public or private, in various forms, providing harmful
consequences to the victims' psychological and physical, generated by
different actors who frequent them and not exclusively by students. In
this sense, the school management is presented as key to the development
and implementation of an educational project, which permits the
maintenance of quality of teaching and learning and also the
relationship between the school members.
Key-words: School, Management, Violence
Introdução
O presente artigo visa analisar como a ação da gestão escolar pode influenciar os casos de violência que ocorrem nas escolas, no que concerne à sua perpetuação e, conseqüente auto-suficiência ou ainda redução, em outras palavras, minimização.
Para tanto, iniciar-se-á a análise a partir da reflexão sobre o conceito de violência, devido à sua abrangência, posteriormente, a sua manifestação enquanto fenômeno nas escolas, desvinculando qualificações generalistas para qualquer situação de atrito que normalmente ocorrem nestas e, finalmente, a abordagem da gestão escolar.
Reflexão: violência e possíveis manifestações na escola
O cotidiano escolar reflete o contexto histórico de um período, marcado por distintos fatores sociais, econômicos e políticos, portanto culturais, assim “[...] a educação não pairou acima das contingências políticas, sociais e econômicas, mas delas recebeu influências marcantes”, (BARRETTO, 1992, p. 57).
Nesse cenário, há uma grande diversidade socioeconômica, política e religiosa, convivendo intensamente e, ao mesmo tempo, nesse ambiente, constituindo o palco dos possíveis resultados da combinação das distintas realidades trazidas pelos alunos e funcionários, desta forma, criando e desenvolvendo as situações sob as quais, o grupo escolar deverá agir.
Com isso, é possível conceber que toda essa pluralidade cultural, que também engloba as intenções políticas e os conflitos socioeconômicos de um período, proporciona o cenário de atuação das unidades escolares, que embora administrando suas individualidades, compartilham pontos comuns, desde a subordinação a leis e regras, até a falta de assiduidade dos professores, indisciplina discente generalizada, excesso de notas vermelhas e outros.
Com base no cenário desenvolvido acima e pelo proposto na introdução, a compreensão da palavra “violência”, não é tema de debates atuais, mas de longa data, há uma dificuldade para se acordar um significado comum, já que “é definitivamente uma palavra-valor, uma palavra que implica referências éticas, culturais, políticas” (CHARLOT, 2006, p. 24), ou seja, proporciona uma considerável abrangência de significados possíveis, carregados de intenções, ideologias e valores. Antes pudéssemos encará-la simplesmente como uma palavra do cotidiano, de origem etimológica que;
[...] remonta ao termo latino “violentia” (força, caráter bravio ou violento) e ao verbo “violare” (transgredir, profanar, tratar com violência). O núcleo de significação “vis” significa força, vigor, potência, violência, emprego de força física, mas também quantidade, abundância, essência de alguma coisa. (MICHAUD apud NOGUEIRA, 2007, p.61).
Entretanto, deve-se concebê-la como um conceito que possui uma ampla zona significativa, atrelada as percepções enraizadas em diferentes sociedades, ao longo do tempo, já que “a violência é um conceito relativo, histórico e mutável “[...] é ressignificada segundo, tempos, lugares, relações e percepções, e não se dá somente em atos e práticas materiais” (ABRAMOVAY et al., 2006, p. 54), com isso, “conceituar violência não parece ser uma tarefa simples. Por isso, não é possível analisar a violência de uma única maneira, tomá-la como fenômeno uniforme”, (NOGUEIRA, 2007, p. 60).
Nesse contexto, Charlot (2006) afirma que a violência é uma nomeação atribuída à ação física ou falada, na qual o individuo perde seus direitos, enquanto membro de uma sociedade, tendo em vista, que são essas situações que os negam. Enquanto para Castro;
O termo é potente demais para que [um consenso] seja possível. Não obstante, um entendimento do termo ditado pelo senso-comum é, grosso modo, que a violência classifica qualquer agressão física contra seres humanos, cometida com a intenção de lhes causar dano, dor ou sofrimento. (apud ABRAMOVAY et al., 2006, p. 55).
Já para Fernández-Villanueva (apud Salles et al., 2008, p. 16), “a violência se caracteriza por um tipo específico de relações sociais que para serem mantidas precisam de uma ameaça latente ou explicita”.
Com base nos parágrafos anteriores, em que foram apresentados diversas significações sobre violência; é possível apreender que há pontos similares, em outras palavras, elementos comuns, que possivelmente permeiam diferentes concepções sobre esse conceito como, por exemplo;
A noção de coerção ou força e o dano que é produzido [...] violação de direitos humanos e sentidos para os vitimados, sendo, portanto básico privilegiar no conceito de violência tanto princípios civilizatórios
sobre direitos [...] quanto o percebido, o sentido, o assumido como
sofrimento, dor ou dano. (ABRAMOVAY et al., 2006, p. 56).
Conforme o desenvolvimento acerca do conceito violência, pode-se caracterizá-lo como a ação e ou ameaça física, simbólica e verbal dirigida a um indivíduo, acarretando conseqüências danosas a sua integridade corporal e ou psicológica. Partindo desse ponto, sob a óptica do contexto escolar, como se compreenderia a manifestação desse fenômeno?
Primeiramente, os casos de violência escolar não são acontecimentos exclusivos das últimas décadas ou ainda típicos dos nossos dias, pois perpassam esse ambiente, possivelmente desde a sua criação – em maior ou menor intensidade de ocorrência – no entanto, ao longo do tempo, foram suas feições, que se tornaram diferentes daquelas de épocas passadas.
Assim, Charlot (2002, p. 432) considera que “[...] a violência na escola não é um fenômeno radicalmente novo, ela assume formas que, estas sim, são novas” e ainda para o respectivo autor (2002), a mesma é caracterizada por ser mais grave, envolver crianças
cada vez mais novas, pelo clima interno de constante medo e receio de
que algo negativo possa acontecer, a qualquer momento e por sofrer invasões externas, das quais;
“[...] trata-se, por vezes, da entrada nos estabelecimentos escolares, até mesmo nas próprias salas de aula, de bandos de jovens que vêm acertar, na escola, contas das disputas nascidas no bairro; trata-se, mais seguidamente ainda, de um pai, de uma mãe, de um irmão, de um amigo, que vem vingar brutalmente uma “injustiça” sofrida por um aluno, da parte de um membro do pessoal da escola. Há aí uma outra fonte de angústia social: a escola não se apresenta mais como um lugar protegido, até mesmo sagrado, mas como um espaço aberto às agressões vindas de fora.” (CHARLOT, 2002, p. 433).
Nesse sentido, “[...] a violência, nas escolas é um fenômeno perpassado por múltiplas fontes de tensão – sociais, institucionais, relacionais e pedagógicas – que hoje agitam os estabelecimentos de ensino [...]” (CHARLOT apud ABRAMOVAY et al., 2006, p. 80), com isso, há dois pólos geradores de violência; o primeiro vinculado a própria escola, pois é a sua organização interna que interfere diretamente em como ocorrem às interações entre funcionários/alunos, alunos/alunos e funcionários/funcionários; já o outro pólo concerne à influência externa – no que concerne, por exemplo, aos valores culturais disseminados, papel da família, realidade socioeconômica dos alunos, leis e ideologias políticas entre outros – que adentra os muros escolares, através dos indivíduos que a freqüentam. Como resultado, há uma contínua relação entre esses pólos, ora um sobrepondo-se ao outro, assim interferindo na geração de casos de violência, desta forma, coexistem simultaneamente.
Em referencia ao segundo pólo – apresentado no parágrafo anterior – Salles et al. (2008, p. 17) oferece uma contribuição fundamental para a presente análise, pois reflete que “a violência faz parte, também, do cotidiano escolar [...] é atribuída a fatores relacionados à ordem social mais ampla que, no entanto, repercutem na escola [...]”.
Com isso, é através dessa perpetua relação entre os pólos internos e externos, que se podem caracterizar as vertentes assumidas pela violência na escola, que na óptica de Charlot (2002) se constituem sob três formas; “violência à escola”, “violência da escola” e “violência na escola”.
A primeira vertente refere-se à violência gerada pelos alunos contra a escola, ou aqueles que a representam, na forma de agressões físicas e psicológicas, além da depredação do conjunto físico escolar como, por exemplo, o prédio, carteiras, cadeiras, sanitários e outros componentes materiais e de infra-estrutura que fazem parte da escola.
Já a segunda vertente tange à violência causada pelas atividades institucionais e pelo tratamento dos funcionários para com os alunos, através dos “[...] modos de composição das classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injusto ou racistas [...]” (CHARLOT, 2002, p. 433).
Por fim, a terceira vertente concerne aos casos de violência que ocorrem dentro da escola, mas não
se originaram nesse recinto, ou seja, poderiam ter acontecido em
qualquer lugar como, por exemplo, estupros, assassinatos por acertos de
gangues rivais entre outros casos.
À proposta conceptiva de Charlot, pode-se acrescentar uma “quarta vertente” de caracterização da violência escolar, que possui raízes profundas a exposição desse autor, o bullying. Sob essa perspectiva, a escola torna-se um ambiente de perigo contínuo e constante, assim a violência, principalmente, de alunos contra alunos se mantém atualmente como um estigma escolar.
Nesse cenário, pode-se caracterizar o bullying, por atos físicos ou verbais que são dirigidos significativamente de alunos para alunos no ambiente escolar, acarretando conseqüências nocivas a sua integridade corporal e ou psicológica, assim;
[...] bullying compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudante contra outro(s), causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder [...] conseqüente da diferença de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional, ou do maior apoio dos demais estudantes. (NETO, 2005, p. 165).
Com isso, é pertinente afirmar que bullying materializa-se em comportamentos agressivos que ocorrem nas escolas, além isso, atualmente, a internet é usada, em inúmeros casos, para a realização do bullying, assim extrapolando os limites da escola e alcançando o mundo através de sites de relacionamento, e-mails, mensagens públicas de textos curtos e longos, fotos e vídeos e também através da telefonia fixa e móvel, caracterizando o que alguns autores consideram como cyberbullying, que “[...] trata-se do uso da tecnologia da informação e comunicação [...] como recurso para a adoção de comportamentos deliberados, repetidos e hostis, de um indivíduo ou grupo, que pretende causar danos a outro(s).” (BELSEY apud NETO, 2005, p. 166).
Muitas vezes, devido à freqüência das ocorrências é que são tradicionalmente admitidos como naturais, sendo habitualmente ignorados ou não valorizados, tanto por professores quanto pelos outros profissionais e responsáveis legais, assim “[...] termina por ser considerado “naturalizado”, como se fosse normal, próprio da adolescência. A banalização do bullying provoca a insensibilidade ao sofrimento, ao desrespeito, à invasão do campo do outro” (NOGUEIRA, 2007, p. 207).
Nesse sentido, é “[...] uma forma de violência que sempre existiu nas escolas, onde valentões e briguentos oprimem suas vítimas
por motivos banais e de forma sutil, sendo percebida por uma
significativa parcela de professores, coordenadores e diretores [...]”, (HORNBLAS, 2009, p. 18), dessa maneira, pode-se afirmar que com o decorrer do tempo, assumiu novas formas causais e conseqüências, já que refletem os distintos valores humanos de um determinado período.
Com base nos três autores consultados anteriormente, Hornblas (2009), Neto (2005) e Nogueira (2007), há duas formais possíveis de manifestação do bullying, a saber; direta e indireta. Ao que tange à primeira, essa ocorre por meio de ações dirigidas claramente a alguém, sob as formas verbais (xingamentos, apelidos e outras tipos de “chacota”) e ou física (agressão a pessoa e seus pertences, inclusive roubos).
Já ao que se refere à segunda, pode-se caracterizá-la como a atitude “camuflada”, isto é, através de rumores, “fofocas”, negação, indiferença, isolamento entre outras; sendo a mais difícil de identificar no cenário escolar; e ambas provocam danos físicos e ou psicológicos.
Além disso, há a mística de que os alunos caracterizam-se como os únicos agentes deflagradores de violência nas escolas, entretanto se constituem como uma das diferentes peças que a compõem, assim não são os exclusivos atores desses casos, pois como visto anteriormente, representam uma das três possíveis vertentes por onde a violência apresenta a sua gênese, o que reafirma “[...] a apreensão de processos de construção da violência nas escolas, considerando distintos atores, como professores, diretores, funcionários e alunos e focalizando tanto percepções como construtos da realidade que as embasam”, (ABRAMOVAY et al., 2006, p. 79). Nessa mesma óptica, Salles (2008, p. 16) reforça que “essas práticas são moldadas pelos valores, regras e princípios sociais adotados pelos diferentes atores, adultos e jovens, que se fazem presentes no contexto escolar”.
É mister refletir que atos de violência escolar não são típicos das unidades públicas – como parte integrante do seu cotidiano – mas também se apresentam na realidade das escolas particulares. Há nesse caso, uma questão relacionada às suas respectivas fragilidades, em outras palavras, o grau de interferência frente aos contextos social, cultural e econômico, assim as escolas públicas;
[...] apresentam um maior grau de vulnerabilidade, visto que são menos providas de recursos humanos e materiais, com maior índice de abandono, evasão e reprovação, uma maior diversidade cultural da clientela e, portanto menos homogêneas do que os estabelecimentos da rede privada. (ABRAMOVAY et al., 2006, p. 34).
Neste cenário, cada segmento de escolas, seja da rede pública ou da particular, apresenta diferentes formas de manifestação de violência, que refletem suas próprias realidades, apesar de compartilharem similaridades, tanto à forma (física, psicológica e simbólica), quanto à origem das mesmas, pois são oriundos da intolerância, indiferença, preconceito, racismos e segregação, que podem desabrochar no primeiro ou no segundo pólo gerador de violência – como visto anteriormente – que em rápidas palavras são respectivamente, na própria escola e ou fora desta.
Com base nos últimos parágrafos, percebe-se que os casos de violência na escola são resultados de distintos fatores, internos e externos ao ambiente escolar, representando o contexto social de um dado período e, além disso, envolvendo a todos, em outras palavras, abarcando as possíveis interações entre os indivíduos que interagem nesse ambiente. Assim, como se caracterizaria a influencia da gestão nesse cenário?
Escola: violência e gestão
A violência, como observado anteriormente, é um fenômeno presente no cotidiano escolar, possivelmente desde a sua gênese, assumindo as mais variadas formas e conseqüências, ao longo dos anos, onde seus efeitos, de acordo com Aquino (1998, p. 03) “[...] representam, sem dúvida, a parcela mais onerosa de tais vicissitudes”.
Quando o autor utiliza a palavra “vicissitudes” refere-se às situações que se deflagram posteriormente a execução de um caso de violência escolar, em outras palavras, as ações que são desencadeadas após essas ocorrências, que visam restabelecer a “ordem”, a recuperação física ou psicológica e a conscientização do agressor, nessa óptica;
[...] a palavra de ordem passa a ser o “encaminhamento”. Encaminha-se para o coordenador, para o diretor, para os pais ou responsáveis, para o psicólogo, para o policial. Numa situação-limite, isto é, na impossibilidade do encaminhamento, a decisão, não raras vezes, é o expurgo ou a exclusão velada sob a forma das “transferências” ou mesmo do “convite” à auto-retirada. (AQUINO, 1998, p. 02-03).
Assim, pode-se afirmar que a gestão possui um papel fundamental, embora não se caracterize como o único agente de interferência em todo esse cenário escolar, incluindo a sua influência na intensidade e freqüência que os casos de violência escolar assumem nas unidades de ensino.
Nesse sentido, a escola enquanto instituição favorece a homogeneização dos alunos através de vários fatores determinantes como, por exemplo, a distribuição e ordenamento das salas, o uniforme, as normas de conduta internas, partição do tempo e outros, assim;
O sujeito concreto, enquadrado em determinadas coordenadas institucionais especificas, não pode ser encarado como um protótipo individual de uma suposta “natureza humana padrão”, tomada como modelo universal, ideal e compulsório, que não suportaria idiossincrasias (tomadas, por sua vez, como desvio anomalia, distúrbio). (AQUINO, 1998, p. 05).
Dessa maneira, é construído um estereótipo de “aluno padrão”, logo aqueles que não se enquadram são, concomitantemente, considerados “discentes problemas”, pois através de alguns dos seus atos, ocorre a manifestação da não representação do papel estereotipado que lhe fora atribuído pela rotina burocrática e não reflexiva, que é realidade em uma parcela significativa das escolas. Dessa forma, alguns atos podem se desdobrar nas formas de “violência à escola” e ainda de bullying.
Por isso, deve-se desconstruir essa imagem pré-concebida e analisar as situações como únicas,
ou seja, refletir sobre os seus motivos e, a partir disso, propor de
fato encaminhamentos e adotar procedimentos mais adequados para as
mesmas, com isso, percebe-se que no ambiente escolar, as diversas decisões são aplicadas para solucionar situações durante a sua ocorrência e, não necessariamente, são resultados de processos reflexivos, conseqüentemente, não se vinculam a uma proposta planejada, assim “[...] a realidade da escola é feita de urgências e muitas decisões são tomadas na incerteza [...]”, (THURLER, 2001, p. 116).
Nesse sentido, as decisões tomadas não são reflexo da realidade organizacional escolar, o que acarreta a construção de um cenário baseado no resultado gerado pelas tomadas de decisão, que variam a partir das distintas possibilidades de direcionamentos.
Com isso, a gestão deve constituir uma equipe engajada em um projeto atuante, transformando os possíveis descompassos administrativos e pedagógicos em situações de aprendizado, “[...] visto que ela contribui para construção coletiva e cooperativa da mudança”, (THURLER, 2001, p. 120).
No entanto, o papel da coordenação pedagógica, nos limites legais da sua função e naqueles que de fato existem em cada organização escolar, como fruto de distintas dinâmicas internas, é fundamental para a construção e manutenção de uma organização reflexiva e participativa, pois é o elo entre as esferas pedagógicas e administrativas.
Desta forma, é através da articulação e integração de práticas de avaliação/assistência pedagógica e didática, que a coordenação e a direção visam formar um grupo docente, engajado na manutenção da qualidade da unidade escolar, pois os mesmos interferem no seu funcionamento.
Nessa óptica, deve existir um laço construtivo entre a cultura organizacional e o desenvolvimento do professor, pois é nessa inter-relação, que a direção pode atuar junto à coordenação, na construção de um processo de ensino e de aprendizagem dialogado e dinâmico, que possibilite a formação crítica, conseqüentemente, de um indivíduo ativo na (re)construção do seu contexto social, além disso, promovendo, concomitantemente, a manutenção e conscientização permanente dos casos de violência escolar, dessa forma, os minimizando sem a geração de mais violência.
Conforme o desenvolvido acima, pode-se afirmar que a simbiose entre gestão e coordenação constitui-se como o agente articulador e integrador das ações pedagógicas, através da sua manutenção e a partir das definições contidas no projeto pedagógico, proporcionando a funcionalidade do ambiente em um caminho mais autônomo, descentralizando decisões e reduzindo relações impositivas, nesse sentido, propiciar-se-ia a reflexão dos membros envolvidos quanto a sua inserção no fazer pedagógico, sendo essa, a condição para a melhoria da qualidade na convivência entre os membros da organização escolar e dos seus processos.
Com isso, a liderança é condicional na mudança da realidade escolar vivida, pois “[...] consiste em propor ópticas mobilizadoras [...] conceber as estratégias de mudança [...]”, (THURLER, 2001, p. 146).
Nesse sentido, a gestão poderia praticar o empowerment – “[...] parte de um campo de forças, a mesmo título que outras variáveis [...] que se conjugam em um esforço pactuado e sistemático para melhorar a gestão do progresso dos alunos.”, (Thurler, 2001, p. 159) – dos professores e coordenadores, pois asseguraria a autonomia necessária para os mesmos “[...] fazerem seu trabalho e repensá-lo”, (THURLER, 2001, p. 157), dessa forma, reconhecer e delegar, são ações fundamentais que a direção exerce para possibilitar as suas participações efetivas, acerca das práticas pedagógicas, em que os agentes envolvidos reconhecem o seu papel e influenciam na qualidade dos processos da escola.
Para tanto, seria necessário transformar hábitos da cultura organizacional escolar, porque demandaria novas relações de poder e divisão do trabalho, com isso, a origem dessa mudança não se caracterizaria através de uma ação imposta por alguma minoria, mas concebida de fato pelo grupo na busca da cicatrização das chagas escolares, dentre essas, a violência; e o diretor “[...] pode fazer as competências emergirem, facilita a concepção e aplicação de novas modalidades organizacionais, fica à escuta de novas idéias, critica-as de maneira construtiva [...]”, (THURLER, 2001, p. 162).
Considerações finais
Conforme o desenvolvido ao longo do artigo, a gestão escolar deve favorecer a constituição de uma liderança, assumida “[...] de modo cooperativo por um conjunto de atores, nenhum dos quais é líder formal e informal o tempo todo [...]”, (THURLER, 2001, p. 161).
Com isso, é possível afirmar que a direção pode contribuir na organização da equipe escolar, para que os agentes envolvidos direcionem seus esforços na mesma direção,
em outras palavras, trabalhar em harmonia para o pleno funcionamento da
escola, elevando a qualidade dos processos de ensino e de aprendizagem,
além disso, minimizando os eventos de violência que são considerados “comuns” por causa da sua freqüência de ocorrência. Dessa forma, a função do diretor é de agente ressignificador sob uma óptica global de divisões das tarefas e de outros direcionamentos organizacionais.
Referências Bibliográficas
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CHARLOT, Bernard. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Porto Alegre: Revista eletrônica Interface, ano 4, n°8, jul/dez 2002, p. 432-443. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/soc/n8/n8a16.pdf. Acesso em 26 jan. 2010.
THURLER, Monica Gather. Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artmed, 2001.
1Especialista em Gestão Escolar – Universidade Cidade de São Paulo UNICID. Bacharel e licenciado em Geografia – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Efetivo da Rede Estadual de Ensino de São Paulo. Email:
diegosegobiabocci@gmail.com.
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Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 15 DOI: 10.5007/1981-1322.2011v6n1p15 A Generalização dos Termos de uma Progressão Aritmética por Alunos do Ensino Médio The Generalization of the Terms of an Arithmetic Progression by High Schools Students César Augusto Sverberi Carvalho augustosverberi@uol.com.br
Resumo Este artigo relata os resultados da primeira sessão de uma sequência didática aplicada para alunos de uma 1ª série do Ensino Médio. Esta sequência didática faz parte de uma pesquisa que tinha por objetivo verificar se é possível dar condições para que alunos generalizem termos de uma Progressão Aritmética e, em caso afirmativo, se esta generalização permite que estes alunos construam uma fórmula para o termo geral. O artigo apresenta teorias que fundamentaram tal pesquisa e a metodologia utilizada para elaborar, aplicar e analisar a sequência didática. Os resultados da sessão revelaram que alguns alunos conseguiram construir um esquema generalizador para os termos de uma progressão aritmética, o que indica que alunos conseguem generalizar termos deste tipo de sequência e esta generalização pode ser utilizada para levá-los à construção de uma fórmula para o termo geral.
Palavras-chave: Ensino Médio. Generalização. Progressão Aritmética.
Abstract This article reports the results of the first session of a sequence applied to High School students of the Grade 10. This teaching sequence is part of a survey that aimed to check whether it is possible to give conditions for students to generalize terms of an Arithmetic Progression, and if so, whether this generalization allows these students to build a formula for the general term. The article presents theories that supported their research and the methodology used to develop, implement and analyze the didactic sequence. The results revealed that session some students managed to build a framework for generalizing the terms of an arithmetic progression, which indicates that students can generalize the terms of this type of sequence and this generalization can be used to bring them to construct a formula for general term. Keywords: High School. Generalization. Arithmetic Progression. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 16
Introdução O ensino de Álgebra tem sido apontado por pesquisadores da Educação Matemática como fonte de discussão quanto a seus métodos, a fim de que estes possibilitem ao aluno o desenvolvimento do pensamento algébrico1. Dentre estes pesquisadores, Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) afirmam que a introdução precoce e sem suporte concreto a uma linguagem simbólica abstrata pode funcionar como freio à aprendizagem significativa da Álgebra, bem como o menosprezo ao modo de expressão simbólico-formal. Estes autores defendem que a primeira etapa da Educação Algébrica deve ser o trabalho com situações-problema, que deve ser realizado de forma a garantir o exercício dos elementos caracterizadores do pensamento algébrico. Dentre os elementos caracterizadores de tal pensamento está o processo de generalização, apontado por Vale e Pimentel (2005) como importante para que os alunos criem expressões algébricas ou mecanismos que conduzam a estas. Vale e Pimentel (2005) afirmam que o uso de padrões é um componente poderoso da atividade matemática, uma vez que a sua procura é indispensável para conjecturar e generalizar. Elas consideram que as tarefas que envolvem a procura de padrões permitem promover o desenvolvimento do raciocínio matemático dos alunos e melhorar a compreensão do sentido do número, da álgebra e de conceitos geométricos. Em uma pesquisa do GPEA2, Perez (2006) verificou que um grupo de alunos do Ensino Médio foi capaz de generalizar padrões através de diferentes estratégias. Tal pesquisa mostrou que os alunos conseguiram construir e explicar mecanismos de generalização para sequências diversas e verificou que, por mais que o pensamento algébrico já estivesse sendo desenvolvido3, os alunos tiveram dificuldades em escrever simbolicamente a regra geral de uma sequência. 1 Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) defendem que o pensamento algébrico se caracteriza por percepção de regularidades, percepção de aspectos invariantes em contraste com outros que variam, tentativas de expressar ou explicitar a estrutura de uma situação-problema e a presença do processo de generalização. 2 Grupo de Pesquisa em Educação Algébrica da PUC-SP. 3 Segundo Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), o pensamento algébrico pode ser expresso por meio da linguagem natural, aritmética, geométrica ou através de uma linguagem específica para este fim, isto é, através de uma linguagem algébrica, de natureza estritamente simbólica. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 17 Após verificar nesta pesquisa alunos que ainda não haviam estudado progressões, generalizando e encontrando termos destas, decidi realizar uma pesquisa que investigasse a possibilidade de propor um trabalho sobre Progressão Aritmética (PA) que capacitasse alunos do Ensino Médio a generalizar termos da sequência e levasse-os à construção de uma fórmula para o termo geral. Quadro teórico Vale e Pimentel (2005) consideram as atividades que possuem tarefas generalizadoras baseadas em padrões necessárias para estabelecer conexões entre os padrões e a Álgebra. Tais autoras argumentam que a procura de padrões é uma parte crucial na resolução de problemas e no trabalho investigativo e consideram importante o desenvolvimento dessa capacidade nos estudantes, começando com tarefas de reconhecimento de padrões para facilitar em posteriores tarefas mais complexas. Nos anos iniciais, os alunos devem ser capazes de descrever padrões como 2, 4, 6, 8, ... dizendo como é obtido o termo a partir do anterior – neste caso somando 2 – é o início do pensamento recursivo. [...] Mais tarde os alunos devem realizar pensamento recursivos mais complexos, como na seqüência de Fibonacci 1, 1, 2, 3, 5, 8,... (VALE e PIMENTEL, 2005, p. 15). Vale e Pimentel (2005) afirmam que a procura e identificação de padrões utilizam e enfatizam a exploração, investigação, conjectura e prova, desafiando os alunos a recorrer às suas destrezas de pensamento e ordem. De acordo com as autoras, na medida em que a matemática é a ciência dos padrões, ela trata da procura da estrutura comum subjacente a coisas que em tudo o resto parecem completamente diferentes e que, deste modo, o uso de padrões é uma componente poderosa da atividade matemática, uma vez que a sua procura é indispensável para conjecturar e generalizar. Segundo Herbert e Brown (1997), o processo investigativo com padrões envolve três fases: 1. Procura de padrões – extrair a informação relevante; 2. Reconhecimento do padrão, descrevendo-o através de métodos diferentes – a análise dos aspectos matemáticos; 3. Generalização do padrão – a interpretação e aplicação do que se aprendeu. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 18 De acordo com tais autoras, estudantes usam múltiplas representações de uma informação na procura pela generalização de um padrão. Com isso, sugerem que os professores, quando observarem essa multiplicidade, devem direcionar os alunos a representarem esta informação em tabelas ou gráficos. Um grande defensor do trabalho com padrões e referência em diversos estudos sobre o tema é o pesquisador inglês John Mason, que afirma que o futuro da aritmética e da álgebra depende da utilização do sentido de generalidade. A essência do pensamento matemático é o reconhecimento, apreciação, expressão e manipulação da generalidade. Isso implica ao mesmo tempo particularizar e generalizar, assim como conjecturar e justificar. (MASON, 1996b, p.8). Mason (1996b) afirma que a aritmética foi e ainda é a fonte original da álgebra como instrumento para expressar generalidade e representar o desconhecido e que o futuro do ensino de aritmética e álgebra está no sentido que o professor tem dos processos do pensamento matemático e, em particular, da generalização. Mason (1996a) afirma que um dos meios de desenvolver a consciência de generalidade é sensibilizar-se pela distinção entre “olhar através” e “olhar para”, o que implica “ver a generalidade no particular” e “ver o particular no geral”. Logo, o aluno deve ser frequentemente instigado a procurar e reconhecer padrões para que posteriormente consiga generalizar, conforme apontam as três fases indicadas por Herbert e Brown (1997) e, também, deve ser instigado a particularizar determinados elementos da generalidade, conforme aponta Mason. Segundo o autor, a facilidade na manipulação de generalidades acompanha a confiança em desenvolver expressões e perceber múltiplas expressões para uma mesma coisa. Ele argumenta que “o emprego da Álgebra para resolver problemas depende de uma expressão confiável da generalidade [...] apoiada pela compreensão do papel das restrições sobre as variáveis”. (MASON, 1996a, p.66). Afirma também que a percepção de diferentes padrões de regularidade e a descrição destes padrões cria oportunidade para um confronto entre as diferentes soluções e torna evidente a possibilidade da existência de modos diferentes de ver um problema e suas soluções. Lee (1996) acrescenta que o trabalho com padrões é benéfico para o ensino da Álgebra porque importantes atividades como resolução de problemas, estudo de funções e outras, podem ser vistas como atividades de generalização de padrão. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 19 Segundo esta autora, a chave para o sucesso nesse tipo de atividade parece estar na primeira fase que ela contempla, ou seja, na observação do padrão, onde certa flexibilidade é necessária para chegar a um padrão matemático perceptível. Lee (1996) considera que o trabalho desenvolvido por meio da generalização de padrões é estimulante e propicia que o aluno exercite seu modo de observar, pensar e agir diante de um determinado problema. A autora ressalta que o professor, ao propor esse tipo de atividade, deve estar atento para compreender e avaliar as diversas maneiras que os alunos encontram para resolver problemas desse tipo. A autora destaca que para os jovens e adultos observados, o maior problema não foi o de ver o padrão, mas sim o de perceber um padrão útil algebricamente, o qual levasse a uma solução geral e comenta que quando os alunos se fixavam em uma percepção inicial de padrão, era muito difícil fazê-los abandoná-la, pois eles frequentemente retornavam a uma percepção que não levava à solução. Sobre dificuldades que alunos podem vir a ter no processo de generalização de padrões, Zazkis e Liljedhal (2002) afirmam que existe uma tensão entre pensamento algébrico e escrita algébrica. Estes autores relatam tentativas de professores em formação para generalizar um padrão numérico, discutindo as emergentes formas de pensamento algébrico destes estudantes e a variedade de maneiras pelas quais generalizaram e simbolizaram suas generalizações. Os resultados desta pesquisa indicam que a capacidade dos estudantes de expressar a generalidade verbalmente não foi acompanhada por notação algébrica formal e não dependia de tal notação. Zazkis e Liljedhal afirmam que existe um “vão” entre a capacidade de expressar a generalidade verbalmente e a capacidade de empregar notação algébrica confortavelmente. Vários participantes observados por estes pesquisadores manifestaram uma preocupação explícita: que suas soluções estavam incompletas porque faltava uma fórmula, acreditando que a forma de expressão era mais importante do que o que foi produzido. Ao invés de insistir sobre qualquer notação simbólica particular, esse vão deveria ser aceito e utilizado como um local de prática para os estudantes praticarem seus pensamentos algébricos. Eles deveriam ter a oportunidade de engajar em situações que promovem esse pensamento sem as limitações formais do simbolismo. (ZAZKIS; LILJEDHAL, 2002, p. 400). Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 20 As teorias escolhidas para essa pesquisa foram utilizadas para auxiliar nas análises feitas, onde procurei semelhanças entre o que observei e o que afirmam tais teorias sobre o trabalho com generalização de padrões. Metodologia Para investigar se alunos generalizam termos de progressões aritméticas, atividades baseadas em observação e generalização de padrões foram desenvolvidas e propostas. Para aplicação e análise de tais atividades, foram utilizadas fases da Engenharia Didática definidas por Artigue (1996), cuja engenharia está totalmente relacionada com a teoria das Situações Didáticas proposta por Brousseau. Almouloud (2007) afirma que o objeto central da teoria das situações é a situação didática definida como o conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente entre um aluno ou grupo de alunos, um certo milieu 4 (contendo eventualmente instrumentos de objetos) e um sistema educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber constituído ou em constituição. Brousseau (1996) afirma que a concepção moderna de ensino espera que se provoque no aluno adaptações desejadas, através de uma escolha judiciosa de problemas, que devem leválo a agir, falar, refletir e a evoluir por si próprio. Ele salienta que entre o momento em que o aluno aceita o problema como seu e o momento em que o aluno produz a sua resposta, o professor deve recusar-se a intervir como proponente dos conhecimentos que pretende fazer surgir. Para utilizar a teoria das situações didáticas nas pesquisas sobre Didática da Matemática desenvolveu-se na França a metodologia de pesquisa denominada Engenharia Didática. Essa metodologia, descrita primeiramente por Michèle Artigue, se constituiu com a finalidade de analisar as situações didáticas, objeto de estudo da Didática da Matemática. Machado (2002) conta que a noção de engenharia didática foi se construindo na Didática da Matemática com uma dupla função: ela pode ser compreendida tanto como um produto resultante de uma análise a priori, caso da metodologia de pesquisa, quanto como uma produção para o ensino. Esta autora salienta que a engenharia didática se caracteriza também pelo registro dos estudos feitos sobre um caso em questão e pela validação da pesquisa, feita 4 Segundo Almouloud (2007), a noção de milieu (meio) foi introduzida por Brousseau para analisar, de um lado, as relações entre os alunos, os conhecimentos ou saberes e as situações e, por outro lado, as relações entre os próprios conhecimentos e entre as situações. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 21 sobretudo internamente, pois se baseia na confrontação entre uma análise a priori e uma análise a posteriori. A autora justifica a metodologia: A engenharia didática, vista como metodologia de investigação, caracteriza-se antes de mais por um esquema experimental baseado em realizações didáticas na sala de aula, isto é, na concepção, na realização, na observação e na análise de seqüências de ensino. (ARTIGUE, 1996, p.196). Para a pesquisa foram utilizadas fases da Engenharia Didática para elaborar, aplicar e analisar uma sequência didática para alunos de uma 1ª série do Ensino Médio que ainda não haviam estudado progressões aritméticas. A sequência didática proposta contém atividades que contemplam observação de sequências diversas para posterior investigação de uma regra de generalização dos termos de progressões aritméticas. Neste artigo apresento as atividades, os objetivos presentes na análise a priori e resultados da primeira sessão da sequência didática, composta por três atividades. Para esta primeira sessão os alunos foram divididos em 16 duplas e 01 trio. O objetivo geral da sessão consistia em introduzir os alunos em atividades que exigem observação de regularidades em sequências, de uma forma crescente quanto à necessidade de uma observação mais específica. Vejamos a seguir as três atividades e seus respectivos objetivos. Atividade 1 Observem as seguintes sequências: a) 0, 3, 6, 9, 12, ... b) 1, 2, 3, 1, 2, 3, 1, 2, 3, ... c) 4, 2, 0, -2, -4, ... d) , , , , , , ... e) 4, 8, 16, 32, 64, ... Vocês podem identificar, em cada sequência, qual será o próximo termo? Objetivo: Apresentar sequências numéricas e uma sequência figurativo-numérica para introduzir o aluno na observação de padrões, através da solicitação do próximo termo de cada uma delas. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 22 Atividade 2 Observem as seguintes sequências: a) 0, 3, 6, 9, 12, ... b) 1, 2, 3, 1, 2, 3, 1, 2, 3, ... c) 4, 2, 0, -2, -4, ... d) , , , , , , ... e) 4, 8, 16, 32, 64, ... f) 4, 2, 1, ½ , ¼, ... Características: I) crescente II) decrescente III) a diferença entre um termo e o seguinte (o sucessor) é constante IV) os termos são separados por vírgula V) um termo é obtido multiplicando o termo anterior por uma constante VI) os termos se repetem ciclicamente VII) os termos da seqüência são números inteiros Quais dessas características cada sequência possui? Objetivo: Fazer com que os alunos percebam características importantes de sequências, levando-os a aprofundar seus conhecimentos sobre o tema. Atividade 3 Observem a seguinte sequência: 1, 5, 9, 13, 17, ... a) Qual será o próximo termo da sequência? b) Qual será o 25º termo da sequência? c) Qual será o 937º termo? Objetivo: Propor a observação de uma progressão aritmética que possibilite ao aluno elaborar mecanismos de generalização, através da identificação de um termo distante do primeiro termo, o que dificulta a investigação por contagem. Resultados Para a primeira atividade da sessão, apenas 04 respostas não esperadas ocorreram. Essas 04 respostas recaíram na progressão aritmética decrescente, onde o próximo termo é um número inteiro negativo. Duas duplas não deixaram traços de suas resoluções e responderam que o termo seguinte era o zero e uma dupla identificou o número 4 como próximo termo desta PA sem explicar o por quê. Nesses três casos, o fato dessa sequência vir logo após uma sequência cíclica pode ter influenciado as respostas que se justificariam como sequências cíclicas (4, 2, 0, -2, -4, 0, 4, 2, 0, -2... ou 4,2,0,-2,-4, 4,2,0,-2,-4,...). Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 23 Os alunos Ada e Ciro identificaram o número -8 como próximo termo da PA, indicando também o número -10 como termo seguinte ao -8. Isso indica que a dupla percebeu que a sequência evoluía somando -2 ao termo anterior, embora ao registrar no papel tenham omitido o número -6, conforme pode ser visto na Figura 1. Figura 1: Extraída do Protocolo da Atividade 01 de Ada e Ciro. É interessante notar que quatro duplas além de indicar o termo seguinte ao último apresentado, escreveram mais alguns termos da sequência. Pela gravação da dupla formada por Aldo e Léo ficou evidente que esta observou as sequências e indicou termos antes de terminar de ler o que estava sendo solicitado. Apresento a seguir a transcrição do diálogo de Aldo e Léo ao observar a terceira sequência e a quarta sequência: – Vai diminuindo menos dois. Menos dois, menos quatro, menos seis, menos oito, menos dez, menos doze. – E a d? Quadradinho, bolinha, estrelinha (pausa). Quadradinho, bolinha, estrelinha. Nesse momento, após terem continuado as quatro primeiras sequências, um componente da dupla lê o enunciado em voz alta e ambos percebem que se tratava apenas da identificação do próximo termo. Esta dupla não utilizou vírgulas para separar os termos pertencentes a um ciclo da sequência figurativo-numérica, como pode ser visto na Figura 2. Embora não haja indícios na gravação feita, é provável que esta dupla tenha percebido o ciclo como termo seguinte da sequência. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem Figura 2 Apenas quatro dos dezessete protocolos apresentam cálculos, sendo estes relativos à multiplicação ou adição par preferiram somar 64 com 64 para identificar 128, inclusive a dupla formada por Aldo e Léo. Já Edu e Mário preferiram multiplicar 64 por 2. A seguir transcrevo parte de diálogos O objetivo da atividade foi atingido, pois propiciou aos alunos observar diferentes padrões de sequências conforme os resultados apresentados. Segundo Lee (1996), a chave para o sucesso em atividades de generalização de padrões parece estar na observação e pertinente à questão proposta. Assim, considero que na maior parte das sequências houve observações pertinentes. As poucas observações não esperadas, como a identificação do ciclo como termo, não comprometem os resultados obtidos. A Atividade 2 se diferencia da primeira por possibilitar uma observação mais profunda das sequências presentes na Atividade 1. Sobre as características I e II, crescente e decrescente, ocorreram poucas associações incorretas por parte dos alunos. O trio e uma dupl possui um ciclo crescente. Quanto à característica III, que diz respeito à PA, pode incorretamente nessa atividade. Apenas o trio e a dupla formada por Edu e Mário Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30 2: Extraída do Protocolo da Atividade 01 de Aldo e Léo. para a sequência e, uma progressão geométrica (PG). Três duplas que explicitam essas resoluções: – Tem que somar! Sessenta e quatro mais sessenta e quatro dá cento e vinte e oito. (Aldo e Léo). – Vai dobrando! Quatro, oito, dezesseis, trinta e dois, sessenta e quatro, cento e vinte e oito. (Edu e Mário). de dupla associaram crescente à sequência pode-se dizer que foi a mais associada 30, 2011. 24 , esta deve ser a b, que Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 25 identificaram que essa era característica das sequências a e c, sendo que a dupla associou III também a uma progressão geométrica. Pela transcrição da gravação é possível identificar quando um componente da dupla diz: “Quatro. Metade é dois. Metade é um. Metade é meio. Metade é um quarto.” Após ler a característica sobre diferença constante entre um termo e o seguinte, esse aluno afirma: “É constante né, a diferença? Porque é metade, outra metade, outra metade.” Logo, essa dupla entendeu como diferença constante o fato de um termo ser sempre metade do termo anterior, o que revela uma não compreensão do significado da palavra diferença no contexto matemático ou que esta palavra foi utilizada no sentido cotidiano. A falta de compreensão sobre a noção de diferença constante ficou mais evidente ao verificar que três duplas associaram essa característica à sequência b e cinco duplas associaram-na com a sequência d, ambas cíclicas. Além disso, cinco duplas associaram-na com a sequência f, uma PG. A associação da característica da PA com as sequências cíclicas pode indicar que esses alunos associaram a palavra constante à forma cíclica de algumas sequências. Na Figura 3 podemos ver as respostas de uma dupla que associou a característica da PA à PG (4, 2, 1, ½, ¼, ...). Figura 3: Extraída do Protocolo da Atividade 2 de Hilda e Perla. A característica IV, única que contemplava todas as sequências presentes na atividade, foi associada a todas estas por oito duplas. A característica V, de uma PG, foi pouco associada incorretamente. Três duplas associaram essa característica à sequência a e uma dupla associou-a a sequência c, ambas progressões aritméticas. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 26 A dupla formada por Aldo e Léo optou por associar essa característica à PA crescente. Pela transcrição da gravação, podemos identificar quando um aluno muda de opinião sobre a característica a ser associada e diz: “A a tá errada, olha! Três vezes um, três. Três vezes dois, seis. Três vezes três, nove.” Essa dupla havia classificado a PA (0, 3, 6, 9, 12,...) como crescente mas ao perceber que esta poderia ser formada multiplicando três aos elementos do conjunto {0,1, 2, 3, ...} afirmou que cada termo era obtido multiplicando o termo anterior por uma constante. As progressões geométricas e e f não foram percebidas na mesma proporção. Enquanto dezesseis grupos perceberam que V era característica de e (uma PG com razão inteira), apenas uma dupla percebeu que a sequência f (uma PG com razão pertencente ao intervalo ]0,1[ ) era formada por sucessivas multiplicações. Quanto à característica VI, de sequências cíclicas, pode-se dizer que foi bem compreendida pelos alunos. Além de não ser associada indevidamente, foi associada às sequências b e d por oito duplas e pelo trio. Já a característica VII, sobre termos inteiros, foi associada incorretamente apenas por duas duplas. O que mais chamou atenção foi que apenas três duplas perceberam tal característica para a sequência c, talvez por esta apresentar números negativos. Como essa atividade tinha por objetivo possibilitar uma observação mais profunda e muitas duplas fizeram associações pertinentes, acredito que esse objetivo foi cumprido. A percepção de diferentes padrões de regularidade e a descrição destes padrões cria oportunidade para um confronto de idéias, segundo Mason (1996a). Como essa atividade privilegiava a descrição das sequências, considero que esta também colaborou para que o aluno percebesse as sequências como objetos passíveis de várias interpretações. A terceira atividade da sessão exigia identificação do próximo termo e de termos mais distantes de uma PA. Todos os grupos indicaram corretamente o termo seguinte da sequência envolvida no item a, o que confirma a facilidade dos alunos em observar padrões para indicar termos seguintes. As duas primeiras fases do processo investigativo em generalização de padrões sugeridas por Herbert e Brown (1997) foram contempladas pelos alunos: a procura do padrão e o reconhecimento do mesmo. Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem Para o item b, doze grupos sendo que sete duplas e o trio mostraram ter resolvido a atividade por contagem, explicitando todos os termos anteriores ao vigésimo quinto. A Figura 4 mostra a resolução por contagem de Mano e Raul para descobrir o 25º termo da sequência. Figura 4 Das cinco duplas que indicaram outro valor, duas indicaram o vigésimo sexto termo, uma indicou um termo anterior da sequência e duas duplas não compreenderam o que foi solicitado. O item c exigia maior complexidade de raciocínio, mas três duplas indicaram termo distante, sendo que uma delas não apresentou a resolução. Duas duplas chegaram ao resultado observando que o resultado da multiplicação entre 4 e 937 deve subtrair 3 para se chegar a esse termo. Figura 5 Por mais que não tenham construído fórmula, o pensamento algébrico se fez presente no raciocínio utilizado pelas duplas, pois segundo Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) pensamento algébrico não se e linguagem aritmética. Os alunos não escreveram uma fórmula de natureza simbólica, mas criaram um esquema generalizador, também característico do pensamento algébrico. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30 , indicaram corretamente o número 97 como vigésimo quinto termo, 4: Extraída do Protocolo da Atividade 3 de Mano e Raul. 5: Extraída do Protocolo da Atividade 3 de Fábio e Mirna. expressa de uma única forma e pode se manifestar através da 30, 2011. 27 corretamente o o xpressa Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 28 Pode-se dizer então que essas duplas atingiram a terceira fase do processo investigativo de Herbert e Brown (1997), correspondente à generalização do padrão proposto. Quatro duplas identificaram 3748 como o termo solicitado, sendo que duas delas mostraram ter efetuado a multiplicação entre 937 e 4. Três duplas deram como resposta 3749, que vem a ser o 938º termo da sequência, mas apenas a dupla formada por Aldo e Léo mostrou ter efetuado a multiplicação anteriormente citada e somado ao resultado o número 1. Aldo e Léo deixaram claro o que entenderam sobre esse item com o seguinte diálogo: – Aqui não vai somando quatro mais quatro? Então é novecentos e trinta e sete vezes quatro. – Um, cinco, nove, três, sete. Não tem oito! O último comentário mostra que esse aluno percebeu que os números dessa sequência nunca terminam em oito, afinal são todos ímpares. Isso o levou a somar o número um ao resultado e dar como resposta um número ímpar. Considero que o objetivo de possibilitar a generalização foi alcançado, pois alguns alunos construíram um mecanismo eficiente que permitiu que identificassem um termo distante e, portanto, generalizassem os termos da PA. Considerações finais Sobre a sessão inicial da sequência didática proposta, pode-se dizer que os alunos demonstraram facilidade em indicar o próximo termo de sequências diversas, pois ocorreram apenas quatro respostas não previstas, relativas a uma PA com razão negativa. Os alunos souberam observar e associar características a diversos tipos de sequências. No entanto, a característica de uma PA – diferença constante entre um termo e o sucessor – não foi compreendida por muitos alunos, tanto para a PA com razão positiva quanto para a PA com razão negativa. Os resultados dessa sessão indicam que o trabalho com progressões aritméticas deve contemplar a discussão de sua característica principal e a observação de vários tipos de sequências para confrontar as diferenças entre estas e as particularidades de uma PA. O fato de o pensamento algébrico ter se manifestado confirmou a autonomia dos alunos em generalizar. Sobre a importância de tal pensamento, Fiorentini, Miorim e Miguel explicam que: Revemat: R. Eletr. de Edu. Matem. eISSN 1981-1322. Florianópolis, v. 06, n. 1, p.15-30, 2011. 29 O pensamento algébrico está na base da construção e da compreensão e da compreensão do universo conceitual desses campos e áreas, isto é, é um pensamento indispensável para a constituição do universo conceitual e temático subjacente à ciência contemporânea. Nesse sentido, o olhar algébrico perpassa e impregna o modo de produção do conhecimento de qualquer domínio. (FIORENTINI, MIORIM e MIGUEL, 1993, p. 89). Os alunos participantes da experimentação conseguiram desenvolver a consciência de generalidade, o que segundo Mason (1996a) consiste em sensibilizar-se pela distinção entre “olhar através” e “olhar para”, ou seja, “ver a generalidade no particular” e “ver o particular no geral”. Tendo em vista que alguns alunos conseguiram construir um esquema generalizador dos termos de uma PA, pode-se dizer que alunos do Ensino Médio conseguem generalizar termos de PA e esta generalização pode ser utilizada para levá-los à construção de uma fórmula para o termo geral. Referências ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da didática da matemática. N. 121. Curitiba: Editora da UFPR, 2007. 218 p. ARTIGUE, M. Engenharia Didáctica. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Piaget, 1996. 280 p. BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da Didáctica da matemática. In: BRUN, J (Org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Piaget, 1996. 280 p. FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A.; MIGUEL, A. Contribuição para um Repensar... a Educação Algébrica Elementar. Revista Quadrimestral Pro-Posições. Campinas: Faculdade de Educação da Unicamp, v. 4, n. 1, p. 79 – 91, mar. 1993. HERBERT, K.; BROWN, R. (1997). Patterns as tools for algebraic reasoning. Teaching Children Mathematics. V. 3, p. 340-345, 1997. 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O Lugar Da Administração No Mundo Da Ciência
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Introdução
A intenção deste artigo é
apresentar uma analise dos problemas que constituem o centro nevrálgico
da ciência da administração, como de toda outra, procurando defini-los,
fixando o seu conteúdo e estabelecendo um método adequado para sua
investigação.
Para Taylor, a organização e a Administração devem ser estudadas e tratada cientificamente e não empiricamente.
A improvisação deve ceder lugar ao planejamento e o empirismo, a ciência.
Administração é a ciência que estuda os elementos que formam a decisão
administrativa. Elementos esses, que integram e formam o conteúdo da
ciência: racionais e psicológicos. Àqueles, de conhecimento geral do
tipo didático, estes, referindo-se normalmente a organização, ou seja, a
influência psicológica que determina a decisão.
Administração: Ciência Política ou Arte Leiga?
Será ciência? Será arte? Será ciência e arte? Essas perguntas expressam
dúvidas, ainda não dissipadas, e indicam as controvérsias, ainda não
desfeitas, a que o estudo da administração tem dado ensejo.
Por entre as dúvidas e controvérsias suscitadas, facilmente se
identificam quatro pontos de vistas distintos, bem estabelecidos:
- É Ciência Social
Segundo LUTHER GULIK e L. URWICK (1937), emersa do desenvolvimento da
ciência política, a ciência da administração é o sistema de conhecimento
através do qual nos capacitamos a compreender as relações de causa e
efeito, a predizer a ocorrência dessas relações e influir no seu curso,
em qualquer situação em que serem humanos se associam para trabalhar
juntos, em busca de fim comum.
Contrapondo a
conceituação explicitada, RAFAEL BIELSA (1955) crer ser necessário um
outro raciocínio; distinguir entre o direito administrativo e a ciência
da administração. Àquele cabe o estudo do organismo administrativo; a
esta o estudo da ação do objeto da administração pública. Sustenta ainda
que a ciência da administração não é ciência social porque não tem por
objeto o estudo das funções sociais, se bem que estas entrem
virtualmente no seu domínio. Entretanto, concede: a ciência da
administração é, de algum modo, ciência política, no sentido de que é
uma política específica de aplicação imediata a cada objeto ou matéria
de administração pública.
Já para as pessoas que se
notabilizaram pelo domínio das ciências exatas, consideram a
administração uma arte leiga e, tendem a ridicularizar os esforços dos
chamados cientistas sociais, sustentando que não há ciência nos negócios
sociais e que jamais haverá ciência nesse domínio.
O
positivismo lógico, por um lado, execra a metafísica e dispensa o
concurso da ética; por outro lado, preconiza a experimentação e deposita
a mais ampla confiança na análise lógica rigorosa como método de
elaboração da ciência.
Pondo em dúvida o status de
ciência da sociologia, da antropologia cultural, da política e da
própria economia, que lidam com juízos de valor, os chamados cientistas
exatos naturalmente relutam em reconhecer na administração mais que um
conjunto de falazes regras práticas, derivadas muito mais de provérbios
do que de princípios.
- Ciência e Arte
Exatamente como a medicina, a administração pode ser uma ciência e, ao
mesmo tempo, uma arte. Designa simultaneamente um campo de inquérito
intelectual, uma disciplina ou estudo, e um processo prático ou
atividade. Trata-se de uma diferença similar à que existe entre
biologia, estudo dos organismos, e os organismos propriamente ditos.
Assim como houve organismo, isto é, o objeto de estudo biológico, antes
de haver biologia, ciência que estuda os organismos, assim também é
possível identificar-se, de um lado, uma série prática, as atividades
administrativas propriamente ditas, e de outro, a ciência da
administração, ou seja, o estudo dessas atividades.
- É Ciência Aplicada
O
processo administrativo é, ou pode vir a ser, uma ciência aplicada, em
que se utiliza o conhecimento das regularidades empíricas para realizar
determinados propósitos, embora não se possa escapar à influência dos
valores abstratos. Na administração como processo, nem sempre é possível
isolar aquilo que é, daquilo que deve ser. Isso significa que o
administrador não é guiado apenas por critérios intelectuais, baseados
em categorias de fato, mas sofre, também, a influência de critérios
morais, baseados em juízos de valor. Essa circunstância constitui, alias, o pomo de discórdia entre os que separam e os que fundem a política e a administração.
A
política interessa-se pelo que deve ser: logo, opera com base em
valores abstratos, não se confundindo com a administração, como ciência,
que deveria ater-se ao que é.
- É uma das Belas Artes
Para
Ordway Tead, a administração é uma das belas artes. Trata-se da
estreita associação de pessoas subordinantes e subordinadas, para
perseguirem objetivos previamente fixados, em outras palavras, é o
caráter pluralístico do esforço administrativo. Entende ele por
administração o conjunto de atividades dos indivíduos (executores) que,
numa organização, têm o encargo de ordenar, movimentar e facilitar os
esforços associados de um grupo de pessoas reunidas para levar a efeito
propósito definido.
Torna-se evidente que tais
esforços somente serão produtivos e harmoniosos, se houver boa
administração. Conseqüentemente, nenhuma organização pode prescindir de analisar, compreender e por em boa marcha as atividades administrativas.
No
parecer de Tead, ainda é precário o corpo de princípios gerais,
suscetível de afiançar à administração o nome de ciência. Esforça-se por
demonstrar, entretanto, a existência de um conjunto de atitudes,
critérios e métodos de tratamento, que podem ser úteis, senão
essenciais, a muitos tipos de organizações e situações.
A
esse conjunto de atitudes, critérios e métodos chamam arte da
administração. A aplicação desses critérios e métodos a situações
específicas constitui uma arte, que exige grande habilidade,
discernimento e fortaleza moral. Com efeito, tão engenhosamente
constituída é essa habilidade, tão valiosa os seus frutos, tão profunda a
sua influência, que bem merece ser reconhecida como uma das belas
artes.
Em abono a sua tese, Tead cita o conceito de
Whitehead: “uma arte expõe a consciência um fragmento finito do
esforço humano em busca de sua própria perfeição, dentro de seus
próprios limites”. Acrescenta que, na sua modalidade mais elevada, a
administração expõe um fragmento finito da criatividade humana em luta
para atingir, através da conjugação harmoniosa da diligência e dos
resultados, o seu próprio tipo de perfeição. Conclui, que para o
exercício da administração, exige-se uma combinação de talentos
especiais a serviço de uma obra da colaboração, indispensável à vida
civilizada de nossos tempos.
Uma análise
Ignorar
o caráter científico dessa emergente disciplina social seria, já agora,
indício de temeridade e até, quem sabe, de obtusidade intelectual.
Para se ter uma idéia, no contexto brasileiro, as
ferramentas que vem sendo usadas para conseguir modernizar-se, a ciência
e a tecnologia é uma das que tem recebido considerável e explicita
atenção. E, é justamente a ciência da administração que vem despontando
como uma das necessidades a serem socorridas pelo labor intelectual dos
cientistas sociais, especialmente de administradores, sociólogos e
economistas.
Contudo, a tarefa de pensar
sobre as realizações de uma organização, planejar as suas atividades e
ajustar os seus conflitos, representa uma das fases mais importantes da
administração. Fase sutil, extremamente delicada, exige
infinita habilidade do administrador. Se este a desempenha bem,
assemelha-se ao artista, pelo que a administração passa a ser, de certo
modo, uma das belas artes.
E as Dúvidas persistem ...
Será arte? Será ciência? Será ciência e arte? Será ciência aplicada? Será uma das belas artes?
É
provável que não exista na atividade humana uma área tão importante
quanto a administrativa, isto porque sua missão é a de estabelecer uma
conformação ambiental que propicie uma operação eficiente e eficaz das
pessoas que trabalham em grupos organizados.
A
civilização moderna vem se tornando, a cada dia mais, um esforço
cooperativo. Nos negócios, nos governos, na igreja ou em quaisquer
outras formas de empreendimentos, a eficácia do trabalho coletivo no
sentido do atingimento dos objetivos comuns depende enormemente da
capacidade daqueles que ocupam posições administrativas. Será
irrelevante o desenvolvimento cientifico, se não se tiver essa
capacidade.
É o reconhecimento deste fato à luz da
complexidade, mutabilidade e da dura competição social atual que tem
gerado uma crescente ênfase na melhoria da administração. Isso ocasiona
uma procura acelerada de fundamentação científica para a pratica
administrativa.
O desenvolvimento de qualquer
ciência exige a estrutura conceitual da teoria e seus princípios. Há
algum tempo tem havido por parte de inúmeros praticantes e observadores
da administração o reconhecimento de que certos princípios são
subjacentes ao processo administrativo. Porém, tais princípios e
técnicas, quase sempre isolados e não relacionados, se ressentem da
falta de uma estrutura aceitável que permita uma união sistemática. Em
função disto muitas importantes descobertas de pesquisas relativas a
todos os aspectos da administração tem mostrado uma tendência ao
isolamento e ao desmembramento que tem limitado acentuadamente a
utilidade do novo conhecimento para a melhoria da prática de
administração.
Devido a suas limitações físicas,
biológicas e psíquicas o homem tem achado necessário cooperar com outros
homens para a obtenção da grande maioria de seus objetivos. É fato
inquestionável que o homem deseja obter o máximo em realização de
objetivos com o mínimo gasto de tempo, dinheiro, incômodos, etc... .
Este desejo de atingimento de metas através da cooperação, e de fazê-lo
de forma eficiente, está presente onde a ação grupal envolver objetivos
comerciais, militares, religiosos, filantrópicos ou sociais.
As pessoas ao se organizarem formalmente para alcançarem objetivos
comuns percebem o caráter essencial da existência da administração, que
traduzindo, num sentido genérico, poder-se-ia dizer que é a tarefa de
criação de um ambiente interno para que o esforço organizado possa
realizar objetivo grupal. Ao coordenar a atividade grupal, o agente
administrador planeja, organiza, designa pessoas, dirige e controla.
Embora a organização dos homens para a consecução de objetivos comuns
exista há séculos, somente a partir da 2ª Guerra Mundial desenvolveu-se
uma “ciência da administração”. A partir do final daquele conflito,
tornou-se consciente de que a qualidade da administração é importante
para a vida moderna, o que provoca análises e estudos extensivos do
processo administrativos e de seu “meio ambiente”.
Administração: “Ciência ou Arte?”
Culturalmente,
a sociedade atual é caracterizada por avanços de caráter
revolucionários e velozes das ciências físicas e biológicas. Enquanto
que a velocidade do progresso das ciências sociais é bem mais lenta.
Entrementes, a não ser que o homem aprenda a dominar os recursos humanos
e a coordenar as atividades das pessoas, a ineficiências e os gastos
continuarão a imperar na aplicação dos descobrimentos técnicos.
Pensemos, por exemplo, no incomum desperdício dos recursos materiais e
humanos, quando os objetivos não são atingidos. Compreendemos quando
assim procedemos, que as ciências sociais estão longe de cumprir suas
tarefas de traçar diretrizes e dirigir a ação social.
É também fato que algumas ciências sociais progrediram mais depressa
que outras. Exemplo disto é a Teoria Econômica que com todas as suas
deficiências alcançou grandes progressos ao explicar que cursos de ação
logram um volume de produção ótimo com um gasto mínimo de mão de obra e
de capital. Porém, os princípios econômicos pressupõem que os objetivos
econômicos podem ser alcançados através da coordenação da atividade
humana e que a empresa, ou grupos de empresas, são bem administrados.
Ciências sociais como Sociologia e Antropologia realizaram importantes
avanços na explicação cultural do homem. Embora os fundamentos dessas
ciências se caracterizem por serem incompletos e abstratos, as teorias
permitiram aos cientistas sociais compreenderem nossa sociedade.
O estudo e a análise da administração ficaram atrasados em comparação a
outras ciências até recentemente quando efetivamente passou-se a
utilizar eficientemente o método científico.
A
ciência explica fenômenos. Tem sua base na racionalidade da natureza,
na idéia da existência de relações entre duas ou mais series de
eventos. A essência da ciência é o conhecimento sistematizado através da
utilização do método científico numa determinada área. Desse modo, por
exemplo, falamos de uma ciência da Astronomia ou da Física para indicar
conhecimento acumulado, formulado com referência à descoberta de
verdades “gerais” nessa área. A ciência é sistematizada no sentido de
que se determinem relações entre variáveis e limites e se descobrir
princípios subjacentes.
O Método Científico, pois,
compreende a determinação de fatos através da observação de
acontecimentos ou coisas e verificação da exatidão desses fatos através
de observações continuadas. Após classificação e análise dos fatos, o
cientista procura e encontra certas relações causais que acredita serem
verdadeiras. A estas generalizações dá-se o nome de hipóteses, que são
testadas e verificadas suas exatidões. Quando verdadeiras as hipóteses,
ou seja explicam ou refletem a realidade, ter-se-á validade para prever
os fatos em circunstâncias similares. As hipóteses assim verificadas
tem o nome de princípios.
A aplicação metodológica
para o desenvolvimento de princípios não elimina as dúvidas. Toda e
qualquer generalização, mesmo as comprovadas, estão sujeitas a posterior
pesquisa e análise, e, daí, podem ser modificadas por novos
conhecimentos e fenômenos.
Segundo John F. Hallf, pesquisador da teoria de administração, “se
desejarmos que os princípios expliquem o comportamento administrativo,
eles terão que ser formulados de modo a predizer resultados”.
Ou seja, apesar do uso dos vários princípios, não se declara
explicitamente que um certo curso de ação trará “bons” resultados. Isto é
subentendido. Já que os princípios são propostos para predizer
resultados em circunstâncias dadas, devemos ter em mente o que se
considera como “bom”. No caso, o padrão proposto é a obtenção eficaz dos
objetivos empresariais, sejam eles econômicos, políticos, educacionais,
sociais ou religiosos.
Isto inclui o objetivo de
manter empresas organizadas com um esforço conjunto durante certo tempo,
de zelar pela sobrevivência do grupo até a consecução dos objetivos
básicos. A maioria das empresas tem nestes objetivos um processo tão
contínuo que sua sobrevivência é indefinida.
Administração: uma Ciência Inexata
É comum que as ciências sociais são ciências “inexatas”, comparadas às
ciências físicas “exatas”. Por vezes, também, afirma-se que a
administração é talvez a mais inexata das ciências sociais.
É certo que como ciência social, a administração trabalha com fenômenos
complexos acerca dos quais pouco se sabe. Tão certo como a estrutura e o
comportamento do átomo são menos complexos que a estrutura e o
comportamento de grupos de indivíduos. Porém, não devemos esquecer que
mesmo na mais exata das ciências – a Física – existem pontos em que o
conhecimento científico é substituído por especulações e hipóteses. E à
medida que saímos das áreas há muito exploradas pela Física para a das
ciências biológicas, constata-se que as áreas de exatidão tendem a
diminuir.
Uma vez que todas as áreas de
conhecimento possuem zonas imensuráveis de desconhecido, uma abordagem
cientifica a administração não pode esperar até que se possa evoluir
uma ciência exata da administração. Houvessem as ciências físicas e
biológicas de tal forma esperado, o homem poderia estar ainda vivendo em
cavernas.
É claro que as observações de
administradores perceptivos têm de fazer as vezes dos desejados fatos
“provados em laboratório” do cientista da administração, pelo menos até
que tais fatos possam ser determinados. Provas estatísticas dos
princípios de administração são desejáveis, mas de nada valeria esperar
tais provas antes de dar crédito aos princípios derivados da
experiência. Afinal, ninguém conseguiu apresentar provas da Regra Áurea,
no entanto pessoas de muitas religiões aceitaram este preceito
fundamental como guia comportamental durante séculos, e poucos duvidaram
de que a sua observância melhorava a conduta humana.
Ao observarmos a administração em geral, de um ponto de vista
intelectual e científico, verificamos que suas primeiras contribuições
partiram de administradores experientes tais como Taylor, Fayol, Mooney,
Alvin Brown, Sheldon, Barnard e Urwic, entre outros.
A maior parte das proposições da administração se baseia na experiência
desses e de outros praticantes. Reconhece-se que, não obstante, grande
parte das pesquisas foi realizada sem questionários, entrevistas
controladas, experimentos de laboratório, ou matemática, mas
dificilmente podem ser rotuladas como “de gabinete” ou “míope” em
relação a observação experimentada. Não resta dúvida, pois de que a
administração é uma ciência inexata. Mas, devemos ter em mente as
seguintes perguntas:
a) o emprego da teoria
disponível ou postulada nos ajuda a compreender a administração e é
valiosa para o aprimoramento da prática administrativa atual?
b) estaremos em melhor situação utilizando tal teoria agora – ou
aguardando até um futuro talvez remoto quando a ciência possa ser
“provada”?
c) tal teoria ajuda a substituir confusão por racionalidade?
d) fortalece a objetividade na inteligência e prática da administração?
Administração: a Ciência e a Arte
O know-how, segundo Chester I. Barnard, “o conhecimento para
comportamento”, para se atingir um resultado desejado e concreto, se
socorre da tecnologia prática que pode tornar-se uma arte aplicada. Tal
arte, seja na Medicina, Música, Engenharia ou Administração, é um dos
mais criadores dentre os empreendimentos humanos. Sua tarefa é criar
aplicações úteis do conhecimento cientifico.
Ciência e arte não são excludentes entre si no campo das realizações,
mas sim complementares. Quando a ciência progride, o mesmo acontece com a
arte, como sucedeu com as ciências físicas e biológicas. Sem a ciência
o médico, por exemplo, se converte num charlatão: com ela, num
cirurgião habilidoso. O administrador que gere sem uma teoria tem de
confiar na sorte e na intuição; com uma teoria credenciada ele pisa num
terreno mais firme. Mas o conhecimento de princípios ou de teoria não
será garantia de prática bem sucedida, pois não existe ciência em que
se saiba tudo e todas as relações estejam provadas. É necessário um
conhecimento perceptivo de técnicas ao usar a teoria cientifica. Isto é
verdadeiro no diagnóstico de enfermidades, na concepção de pontes, ou na
administração de uma companhia. Os que diagnosticam “segundo o manual”,
ou projetam seguindo estritamente a fórmula, ou administram por
memorização de princípios, com certeza, se descuidarão das realidades
práticas. Relevante entre essas realidades práticas é o fato de que a
situação a ser solucionada pode não ser exatamente aquilo que um
principio procura abranger. Mas ao desconsiderar princípios, o custo em
termos do resultado final tem de ser calculado. A capacidade de
comprometer com a menos total das conseqüências indesejáveis é em si
mesma uma arte.
Desta forma:
a
Administração é a Arte de, através das pessoas, atingir objetivos
preconizados com um mínimo de custos, utilizando para tal os princípios
científicos!
Referências Bibliográficas:
BIELSA, Rafael – Ciência de la Administracion – 2ª Edição – Depalma – Buenos Aires – 1955 – Biblioteca da UnB
CAMPBELL, Norman – Brochura – What is Science? Dover Publications, Inc. NY – 1921 Biblioteca da UnB
CHIAVENATO, Idalberto – Introdução a TGA – Vol. I – 4ª Edição – Makron Books do Brasil Editora – São Paulo – 1993
KOONTZ, Harold & O’DONNELL,
Cyril – Princípios de Administração – Uma Análise das Funções
Administrativas – Vol. I – Livraria Pioneira Editora - São Paulo – 1968
ORDWAY, Tead – A Arte da Administração – Biblioteca de Administração Pública, FGV – 1970
Revista de Administração de Empresas – Vol. 22, nº 1, Pág. 95 a 105 – 1987
RAYMUNDO, Paulo Roberto - O que é administração - São Paulo - Ed. Brasiliense, 1992 (Coleção Primeiros Passos)
Graduado em Administração de Empresa com enfase em
Administração Financeira, pela UFF - Universidade Federal Fluminense,
Pós-Graduado em Logistica Empresarial e Complementação Pedagógica pela
Universidade Cândido Mendes - UCAM e atualmente Acadêmico do Curso de
Serviço Social pela Universidade do Tocantins. Tem experiência na Área
Financeira (Governo Federal) onde atuou por mais de 20 anos.
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Print version ISSN 0034-7590
Rev. adm.
empres. vol.49 no.3 São Paulo July/Sept. 2009
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902009000300009
ARTIGOS
"Administração
é ciência ou arte?" O que podemos aprender com este mal-entendido?
"Is
management science" or art? What can we learn from this misunderstanding?
Pedro
Lincoln C. L. de Mattos
Professor do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Pernambuco - PE,
Brasil, plincoln@hotlink.com.br
RESUMO
Nas classes
e palestras de introdução à administração, desperta sempre a curiosidade do
auditório lançar a pergunta: "O que vocês acham: Administração é ciência
ou arte?" Estamos diante de um dictum interessante e estimulante à
discussão. O artigo tem dois objetivos: desvendar a ambiguidade da pergunta -
talvez uma das razões de sua sobrevivência - e, a partir dela, examinar a
adequação de discutir-se "cientificidade" em nosso saber, questão
importante para os rumos da academia nessa área. Para o primeiro objetivo, mais
modesto, nos valeremos de análise pragmática e semântica da linguagem, para o
segundo, que concentra a maior parte do texto, das teorias sobre a natureza da
ciência e a pretendida distinção entre ciência e não ciência. Surgem, então,
evidências de que o dictum encerra um mal-entendido.
Palavras-chave:
Cientificidade em administração,
administração-ciência, administração-arte, atividade acadêmica, demarcação
científica.
ABSTRACT
In classes and lectures of introduction to
administration, when the question "What do you think: Is administration
science or art?" is asked, the audience is always curious. We face here an
interesting and discussion-stimulating dictum. This article has two goals: to
disclose the question ambiguity - maybe one of the reasons for its survival -
and from there, analyze how appropriate it is to discuss
"scientificity" in our knowledge system, an important question for
academic routes in that area. For the first - more modest - goal, we will use
language pragmatic and semantic analysis; for the second, concentrating most of
the text, theories about science nature and the intended distinction between
science and non-science. Evidences arise, then, that the dictum contains a
misunderstanding.
Keywords: Scientificity in administration,
science-administration, art-administration, academic activity, scientific
marking.
O DICTUM
Todos sabem
que nas classes e palestras de introdução à administração desperta sempre a
curiosidade do auditório - e por isso é prazeroso ao professor - lançar a
pergunta: "O que vocês acham: Administração é ciência ou arte?".
Claro, uma questão assim introdutória joga com o senso comum e se reproduz
inercialmente. Mas tal "perguntaaperitivo" já atravessa décadas e
extrapola públicos restritos. Vamos discuti-la. De passagem, talvez possamos
aprender algo sobre nosso trabalho.
Koontz,
O'Donnell e Weihrich (1986 [1976]), três professores universitários, em um dos
manuais que orientaram diversas gerações de graduados em Administração, erigem
a mesma pergunta a título de seção (Administrar é uma ciência ou uma arte?, p.
8-31) e, referindo-se à atividade ("uma arte como qualquer outra", um
"conhecimento comportamental" - na citação que fazem de Chester
Barnard) discorrem nas subseções sobre o conhecimento necessário a essa
atividade (Ciência e Administração, Ciência e Método Científico etc.). Então,
se a ciência "contribui para essa arte", como mostram, por que a
pergunta no título da seção (ciência "ou" arte)? Como se vê, já há
décadas que, com relação à administração, os predicativos "ciência" e
"arte" são postos em oposição por intenções retóricas ou, olhando um
pouco além dos textos, porque reside ali algo de realmente problemático.
Chega-se a
suspeitar que a pergunta origina-se na escola ou na academia, quando se vê
Peter Drucker, reconhecida autoridade com carreira profissional fora de
universidades, ignorar a questão ao longo dos dois volumes de seu Administração:
tarefas, responsabilidades e práticas" (1975 [1973]) e dizer que o
"primeiro cientista administrativo foi aquele italiano de há muito
esquecido que, nos primórdios da Renascença, criou a escrituração contábil por
lançamento duplo" (p. 557). Nesse capítulo, intitulado "O
administrador e as ciências administrativas", Drucker não nega que as
ciências administrativas podem ser instrumento de grande utilidade, mas
prossegue, analisando o que ocorre na prática com o uso frustrante delas pelos
administradores, e cria nas seis páginas seguintes (p. 558563) seções com os
títulos: "Promessa e desempenho" e "Por que a ciência
administrativa não funciona". O fato é, pelo menos, curioso.
Veja-se,
décadas depois de Koontz, O'Donnell e Weihrich, mais uma referência à pergunta,
agora já bem enraizada na cultura comum. Mencionando a pergunta (Administração
é ciência ou arte?), dizem Pereira, Ferreira e Reis (1997, p. 17):
Costuma-se
considerar que um campo de estudos é uma ciência quando possui
um corpo teórico próprio, articulado de forma a indicar a seus seguidores como
se portar em casos específicos, prevendo os resultados desse comportamento. Já
a arte é considerada uma habilidade, o desenvolvimento de habilidades ainda
baseadas essencialmente na intuição, no risco de serem tomadas sem que seus
resultados sejam previsíveis. Arte é a competência para conseguir um resultado
concreto desejado. Considerando estes aspectos, a Administração ainda se
encontra em uma fase amalgamada de arte e ciência. (grifos do original)
Não se pense,
contudo, que não há por que voltar-se a dedicar a ela atenção acadêmica.
Estamos diante de um dictum interessante e estimulante à discussão.
Temos dois objetivos: desvendar a ambiguidade da pergunta (talvez uma das
razões de sua sobrevivência) e, a partir dela, examinar a pertinência (isso,
apenas) de discutir-se "cientificidade" em nosso saber, questão
importante para os rumos da academia nessa área. Para o primeiro objetivo, mais
modesto, nos valeremos de análise pragmática e semântica, para o segundo, da
teoria da ciência.
Nossa trilha
para isso será perguntar sucessivamente:
1. O que
significa formular-se essa pergunta, ou seja, por que alguém a faria, em que
circunstâncias ela surgiria? - Este seria o esclarecimento do sentido
pragmático do dictum .
2. Que
sentidos podem existir nele, gerando ambiguidade e, talvez por isso, estendendo
a sobrevivência da polêmica, sem satisfação final de parte a parte? - Tal seria
o esclarecimento do sentido semântico.
3. Como se
deve entender - à luz da história e filosofia da ciência - a disjuntividade da
sintaxe usada (é ciência ou é arte)? - Aqui já estaríamos procurando o
contexto subentendido no nosso dictum , e, de fato, seu aspecto mais
interessante ao debate.
4. E, como
parece que o centro de gravidade da questão é a ciência como saber especial e
distinto, perguntase: é possível distinguir adequadamente ciência de
não-ciência? - A abordagem é teórico-conceitual e mergulha em problema
tradicionalmente tratado em filosofia da ciência. Será, talvez, com uma compreensão
sociológica desse conceito - mais do que outras, controversas, de natureza
epistemológica - que nossa pergunta-título poderia mostrar-se um mal-entendido.
5. Não se
pode, no entanto, parar aí. Afinal, após a crítica, ainda restaria de pé algo
da pergunta, então refraseada? - Isso concluiria nosso circuito argumentativo.
Essa
sequência define a própria estrutura do artigo, ainda que os passos 3 e 4
ocupem a maior parte do texto.
POR QUE E
QUANDO ALGUÉM FARIA ESSA PERGUNTA?
Administração
é ciência ou arte? A dúvida ou necessidade de explicação é legítima (alguém se
sente justificado ao fazê-la) porque não se trata de matéria óbvia, que não
justificasse dissenso, já que a identificação do desempenho do
"administrador" não é clara nem imediata para atestar a natureza de
seu saber, ao contrário de outros saberes profissionais. Para se dizer de um
mecânico ou um médico, um engenheiro ou um músico, desempenhando-se de forma
satisfatória, que ali está (ou não) a competência própria da profissão, há
elementos claros - de imediato ou pouco tempo depois. Nesses casos, a autoria é
bem identificada porque é individual, não organizacional, e porque o resultado
não é, em grande parte, objeto de convenção - objetivos programáticos são
formulações acordadas e, da mesma forma, os indicadores, quanto a seu tempo e
grandeza. Então, faz sentido perguntar pela natureza do saber de onde viria a
eficácia, ou seja, há, basicamente, contexto para dar significado pragmático à
pergunta.
Mas não é
apenas isso. A pragmática da linguagem natural (LEVINSON, 2007, p. 19-22)
sugere mais. No caso, inquirir: em que situação e com que intenção alguém faria
a pergunta? O que acontece com quem (leitor, autor) vê aí um problema? E, até
mesmo, por que ele vem a formular dessa maneira o interesse teórico-conceitual
pela administração?
É certo que
o sentido pragmático da linguagem depende do contexto de ação (VAN DIJK, 1980,
p. 280-290) - geralmente de relacionamento - em que ocorre determinado
proferimento. Aí se formam os jogos de linguagem que se enraízam nas formas de
vida, como diz Wittgenstein (1996 [1951], p. 35-36) e, por isso, são
"incontáveis". E, não se podendo prever quando as situações de vida
ensejarão a pergunta, imaginam-se situações-padrão ("famílias" de significado,
disse ele). Este texto começou referindo-se a uma delas (um professor ou
palestrante quer despertar a curiosidade de seu auditório para a natureza da
administração ou da competência administrativa), mas há outras que mergulhariam
na atitude e opinião mesma de quem formula a pergunta.
Nesse ponto,
a ambiguidade da formulação deixa espaço a que a prosódia, em um diálogo real,
insinue outros sentidos. Por exemplo, um falante pode jogar com o contexto de
senso comum em que, tratando-se de um saber, ser "ciência" seria
preferível a ser "arte". E, então, na entonação oral, isso poderia
sutilmente passar, como se tal falante dissesse: "Administração é CIÊNCIA
ou (só) arte?"
Postos de
lado os casos em que o formulador da pergunta já está convicto da resposta
(quer apenas ativar um auditório capaz de dúvida), a questão pode ser feita
também por quem procura certeza, embora tendo uma espécie de
"pré-resposta". Então, por exemplo, os inquirentes que perguntassem:
"Administração é arte ou ciência?" - note-se a inversão - estariam
insinuando posição no debate, contra uma administração-arte. E o fato de ainda
perguntarmos da forma costumeira ("ciência ou arte"), revelando
talvez os defensores da administração-arte, nos faz lembrar que essa posição já
evoluiu para contextos novos de polêmica, como aquele em que inflamados
defensores da dimensão estética das decisões, inclusive as racionais, provocam
a resposta dos que se supõem pensar segundo instrumental lógico e algorítmico.
Há sutilezas no uso (pragmática) desse dictum .
Assim, o
problema de quem diz: "Administração é ciência ou arte?" pode estar
em outro plano e ser me-nos objetivo do que parece. Pode ser o de alguém que se
imagina na administração com atitude racional, ou de outro que sente ali
ameaçado seu pendor intuitivo. Então perguntam porque estão querendo argumentar
em um sentido interiormente já adotado. Igualmente, essa discussão pode
esconder preocupações e contextos problemáticos reais, como, por exemplo,
ensino teórico nas escolas versus aprendizagem prática no trabalho. De
fato, a resposta a favor de um dos dois pólos da pergunta orientaria o
currículo.
A QUE ESTÁ
SE REFERINDO MESMO QUEM FAZ A PERGUNTA?
A semântica
de administração, de ciência e de arte não é simples. E, como para muitas
perguntas, a resposta aqui pode estar tanto em esclarecer os termos quanto em
argumentar sobre a predicação usada na pergunta ("é ciência ou é
arte"). Vamos entrar um pouco nisso.
Administração
significa, no caso, o saber administrativo, não a prática em si, pois este é o
entendimento em que ciência e arte podem estar sob o mesmo predicado. Mas saber
administrativo em que circunstâncias? Saber administrativo na prática
organizacional, na escola ou em qualquer das duas? É mais fácil entender
administração (saber) como relativo à prática organizacional, inclusive porque
também na escola prevalece uma perspectiva profissionalizante.
Que quer
dizer quem, fiel a Taylor, fala em "ciência da administração"
(CHIAVENATO, 1993, p. 61-63)? E que "arte" é esta que lhe pode ser adequadamente
contraposta, como em MOTTA (1991, p. 26)? O esforço de esclarecer essas
perguntas preliminares vai permitir-nos chegar, pouco adiante, ao núcleo mais
interessante do nosso tema.
Taylor ainda
viveu o ideal do racionalismo no Séc. XIX. Já não mais no sentido iluminista de
que a razão liberta o homem do erro e da dependência a algo fora dele, mas da
razão lógica, ainda cartesiana, inseparável do método científico (TAYLOR, 1960
[1911], 103, 118, 126-127). Observar, calcular, definir, deduzir seguro contra
sofismas e erros de lógica, para projetar situações e estruturar a ação com
vistas a objetivos claros e hierarquizados: isso é a forma
"científica" de saber e trabalhar. Assim procedeu Taylor com sucesso,
assim Fayol convenceu, assim formou-se uma tradição de saber que reivindicava
cientificidade, mesmo que só tenha sido razoavelmente aceita nas universidades
quando passou a praticar a pesquisa empírica segundo os cânones da psicologia e
sociologia positivistas. No núcleo do prestígio social desse saber está a
pretensão da certeza. A certeza prática, relativa aos resultados esperados,
tanto no laboratório quanto na indústria, ganhava status ontológico e
era entendida como representação adequada do mundo e de suas "leis".
A aceitação, como "científico", do novo saber aplicado - mesmo que
ela acontecesse apenas no âmbito de uma tradição restrita - era fazê-lo
participante de uma grande fonte de legitimação social, a ciência, nunca antes
pensada para tal caso, e que se transmitia ao próprio empreendimento
capitalista assim gerido. "Administração é ciência" evoca todo esse
contexto semântico.
Já a
administração-arte envolve nova ambiguidade. Em parte, a discussão seria
diferente se a pergunta fosse formulada em inglês. É diferente perguntar por arts
ou por crafts. Mas, em português, parte da polissemia envolvida
decorre da falta de um substantivo que indique a habilidade do artífice (craftsman)
ou mesmo o que, genericamente, ele faz - "artesanato" não vale para o
que todos os artífices fazem. Então, no nosso caso, "arte" joga ao
mesmo tempo com a habilidade do artista e a do artífice. E cada um que diz
"administração é arte" pensa o que quer e entende o que quer do que
lhe contra-argumentam. Um misto de qualquer coisa intuitiva e guiada pelo
estético, mas que, de repente, pode ser "um jeito" de lidar com as
pessoas etc. E a discussão se prolonga.
Finalmente,
além do uso disjuntivo da sintaxe (das duas, uma, ou é ciência ou é arte) - a
seguir comentado - o predicativo pode envolver mais uma nuance: "administração,
afinal, se reduz a uma ciência ou a uma arte?" (Ou seja, vem a ser apenas
isso?)
Como se vê,
parece que quem formulou pela primeira vez a pergunta nela reuniu habilmente
grande ambiguidade semântica...
A SAGA DA
CIÊNCIA RACIONAL, MODERNA E EXCLUDENTE
Alguns
parágrafos acima, a referência ao pai da administração científica, o primeiro,
no limiar do Século XX, a ousar o anúncio de tal conceito, já foi a primeira
introdução de comentário à idéia de "ciência, saber racional", que
deve ser olhada historicamente. Agora, cabe aprofundar essa análise para se
entender bem a disjuntividade inscrita na sintaxe do nosso dictum : ou é
ciência ou é arte. Sendo uma coisa, não pode ser a outra; a primeira é definida
pela certeza racional, na segunda, não se põe tal questão, tal exigência. Ora,
se essa idéia é caudatária de uma concepção de ciência já não mais sustentável,
cai por terra o sentido mesmo de continuar fazendo a pergunta:
"Administração é ciência ou arte?", ou de querer respondê-la - pelo
menos nesses termos - passando sua repetição hoje à categoria dos equívocos ou,
benignamente, dos mal-entendidos. Essa conclusão pode brotar, em parte, desta
seção e, em parte, das seguintes.
A grande
tradição do saber no Ocidente não pôde esquecer seu vetor, e, durante quase
dois milênios, sua pedra fundamental: a idéia platônica e aristotélica de que a
razão humana, corretamente operada, leva à verdade - no mundo pré-socrático,
tratada apenas como a qualidade esperada do discurso que quer ser aceito
(SANTOS, J., 2004). Para salvar o uso racional da linguagem contra a sofística,
Platão dirigiu toda a sua obra. E a concepção de epistême >em
Aristóteles (Ética a Nicômaco, VI, 7, 1141a, 19-20), o conhecimento
conceitual que usa a lógica como seu instrumento básico, foi o berço de todas
as ciências ocidentais. Mesmo quando o empirismo passou a valorizar a
observação acurada do mundo, o método se confiava à razão para chegar a leis e
aplicações. Descartes representa, na retomada pós-renascentista da confiança na
razão, o esforço extremo de aplicação total da lógica racional na busca da
certeza. Embora a arte fosse do espírito, e dividisse o espaço universitário
com a filosofia e as ciências naturais, ela não podia contribuir com as
questões de verdade. A matemática era uma expressão maravilhosa da razão que aí
estava, com Galileu, Leibniz e Newton, a mostrar, na capacidade explicativa e
preditiva, o caminho superior da racionalidade. Como gênio de sua época, Kant
deu, com a análise da razão (1966 [1787]), uma resposta satisfatória, por dois
séculos, para a harmonização do trabalho empírico da ciência com pressupostos
de racionalidade, obviamente ausentes da própria observação, e até conduzindo-a
a priori. Fundamentada assim, metafisicamente, pelo filósofo de
Koenigsberg (1891 [1786]), a ciência empírica e seu método racional poderiam
seguir adiante com o projeto de modernidade pelo bem do homem. A crença
iluminista em horizontes gloriosos para o homem racional, que deu partida à
ciência no Século XVII e sepultou o obscurantismo da Idade Média, encontrava um
leito promissor, duradouro.
A oposição
entre ciência e arte tem raízes profundas, originadas na pretensão excludente
da ciência empírica e positiva do Séc. XIX. Nietzsche viveu nessa época, quando
a ciência, elaborada em termos estritamente racionais, requeria para si o status
único da verdade sobre o mundo. Ao criticar Kant e o projeto racional
iluminista, apontou uma limitação radical (que ele chamou de "o problema
da ciência"): o organismo que reflete pela análise racional não pode
ver-se adequadamente, sem distorção. Ele diz (NIETZSCHE, 2000 [1888], p. 45-46)
que a arte é mais poderosa do que o conhecimento, porque aquela deseja a vida,
ao passo que este os seus próprios fins. E diante dos riscos da estupidez e
cegueira a que a ciência, apartada da vida por seu método, pode levar,
Nietzsche sugere não o aperfeiçoamento da ciência, mas os recursos e riscos
terapêuticos da arte. Essa oposição entre arte e ciência entrou na tradição
ocidental.
Foi só
quando, na segunda metade do Século XIX, lógicos e matemáticos como F. L.
Gottlob Frege levaram a sério o projeto de uma linguagem tão racional quanto
fiel à observação científica do mundo, tida como inquestionável, que se iniciou
uma rota de impasse, dentro da própria filosofia analítica (DUMMETT, 1996). Era
o ideal e o projeto de relação linguagem-mundo que o Círculo de Viena e o Tractatus,
de Wittgenstein (CONDÉ, 1998, p. 63-82), perseguiram. Sem proposições,
racionalmente formuladas, com "valor de verdade", seria inevitável relativizar-se
todo o projeto da ciência moderna. Na busca por soluções no âmbito da
racionalidade, o positivismo lógico polarizou boa parte do esforço filosófico
nas primeiras décadas do Século XX. Inutilmente. Desde o Investigações
filosóficas, de Wittgenstein (segunda fase do filósofo), o significado da
linguagem decididamente transbordou os limites da formulação racional e
explícita. Mudou o sentido da relação linguagem-mundo (CONDÉ, 1998, p.
114-130). Caiu irremediavelmente no campo da ação humana e das relações
sociais. Aliás, desde o Século XIX, a metapsicologia e a experiência clínica de
Sigmund Freud, e a tradição que aí se originou, abalaram o primado da razão,
afinal inescapável ao desejo (PLASTINO, 2001). Enfim, golpe após golpe, ao
longo do Século XX a idéia de ciência foi redimensionada. A cultura ocidental
se abriu mais para a sociedade e para outras dimensões da vida humana -
inclusive para a arte, ela própria, até parte do Século XIX, respeitando regras
de racionalidade.
Um saber
entre outros, coisa de certas tradições sociais, onde a razão e seus interesses
produzem prodígios e horrores, a ciência ocidental pós-guerra não mais é vista
como conhecimento puro ou neutro (restrito ao racional) e absoluto (excludente
de outros concorrentes) - ainda que se mostre política e economicamente
triunfante através da tecnologia. Nada que justifique mais a posição disjuntiva
("ou ciência, ou ..."), especialmente quando se insistisse em
associar o conceito de ciência ao de racionalidade. Então, o nosso dictum -
parece - desconheceu os capítulos mais recentes dessa saga da ciência moderna.
MAS ESTARÁ A
CIÊNCIA TÃO DISTANTE DE UMA ARTE?
Acima,
aludiu-se ao caráter ambíguo de uma predicação de "arte", pelo menos
em português (artesanato e obra de arte). A dimensão artesanal da ciência é
claramente atestada por sua prática. Cada peça científica é única e original,
trabalhada de forma específica em ambiente (laboratórios etc.) radicalmente
diverso de uma linha de montagem industrial. Um trabalho de pesquisa se baseia
em outros, mas não pode copiá-los e deve, inclusive, mostrar algo de próprio. A
iniciação à vida de pesquisador, em mestrados e doutorados, repete a relação
mestre-discípulo, artesão-aprendiz: a orientação é individualizada, e tal
padrão jamais foi quebrado. Assim, a ciência é arte no sentido de craft.
Mesmo
cercado de certo estereótipo da arte como atividade diversa do labor, praticada
pelo prazer interno de quem a ela se dedica, e sem fins econômicos, sempre
caminhou com a ciência o traço cultural da busca desinteressada pelo saber - ascientia
qua scientia, aproximada da ars qua ars (a arte pelo fato de ser
arte). A crítica de esquerda à ideologia da ciência ou de sua vinculação à
dominação do capital pode ter menosprezado o fato de que os ambientes acadêmicos
compõem motivações complexas. E, independente do fato de se submeterem a
estruturas definidas pelo poder político-econômico, praticantes de ciência em
diversas áreas constroem carreiras fundadas em um tipo de intensa motivação
pessoal que, dadas as difíceis condições de trabalho, não resistiria a uma
racionalidade utilitária. A explicação dessas carreiras pode estar no chamado
"prazer do conhecimento" (narcísico?), onde se liberam as mesmas
tensões e talvez se esconda o mesmo desejo que a arte realiza.
Por outro
lado, quem pode negar a presença do espírito humano, criativo e estético, tanto
na produção artística - ela própria exigindo técnica rigorosa - quanto na
cientí-fica? A impulsão do cientista pela percepção interior do belo está
presente em um modelo teórico ou matemático e é imune ao rigor observacional e
ao teste empírico. Esses dois últimos aspectos da ciência estão mais
relacionados à legitimação do conhecimento científico (sobretudo perante os
pares), enquanto o primeiro ao surgimento mesmo do que há de diferencial nele.
Nesse ponto é curioso ouvir Einstein, ao falar da física teórica:
Nenhum
caminho lógico leva a tais leis elementares [da natureza]. Será exclusivamente
uma intuição a se desenvolver paralelamente à experiência. (...) Aliás, esses
conceitos e princípios se revelam como invenções espontâneas do espírito
humano. Não podem se justificar a priori nem pela estrutura do espírito
humano [referência às categorias transcendentais de Kant] nem a outra razão
qualquer. (...) Mostram a parte inevitável, racionalmente incompreensível, da
teoria. (EINSTEIN, 1981 [1931], p. 140, 148).
(Ao reler
estas linhas, não poderia alguém agora encontrar sentido em uma hipotética
teoria da administração, que se desenvolvesse próxima à experiência pessoal da
prática?...)
É nesse
sentido também que, ao fazer a crítica do paradigma epistemológico da ciência
moderna, Boaventura de Souza Santos (2000, p. 74-78) fala da
"artefactualidade discursiva" como um novo conceito organizador e da
"racionalidade estético-expressiva" como "uma representação
inacabada da modernidade ocidental".
UMA
"LINHA DIVISÓRIA" ENTRE CIÊNCIA E NÃO-CIÊNCIA?
Quem, a
respeito de um saber, pergunta se ele é ou não ciência, está com isso evocando
um dos debates que mais ocuparam os filósofos e teóricos da ciência desde o
Séc. XIX até meados do Séc. XX, e que ainda se arrasta em al-guns ambientes
mais conservadores. É a chamada "questão da demarcação", a demarcação
ou linha divisória entre ciência e não-ciência, um critério teórico
sustentável, qualquer que seja sua aplicação à prática - sendo inevitável
pensar em distinguir dissertações e teses, artigos e, em geral, publicações de
livros e periódicos acreditados como "científicos".
De onde
surge essa questão, ou por que se justifica? O vasto leque de saberes que hoje
se beneficia institucionalmente do prestígio de ser classificado como
"ciência" - e até um recém-chegado "saber administrativo" o
pretende... - sempre girou em torno do que se chamam as "ciências
duras". E sobretudo os saberes de caráter aplicado (as engenharias, a
economia) e, depois, as ciências sociais, pagaram um preço por isso, que foi
sua adequação metodológica. Assim, historicamente, a questão "ciência, não-ciência"
sempre teve como referência a física, com seus inúmeros ramos, a química, e,
posteriormente, a biologia apoiada nesta, e surgiu depois que, no Séc. XVIII, a
ciência moderna se consolidou como capaz de gerar soluções. Seu processo de
afirmação social passou a ser marcado por um esforço de diferenciação. O novo
saber realizava o que o senso comum - expresso na "opinião", que os
gregos clássicos já opunham à epistême e chamavam de doxa -
tentava, e mesmo o que outros saberes bem mais antigos, como a alquimia e astrologia,
não conseguiam. Bachelard (1996, p. 18) expressa bem essa tradição que chega
até nós:
A ciência,
tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se
absolutamente à opinião. Se, em determinada questão ela legitimar a opinião, é
por motivos diversos daqueles que dão origem à opinião; de modo que a opinião
está, de direito, sempre errada. A opinião pensa mal; não pensa: traduz
necessidades em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade ela se
impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na opinião. Antes, é preciso
destruí-la. (grifos do original)
O problema
da demarcação era estudado enquanto os centros de geração de ciência
prosseguiam com seu trabalho, não o condicionando normativamente. Os filósofos
e alguns cientistas que se debruçavam sobre ele tinham a tarefa de justificar
teoricamente o que seria distintivo e característico em uma prática de
investigação que cada vez mais ganhava adeptos e aplicações. Desde o Séc. XIX,
esse problema do critério desenvolveu-se, na literatura, sob diversos
interesses: afirmar a independência da ciência em relação ao saber revelado,
sobretudo o da teologia cristã, combater as chamadas pseudociências,
distinguir entre teorias mais e menos científicas e acolher ou excluir dos ambientes
científicos a produção de certas escolas ou tradições. Embora a diferença da
ciência empírico-factual em relação à "ciência teológica" seja típica
do Séc. XIX (DRAPER, 1874) e sempre evoque os nomes lendários de J. W. Draper e
A. D. White, o combate ao chamado "criacionismo científico" (creation-science)
ainda rende sucessivas edições de réplica e tréplica, sobretudo em oposição ao
evolucionismo darwiniano e em defesa da historicidade das narrações bíblicas
(MORRIS e PARKER, 1982). Na rejeição ao que chamaram "pseudociências"
(GEWANDSZNAJDER, 1989, p. 188-207), cientistas e filósofos da ciência bateram
inicialmente na astrologia, depois na metapsicologia de Freud - apressadamente
identificada com sua prática terapêutica, a psicanálise - e, sem deixar esses
alvos, no marxismo, na parapsicologia, na homeopatia e outras terapias
dissidentes ou "alternativas" à medicina alopática.
A filosofia
da ciência registra até hoje esse debate como um dos seus grandes temas - uma
das coletâneas mais amplas dessa disciplina (COVER e CURD, 1998) dedica ao
assunto quase cem páginas. A questão tomou rumo diferente e bem mais
interessante quando, nas décadas de 1960 e 1970, a sociologia da ciência entrou
especificamente na dimensão epistemológica da produção social da ciência,
rompendo a fronteira que até então a separava da filosofia da ciência. O que
aconteceu em uma e outra margem dessa ultrapassagem de barreiras poderia, no
contexto deste artigo, ser relacionado: primeiro, com uma tentativa, a nosso
ver equivocada, de responder à pergunta inicial (Administração: ciência ou
arte?), mantendo o mesmo contexto teórico em que surgiu; e, segundo, com uma
nova maneira de encarar a pergunta, mais capaz, inclusive, de dar conta da
dimensão pragmática de sua formulação, como de início analisada. As duas
próximas seções se aprofundam nesse debate da filosofia e sociologia da
ciência.
O CRITÉRIO
POPPERIANO DA REFUTABILIDADE, DIFERENCIANDO CIÊNCIA DE NÃO-CIÊNCIA
O filósofo e
professor emérito da London School of Economics and Political Science - LSE,
Karl R. Popper, tem sido figura central na recuperação dessa polêmica da
demarcação científica, no Séc. XX. "Polêmica", porque ele,
afastando-se de sua primeira filiação filosófica, o positivismo lógico do
chamado Círculo de Viena, apresentou uma solução original e logicamente
coerente, que, já a partir dos anos 1960, despertaria oposições e críticas à
sua aplicabilidade. Com essa solução, que "resolvia" simultaneamente
o "problema da indução" - a fragilidade lógica de deduzir a partir de
fatos acumulados, método já criticado por David Hume no Século XVIII, em pleno
alvorecer da ciência empírica - Popper desafiou o sistema estabelecido até
então, o da verificação bem-sucedida da hipótese testada.
A intuição
fundamental de Popper lhe veio ainda nos anos que precederam sua fuga da
Alemanha nazista (indo lecionar na Nova Zelândia, de onde foi para a Inglaterra
em 1946). Deixemo-lo relatá-la:
Foi durante
o verão de 1919, quando eu comecei a me sentir mais e mais insatisfeito com
essas três teorias: a teoria e história marxista, a psicanálise e a psicologia
individual. Comecei a sentir dúvida sobre seu status científico. O que
havia de errado com elas? Por que eram tão diferentes das teorias físicas, da
teoria de Newton e, especialmente, da teoria da relatividade? (...) Eu descobri
que meus amigos admiradores de Marx, Freud e Adler se impressionavam com o
número de pontos comuns dessas teorias, especialmente seu poder de
explicação. Elas pareciam ser capazes de explicar praticamente qualquer
coisa que aparecesse dentro de seu campo de referência. (...) O mundo estava
cheio de verificações da teoria. O que quer que acontecesse sempre a
confirmava. Sua verdade aparecia clara e quem não acreditava era porque não
queria ver essa verdade manifesta, por interesses de classe ou repressões ainda
mal analisadas e necessitando de tratamento. (...) Um marxista não podia abrir
um jornal sem encontrar em cada página evidências que confirmavam sua
interpretação da história. E não apenas nas notícias, mas na forma de
apresentação delas - revelando o viés de classe do jornal - e especialmente,
claro, naquilo que o jornal não dizia. (...) Quanto a Adler, fiquei
impressionado por uma experiência pessoal. Certa vez, em 1919, eu relatava a
ele um caso que não me parecia particularmente adleriano, mas sobre o qual ele
não encontrou nenhuma dificuldade de analisar em termos de sua teoria do
sentimento de inferioridade, apesar de não ter sequer conhecido a criança.
Levemente surpreso, perguntei-lhe como podia estar tão seguro. 'Pela minha
experiência de mil outros casos', respondeu-me. E eu não pude senão dizer-lhe:
'E com este novo caso, eu suponho, sua experiência se tornou de mil e um
casos'... (...) Era precisamente este fato - de sempre se ajustarem, sempre estarem
sendo confirmadas - que, aos olhos de seus admiradores, constituía o argumento
mais forte em favor dessas teorias. Começou a ocorrer-me, então, que essa
aparente força era de fato sua fraqueza. Pois situação radicalmente diferente
acontecia com a teoria de Einstein. Para tomar só um exemplo, a predição de
Einstein tinha acabado de ser confirmada pela expedição de Eddington. (...) O
impressionante, no caso, é o risco envolvido em uma predição. Se a
observação mostra que os efeitos da predição estão, sem dúvida, ausentes, então
a teoria está simplesmente refutada. A teoria tem que ser incompatível com
certos possíveis resultados de observação (POPPER, 1985 [1963], p. 34-36,
grifos do original).
O aspecto
descritivo dessa longa citação - com pedidos de perdão ao leitor por isso -
condensa ilustrativamente observações que faremos adiante sobre a resposta de
Popper ao problema. Alguns meses depois, ele a formulava em sete pontos,
concluindo: "Pode-se sumarizar tudo isso dizendo que o critério do status
científico da teoria é sua falsificabilidade, refutabilidade ou
testabilidade". (p. 37, grifos do original)
Popper
desenvolverá depois sua teoria, que chamará de método dedutivo de prova
(POPPER, 2006 [1934], p. 50); dirá que há graus de refutabilidade (e, por isso,
graus de cientificidade); que uma teoria já falsificada pode voltar a ser
científica se puder ser de novo adequadamente testada; que a falsificação pode
não comprometer a teoria toda, mas só o enunciado sob teste; que uma teoria
científica pode originar-se de outra teoria, do senso comum e até do mito,
desde que possa ser bem formulada e testada; criará esquemas metodológicos de
teste (o modus tollens); dirá que não há teorias gerais nem definitivas,
porque devem ser sempre testadas, especificamente e sob novas circunstâncias
que a história continuamente trará; dirá, ainda, que muitos conhecimentos são
significativos, aceitáveis e úteis (talvez a grande maioria), mesmo ficando
fora da demarcação científica; terá seu método largamente aceito e aplicado pelos
cientistas de seu tempo. Contudo, sua intenção de traçar clara linha divisória
entre o que deve ser considerado "ciência" e o que não, mostrou-se
altamente controvertida, antes de tudo porque restringia fortemente - ainda que
não arbitrariamente - o que seria "ciência-ciência".
O relato de
Popper, acima transcrito, sobre os primórdios de sua teoria, pode ilustrar bem
as principais limitações e objeções que lhe foram feitas nas décadas seguintes.
Primeiro, e principalmente, a base empírica: só a experiência controlada pode
ser critério definitivo para a teoria (para ele sempre uma conjectura).
Segundo, e em decorrência, seu traço de origem: a prestabilidade à previsão de
fatos e o risco de contradizê-los precisamente introduzem o critério às
ciências exatas e negam aos saberes não testáveis (sobre o homem e as
sociedades que evolvem na história) o status de ciência valorativamente
predefinido. Terceiro, e mesmo no âmbito das ciências naturais, há consenso de
que muitas teorias não são sujeitas a teste específico, como, por exemplo, na
biologia molecular ou na física de fusão a baixas temperaturas. Quarto, surgem
dificuldades em negar status de ciência a saberes largamente testados no
tempo e tidos como tal, como é caso da meteorologia e a medicina cujas previsões
falham muito, e para os quais não se podem montar testes sob controle. Quinto,
enfim, no momento em que saberes ditos pseudociências, como a própria
astrologia, puderam também ser submetidos a testes falsificadores, sentiu-se
dificuldade de recusar a elas, pelo mesmo critério, o status de ciência.
Por outro
lado, no entanto, Popper nos deixa fortes lições. É preciso, sobretudo na
profissão acadêmica, ser crítico e criterioso em relação à própria experiência
ou aos "fatos" que nos são relatados, e que absorvemos - tanto via
mídia quanto via dados coletados em pesquisa - sob o estereótipo do "fato,
pura realidade" ou "fato, argumento definitivo". As situações
mais comuns são a auto-ilusão, sob impulsos diversos, e a crença na nova
experiência que é interpretada à luz da experiência anterior, mas que ao mesmo
tempo a "confirma". E acabamos nos orientando mal, investindo
esforços e recursos sem razões que pelo menos nos levem a aprender com o
eventual erro, e nos tornando joguetes de interesses e retóricas alheias às
nossas próprias convicções e valores.
Popper
insistiu várias vezes em que apenas procurava um critério lógico para a
demarcação científica, mas não conseguiu evitar que a controvérsia de fato
transbordasse para a dimensão institucional da ciência, e isso é muito
importante para a linha de desenvolvimento do presente ensaio e de sua questão
inicial, agora aprofundada a partir da predicação "Administração é
ciência".
COMO EVOLUIU
A CONTROVÉRSIA DA "DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA"?
Kuhn, em
controvérsia com Popper (LAKATOS e MUSGRAVE, 1979 [1965]) - talvez mais famosa
entre os seguidores deles - mostrou que era impossível explicar historicamente
as mudanças, ocorridas nas ciências naturais ao longo dos últimos séculos, pela
falsificação da teoria e sua substituição pelo que veio a tornar-se depois um
paradigma de ciência normal; mostrou ainda que a persistência das
"anomalias", inicialmente "desconfirmadas" pela pesquisa
paradigmática, mas depois sobrepondo-se a ela, exigia nova abordagem.
A busca de
um critério de natureza lógica e formal para distinguir o que seria do que não
seria "ciência" ainda foi tentada até o fim da década de 1980, mas
depois começou a mostrar-se tarefa de limites problemáticos ou talvez mesmo sem
aplicabilidade sustentável. Dois discípulos de Popper - de fato afastando-se do
mestre - se destacaram nas pesquisas e publicações sobre a disputa, com
posições opostas (apesar de serem amigos pessoais).
Imre Lakatos
(1978) fundamentou com estudos próprios, e aceitando os de Kuhn, que não se
poderia excluir a dimensão histórica e institucional do problema. Mas dis-se
que a escolha entre teorias se dava não pontualmente, refutando-se uma ou
outra. Na verdade, há uma espécie de organização espontânea e histórica de
diversas teorias e métodos de pesquisa em torno de um núcleo comum a eles.
Lakatos chamou isso de "Programa de Pesquisa". Os Programas de
Pesquisa se protegem pela falsificação de seus oponentes, e a seleção deles se
faz ao longo do tempo, quando alguns, em progresso, conseguem agregar fatos e
apoios novos, e outros, rivais, degeneram. O outro ex-aluno de Popper, Paul
Feyerabend, nas 18 teses de seu "Contra o Método" (1977 [1975]), nega
Programas de Pesquisa. Ele mostrou, também revendo pesquisa histórica, que nada
há de permanente e único na prática metodológica dos cientistas; não há regras
que não tenham sido quebradas e não se pode negar a importância das teses
fracas e até absurdas no confronto com outras melhores. O saber dos cientistas
é, histórica ou culturalmente, inseparável dos outros saberes - com o que
concorda com Lakatos. Assim, não há como sustentar a idéia mesma de um status
especial para o conhecimento científico e, também por isso, a questão da
demarcação perde o sentido.
Prolongando
parte do pensamento de Lakatos e reconhecendo a dificuldade de firmar,
historicamente, critérios lógico-conceituais, Paul R. Thagard (1978) propõe
(melancolicamente!) critério apenas pragmatista: não será científica a teoria
que, ao longo do tempo, progrediu menos que outras, e aquela que não obteve o
interesse da comunidade dos praticantes de ciência em desenvolver soluções para
os problemas que apresentava.
Vinte anos
depois dessa fase de crise e contestação nos anos 1970, as palavras de Larry
Laudan, declarando "O falecimento do problema da demarcação" (1996,
p. 210-230), encerram este breve périplo pela questão. Se encontrada, uma
resposta sustentável para tal problema justificaria perguntar-se agora pela
cientificidade do conhecimento administrativo. Mas tal não há. Após lembrar que,
há milênios, os filósofos sempre quiseram tomar a si a tarefa de justificar o
conhecimento verdadeiro, vindo então a filosofia moderna ao encontro da
ciência, diz Laudan:
Parece
bastante claro que a filosofia falhou, de longe, em entregar o produto prometido.
Quaisquer que sejam as específicas forças e fraquezas dos numerosos e bem
conhecidos esforços pela demarcação, é provavelmente acertado dizer que não há
linha de demarcação entre ciência e pseudociência que tivesse conquistado a
concordância da maioria dos filósofos (p. 211).
E completa,
adiante: "[...] nosso foco deveria estar nas credenciais de evidência
empírica ou conceitual, pois o status científico do que pretendemos
dizer em relação ao mundo é algo irrelevante" (p. 222).
UMA
CONCEPÇÃO SOCIAL E INSTITUCIONAL NA PRÓPRIA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA
O que,
decisivamente, mudou a forma de entender-se "ciência" - fora de uma
concepção ainda aristotélica de "conhecimento racional e verdadeiro",
para o qual era urgente distinguir-se dos demais - foram os estudos históricos
sobre a própria prática e produção científica nos últimos três, quatro séculos,
quando os historiadores da ciência já podiam encontrar suficiente material de
trabalho. O grande rompimento metodológico foi procurar entender aquelas práticas
e produtos em função dos contextos sociais e culturais dos atores envolvidos,
relativizando a narrativa lógica com que eles próprios explicavam sua pesquisa.
O efeito
bombástico que os doze anos de trabalho de Thomas S. Kuhn (1962) tiveram na
epistemologia da ciência nas décadas seguintes prende-se, de fato, à pesquisa
histórica feita pouco antes, como ele mesmo declara no prefácio de seu livro. O
nome de M. Alexandre Koyré costuma ser citado como representativo desse
trabalho, na primeira metade do Século XX, mas já iniciado no século anterior.
"A astronomia, a física e a matemática estavam intimamente ligadas a
doutrinas místicas e idéias transcientíficas, filosóficas, metafísicas e
religiosas", disse Koyré (195?, p. XXI). Ora, isso representava uma
"perigosa" desmitificação da descoberta científica.
Enquanto a
questão da demarcação científica, acima referida, atingia seu ponto de
saturação, expandia-se outra, já então posta: que lugar deve-se atribuir às
circunstâncias pessoais, histórico-sociais e culturais na própria obra de um
cientista? A natureza da ciência poderia pender da resposta que se viesse a dar
à pergunta.
É importante
notar que tal questão sempre fora alocada ao campo da sociologia, mesmo sendo
ousada para esta. De fato, sociólogos da ciência como Robert K. Merton (1973)
estudavam a ciência como fenômeno social e institucional. Quanto àquela
questão, a resposta tradicional era a de que o "lado social" da
ciência e a personalidade do cientista, fascinantes objetos de estudo,
"podiam influenciar" tanto a escolha dos problemas de pesquisa quanto
os próprios resultados (Merton, por exemplo, mostrou a correlação entre
correntes religiosas protestantes na Inglaterra e a Revolução Científica do
Séc. XVII, em termos de valores de prática e ideais). Mantinha-se, contudo, uma
linha divisória muito clara entre os campos de pesquisa.
No da
filosofia e epistemologia da ciência, a questão estava posta pela famosa
distinção entre "contexto de descoberta" e "contexto de
justificação", advogada por Popper. No primeiro caso, aceita-se que a
descoberta só vem a dar-se quando ocasionada por um contexto (pessoal, social,
histórico, dentro do qual surge o problema em estudo). No segundo caso, porém,
reside o típico e insubstituível do método científico: a qualidade do
conhecimento só se justifica pela virtude interna do método racional
científico. E aí reaparecem presentes a filosofia positivista e a perspectiva
de certa forma religiosa que Comte atribui ao saber científico, pois, ao ser
tocada, ali se revela a ordem secreta da natureza (CANGUILHEM, 1968). Um
resquício do transcendentalismo platônico do conhecimento se escondia, não
raro, nas narrativas das grandes descobertas científicas do passado.
Ora, três
argumentos já haviam sido desenvolvidos, esvaziando a chamada "virtude
própria" atribuída pelo racionalismo ao método científico. Já nas
primeiras páginas de seu A estrutura das revoluções..., Kuhn (2001
[1962], p. 22-23) anuncia uma das teses defendidas no livro: não é o método que
gera o paradigma, é a prática social do paradigma que gera o método, como
construção racional e operacional dele. Feyerabend (1977, p. 259-262),
respondendo a objeções à sua recusa em distinguir entre os dois "contextos"
(o da descoberta e o da justificação), não nega a existência formal de regras
metodológicas, mas afirma que realmente sua aplicação não é socialmente imune,
inclusive porque a própria interpretação delas é sempre polêmica - na academia,
o dissenso, mesmo velado, é regra social. Wittgenstein, em sua segunda fase
(1996 [1951]), rejeitando sua própria posição anterior de positivista lógico,
quando defendia a formalização precisa da linguagem, transferiu o significado
do que realmente se diz para as relações socialmente mantidas (de que faz parte
a linguagem), sejam as coloquiais, sejam as práticas em regras sociais, como as
de trabalho, tal como realmente acontecem nas relações entre cientistas.
Foram, pois,
rompidas as barreiras de legitimidade entre a filosofia e a sociologia do
conhecimento para falar da cientificidade, e aberto o espaço para posições como
a de David Bloor, da Escola de Edimburgo, em sua chamada "tese
forte":
O que os
epistemólogos estudam, disse Bloor, são as re-gras aceitas como racionais em
sua sociedade. Para tanto, toda sociedade pode ter seus epistemólogos e seus
modos estandartizados de usar terminologia cognitiva (HESSE, 1980; LATOUR,
1988). Ao supor que as regras de argumentação e os critérios de verdade são
internos ao sistema social ou talvez a um conjunto de sistemas sociais, a
análise social e histórica adquire o potencial de proporcionar uma crítica
válida, inclusive de nossos pressupostos. (VESSURI, 1991, p. 60)
O estudo
seminal de Bloor (1991 [1976]) é especialmente importante nesse contexto,
porque ele, um matemático, dedica vários capítulos ao estudo epistemológico e
antropológico da matemática, a linguagem própria das "ciências
duras".
Em estudos
de antropólogos e sociólogos como D. Bloor, B. Barnes, H. Collins, T. Pinch, B.
Latour, S. Woolgar, K. Knorr-Cetina, e muitos outros, a natureza histórica e
circunstancial do que fazem os cientistas, inclusive em nível de microrrelações
nos "laboratórios", é afirmada como a caracterização mais sustentável
do que seja "ciência". Eles trabalharam paralelamente ou foram
secundados por autores hoje consagrados, mais fiéis à grande tradição
sociológica, como Pierre Bourdieu, ou histórico-filosófica, como Michel
Foucault. Não há coincidência entre seus pontos de vista, inclusive em relação
a Kuhn (HOCHMAN, 1994), mas deslocaram definitivamente o eixo de interesse da
pesquisa sobre a ciência.
Assim, o
conceito de ciência passou a incorporar uma conotação mais sociológica do que
epistemológica (em termos do tratamento racionalizante anterior). Quando se
fala de Administração como ciência, é hoje mais seguro pensar nas instituições
acadêmicas que promovem profissionalmente a pesquisa nessa área, constituindo
um "campo científico" (BOURDIEU, 1983), uma tradição incipiente, do
que em alguma coisa confusa e discutível sobre o status epistemológico do que
produzem aqueles pesquisadores.
Sob esse
aspecto, perguntar, ainda, se "Administração é ciência ou arte" soa
como se tudo isso tivesse sido desconhecido ou, de repente, mal entendido.
O QUE RESTA
DA PERGUNTA INICIAL?
E cá estamos
nós de volta à nossa pergunta inicial: "Afinal, Administração é ciência ou
arte?" Supomos que respondêla agora, seja qual fosse a resposta, seria
tentativa descredenciada pela argumentação desenvolvida até aqui. Três
desdobramentos, em termos de perguntas, contudo, poderiam justificar-se a
título de conclusão. a) Se não cabe tal formulação a quem se pergunta sobre o
saber administrativo, que saber é esse? b) Poderia o que precede sugerir
que o dictum fosse refraseado e alguma predicação, que não
"ciência", para "Administração" fosse salva, já que é tão
problemático falar naquela? c) Algum "não dito" - mas na sequência do
que foi dito - e não menos polêmico que o dictum deveria ser
explicitado?
a)
"Mas, então: que saber é esse?" - esta pergunta serve para mostrar a
distância entre uma prática linguística - porque administração é essencialmente
isso, no ambiente de relações criado pela organização - e a narrativa
metalinguística a ela referida. Parece que tal reflexividade é particularmente
difícil, no caso. Contudo, desde que se renuncie a resposta normativa ("o
que é") e a termos denotativos, é possível esclarecer melhor esta
pergunta. Ela é feita porque o saber deu as costas à prática. Não é capaz de reconhecer-se
nela e por isso tem dificuldade de "falar" sobre ela. Pois em nossa
cultura ocidental os saberes tiveram, em seu berço grego, uma fragmentação
desorientadora quando deixaram a unidade da sophia pré-socrática pela
análise de Platão e Aristóteles. E isso tornou-se um limite, um "obstáculo
epistemológico" (BACHELARD, 1996, p. 17). De modo que é sugestivo - não se
vai além da sugestão - retomar daquele ponto a questão do saber administrativo,
que é individual e organizacional, solidamente preso ao singular e intuitivamente
recorrente a formulações gerais para orientá-lo. Seguindo Koike e Mattos
(2001), a tríplice referência téchnê, epistême,e phrónesis é
capaz de inspirar uma reintegração do saber-construir (ou pôr a funcionar) com
o saber conceitual, através do saber "prudente", que não perde o
sentido do real e do viável, e ao qual não escapa o senso político, no
relacionamento humano e organizacional.
b) Pode-se
dizer que nos meios de ciência no Brasil, como em vários países ocidentais, já
se fazem presentes pesquisadores profissionais da administração, e as três
décadas de pós-graduação atestam pesquisa. Mas, sobretudo, interessa perguntar
se "administração" já é uma disciplina, devendo então ser grafada com
inicial maiúscula ("Administração"). As disciplinas são formas de
institucionalização de práticas de ensino e pesquisa. A dúvida é de natureza
empírica. Após algumas décadas de experiência dessas práticas, inclusive pelo
que se vê no Brasil, talvez se deva desistir de constituir uma disciplina, e
orientar-se para construir uma interdisciplina ou disciplina intersticial
(SCHWARTZMAN, 1997). Estamos entre as vítimas tardias da milenar separação
entre humanidades, ciências e profissões superiores, de um lado, e artes ou
profissões técnicas, de outro. As ciências sociais, ainda jovens, têm-se
mostrado interessadas em catalisar problemas de pesquisa aproximadamente
compatíveis, mas há, no seio da chamada "comunidade acadêmica de
administração", linguagens e formas de trabalho em movimento de crescente
dispersão, enquanto também são acolhidas outras recémchegadas de campos
disciplinares estrangeiros. Então surgem perguntas: o que está a caminho? O que
há a fazer-se? Que expectativas se formam em relação a nós?
c)
Finalmente, algo não foi dito e pode ter ficado entre as indagações do leitor
quando, ao longo deste ensaio, se insistiu na questão de distinguir ciência de
nãociência e, por extensão, científico de não científico: isso estaria, ou não,
dizendo respeito a dissertações, teses e trabalhos acadêmicos individuais
submetidos a avaliação de pares? Claro que estaria. Mas o dictum se
refere a entidades e situações gerais ("administração",
"ciência", "arte"), e a questão do critério de demarcação
entre ciência e pseudociência ou não-ciência não chega a deixar o campo teórico
dessas coisas em si, conceitualmente tomadas. Ficou, portanto, ausente do
texto, uma análise de onde se deduzisse, mais proximamente, a situação concreta
do julgamento de produtos internos ao mundo da ciência. "Internos ao mundo
da ciência", acabamos de dizer, porque estaria significada a ciência como
realidade social - comunidades, tradições, ambientes institucionais de
praticantes. Como seria rica (e o quanto teria de incômoda...) aquela análise!
De qualquer forma, a tentativa de responder àquelas situações singulares de
julgamento acadêmico com base em critérios lógico-racionais (tais como
coerência, sistematicidade, consistência, originalidade, objetivação e
discutibilidade, cf. DEMO, 2000, p. 26-29), de fato, uma formalização, só
valeria como opções vigentes em alguma daquelas tradições ou ambientes
institucionais. Ao afirmar isso, não se aponta, no entanto, o caminho da
arbitrariedade do julgamento. O critério é que é social, consuetudinário,
próprio de um ambiente cultural particular, algo muito mais praticado do que
verbalizado. E quando é sistematizado em manuais de metodologia pode ainda
passar bem ao largo da prática, pois não se trata de norma formal de
apresentação, como as convenções da Associação Brasileira de Normas Técnicas -
ABNT. Note-se, a propósito, que a preocupação que origina essa questão surge da
"parte sujeita" na situação do julgamento. Porque examinadores,
avaliadores e revisores não se orientam - explicitamente, pelo me-nos - por
"critérios de cientificidade". Comunidades de praticantes de ciência
educam-se, na prática, para julgar o que deve ser aceito ou rejeitado. Atrás
deles vêm outros, os "metodólogos", tentando racionalizar e criar a
coerência daqueles juízos práticos, opções casuísticas de pesquisa. Isso acontece
no seio da interdisciplina Administração, onde ainda está por pesquisar-se o
que os praticantes em posição de julgamento costumam significar por
"científico".
Como se vê,
pouco restou, ao fim deste artigo, da pergunta inicial (se Administração é
ciência ou arte). Contudo, cabe a ela o mérito de ensejar uma boa crítica. E -
como se deseja que tenha ocorrido neste nosso caso - um passeio interessante
pelos sítios pouco visitados da filosofia da ciência (e adjacências)...
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Recebido em
02.04.2008.
Aprovado em 29.05.2009
Avaliado pelo sistema double blind review
Editor Científico: Robinson Moreira Tenório
Fundação Getulio Vargas/ Escola de
Administração de Empresas de São Paulo /RAE-publicações
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ARTIGO CIENTÍFICO
De acordo com a vivência
científica, os acadêmicos são confrontados seguidamente pela necessidade da
redação de textos de cunho variado. Seja para disciplinas específicas,
atividades de pesquisa, dentre outros, os alunos devem escrever seguidamente
artigos sobre um ou mais assuntos.
Muitos alunos, ao invés de
uma monografia ou mesmo um TCC, devem redigir um artigo científico, e não sabem
a diferença entre os conceitos, ou a função do mesmo.
Outros pensam que um artigo apresenta
uma elaboração mais simplificada, o que não corresponde à realidade.
A melhor definição para o
termo artigo científico é a de que este é um texto científico,
daí o nome, por vezes acadêmico, mas que tem a função de relatar uma gama de
resultados imbuídos de originalidade, encontrados a partir de uma pesquisa.
É histórico o fato de que o
conceito deste já é praticamente o mesmo desde o século XVIII, a partir da
evolução científica ocorrida na época, a necessidade de destacar resultados de
uma determinada pesquisa, o desenvolvimento das editoras especializadas, entre
outros aspectos, mas o principal era a demanda por pesquisa que estava
presente.
Tal demanda por resultados é
a mesma causa de você precisar elaborar um artigo de pesquisa, ou uma
monografia de conclusão de curso ou TCC. A sua instituição de ensino quer ver
se você tem condições de ter realizado uma determinada pesquisa, influenciada
pelo tema do artigo cientifico, e se você consegue apresentar os resultados da
mesma de forma clara, concisa e editada apropriadamente.
Assim, um artigo
científico pode ser conceituado como um estudo realizado de maneira
resumida sobre uma questão que se fundamenta em alguma natureza científica.
Devido à sua dimensão, assim como conteúdo, visa a representação de um
resultado de estudos efetuados.
Define-se um artigo
científico como um relatório escrito e publicado que descreve
resultados originais de uma pesquisa. É a publicação válida por excelência
(artigo científico, artigo original e publicação primária são sinônimos) e
todas as revistas científicas têm uma seção ampla dedicada a publicar artigos originais.
A finalidade primordial de um
artigo seria trazer a público resultados de pesquisas
realizadas ou estudos efetuados, sendo este o cunho exercido na quase
totalidade dos cursos de graduação ou pós-graduação.
O artigo científico
conta com uma forma de realização relativamente distinta de uma monografia
convencional, devido à maior concisão e natureza dos dados tratados.
E é justamente aí que reside
a maior dificuldade para quem escreve um artigo, que, se ao contrário de uma
monografia, que pode se estender por diversos capítulos, esmiuçando o tema
abordado (clique para saber mais sobre a dissertação de uma monografia
ou de um artigo científico), podendo-se divagar (e por que não, em alguns
casos, "encher linguiça", possibilidade esta que não está presente em
um artigo científico.
No entanto, da mesma forma, o
artigo científico é dividido em partes pré, textuais e pós textuais, sendo que
também estas partes se encontram em menor número.
A linguagem própria a ser
utilizada para a realização de um artigo de investigação deve primar pela
concisão e objetividade, buscando dar maior relevância para os dados a serem apresentados.
No entanto, no âmbito das
diferenciações, existe outra que ainda não foi levantada... Não na faculdade,
onde o orientador do artigo científico ou da monografia deve acompanhar e
editar o artigo elaborado, assim como seria com uma monografia ou um TCC, fora
do seu curso, geralmente as monografias não sofrem essa edição ou controle por
parte dos outros.
Já um artigo científico que
vá ser publicado em algum lugar, geralmente uma revista científica, também
denominada revista indexada, sofrerá um controle, mais ou menos rigoroso, assim
como ocorreu com o seu orientador, para que seja certo que ele cumpra várias
exigências, entre elas, o nome do autor, seu centro de pesquisa, coautores, o
texto, a metodologia da pesquisa, os resultados, as bibliografias selecionadas,
entre outros aspectos menores.
Outro elemento muito
importante do trabalho articular é a redação do artigo.
Esta deve receber uma atenção rigorosa, principalmente pela estruturação de
seus parágrafos
e frases, que são um tanto distintos do texto de uma monografia comum, já
que sua concisão exige um tratamento textual enxuto e direto
Assim, o leque de textos que
pode se denominar como sendo um artigo científico não é tão amplo, na verdade.
Mas quais são os requisitos
mais gerais para que um texto monográfico possa ser denominado artigo
científico?
Um artigo científico com
nível adequado precisa ser original e conter dados suficientes para que o
revisor do artigo possa:
- analisar os argumentos do
autor
- replicar a metodologia
experimental
- avaliar o peso científico da
pesquisa apresentada
- estar disponível para
outras pessoas
- estar aberto para
reavaliações, sempre que o ambiente científico do tema do artigo científico se
modifique, seja por novas descobertas, seja por novos resultados melhores.
E agora você poderá pensar:
Uau! Eu nunca vou fazer um artigo científico decente!
Mas relaxe... Você não está
sozinho. Se você soubesse quantas revisões os artigos científicos do seu
orientador de monografia tiveram que passar, talvez você se sentisse melhor. A
redação de bons artigos se dá pela prática, seja da escrita, seja da pesquisa.
Vamos analisar com mais calma
cada aspecto de um bom artigo científico.
Em primeiro lugar, ele deve
ser a primeira divulgação de determinados dados acadêmico-científicos. Se na
prática a primeira divulgação se dá na forma oral, geralmente em seminários,
simpósios e congressos, o que importa é o que está escrito no papel, ou seja,
de maneira permanente.
Apesar de não haver uma regra
específica quanto ao número de páginas, um artigo é menor e mais conciso que um
texto monográfico, apresentando um sistema de formatação próprio e
relativamente variável, de acordo com o objetivo do mesmo.
PAPEL DO ARTIGO CIENTÍFICO
Tal como em uma monografia, o
papel de um artigo científico, fundamentalmente, deriva do próprio gênero do
mesmo. Via de regra, podemos dividir os artigos em três gêneros:
- Artigo de revisão bibliográfica
- Tal como o nome já indica, artigos científicos deste tipo são elaborados a
partir da análise de referenciais teóricos ou fontes bibliográficas. Sua função
principal é, partindo-se da síntese e da estruturação conceitual, ampliar o
entendimento sobre o tema. Nas universidades, tais artigos científicos muitas
vezes servem para ampliar a familiaridade do aluno com o conhecimento
científico.
- Artigos originais - A
principal diferença é que, apesar de também se apoiarem em fontes
bibliográficas, seu papel principal é destacar os resultados de uma pesquisa
prática realizada pelo autor ou pelo grupo de trabalho deste. As diferenças
residem na metodologia de elaboração, que foge do universo da leitura para a
vida prática real.
- Artigos de divulgação - Os
artigos científicos de divulgação, como o próprio nome indica, servem para
comunicar ao público alvo algo que seja do interesse do autor. Estes não são
muito comuns nos cursos de graduação e pós-graduação.
A partir dessas diferenças
conceituais, pode-se ter uma idéia da complexidade do trabalho exigido, de modo
que, desta forma, um artigo científico pode não ser mais simples ou fácil que
uma monografia ou um TCC sobre o mesmo tema.
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE
ARTIGOS DE PESQUISA
Apesar da aparente novidade,
a importância dos artigos científicos para a produção científico-acadêmica já
tem alguns séculos de história, já que esta forma textual foi uma das
principais maneiras de perpetuação e divulgação em muitas disciplinas de
pesquisa, mantendo, surpreendentemente, uma forma mais ou menos estável já há
mais de um século.
Independentemente do maior
acesso contemporâneo aos artigos científicos à internet que às próprias
revistas e jornais, caso um pesquisador de 1870 tivesse acesso a um artigo
atual, seria plenamente capaz de compreendê-lo.
O acesso de um maior número
de artigos científicos e pesquisas de monografias na internet, com diversos
modelos, temas, níveis de complexidade, entre outros fatores diferenciais,
tende a reformular a eficácia dos mesmos, já que estão cada vez mais livres e
acessíveis para um maior número de indivíduos, em todo o planeta.
Antigamente, a única maneira
de se obter acesso a um artigo científico determinado seria através da pesquisa
em uma biblioteca, geralmente em uma instituição de ensino de nível superior.
Isto demandava tempo de deslocamento, de pesquisa, de cópia e posterior
leitura. Nem todas as bibliotecas tinham meios de assinar todas as revistas
indexadas, nem arquivar todos os volumes recebidos.
Hoje, pode-se não somente
consultar bibliografias para uma monografia ou um TCC na forma de artigos em
papel nas bibliotecas, mas assinar online as revistas indexadas e, desta
maneira, aceder a qualquer trabalho científico na forma de um artigo. Assim,
torna-se normal que a elaboração de um artigo, ou uma monografia, seja cada vez
mais acompanhada de um maior nível de exigência por parte dos orientadores de
monografias. Entende-se que os alunos podem acessar uma maior quantidade de
informações e, por isso, podem apresentar um maior nível textual,
aumentando-se, desta forma, a importância
da monografia ou do próprio artigo
No caso da Enfermagem (como
um simples exemplo) se estudam problemas de saúde dos quais se deriva uma
atuação específica de enfermagem. Parte-se de diagnósticos de enfermagem, não
tanto de sinais e sintomas, avaliando-se o resultado das atividades em base aos
objetivos e plano de cuidados.
Costumam ocupar uma média de
4-5 páginas de revista (manuscritos de 12 folhas a duplo espaço). Acompanham-se
de gráficos e tabelas e em casos excepcionais de fotografias e desenhos. O
número de autores não costuma ser superior a seis, considerando-se ao primeiro
como autor principal.
Deve-se deixar claro que
quando se trata de escrever um artigo original é necessário ter realizado uma
pesquisa previamente.
COMO SE ORGANIZA UM ARTIGO
CIENTÍFICO
Seguindo o sistema IMRED –
Resumo
Sumário
Introdução
Metodologia
Resultados e
Discussão ou Conclusão
Alguns autores desagregam o
tópico Conclusões, enquanto outros o
consideram dentro da Discussão. Isto é o que constituiria o corpo do artigo,
mas ainda há outras seções preliminares e finais de uma grande importância.
RESUMO
O resumo serve justamente
para sintetizar todo o conteúdo do artigo científico, oferecendo ao leitor uma
base para que este possa conhecer o artigo. No resumo deve estar contida a
idéia da introdução, o objetivo do artigo, a metodologia adotada, os resultados
e a discussão. O papel do resumo em um artigo científico é tão importante que é
por ele, muitas vezes, que um aluno que escreverá sua monografia ou seu TCC, um
mestrando ao redigir sua dissertação de mestrado ou um pesquisador escolherão
seu artigo para ler ou não.
SUMARIO
É a partir do sumário que o
leitor poderá observar, em linhas gerais e rapidamente, a divisão do conteúdo
do artigo científico. Geralmente, esta é a segunda parte mais observada em um
artigo científico, (o mesmo se dá o em uma monografia ou em um TCC), de modo
que o autor deverá dividir os tópicos próprios do tema do artigo de modo claro.
,
INTRODUÇÃO
Em um artigo científico, a
introdução tem o papel de oferecer um panorama geral da temática oferecida no
texto, enfocar os objetivos primordiais da composição deste artigo, um resumo
rápido da metodologia (que será melhor explicitada no seu campo próprio),
citando ao menos a população do estudo e a importância do trabalho.
DIFERENÇAS ENTRE MONOGRAFIAS
E O ARTIGO CIENTÍFICO
Uma das principais diferenças
entre monografias e artigos científicos é a concisão de linguagem a ser
utilizada neste último. Um artigo tem uma extensão menor que uma monografia
sobre o mesmo tema, devendo, por isso, ser mais sintético. Em uma pesquisa
monográfica o autor pode divagar mais e esmiuçar melhor o assunto, mas este não
é o papel do artigo.
Aqui reside uma das
principais dificuldades do artigo científico: como fazer caber, muitas vezes em
poucas páginas, as idéias originais do autor? Como ele poderá abordar o
necessário em tão pouco espaço?
Isso varia de caso a caso,
mas quem já escreveu um artigo científico sabe perfeitamente o quão difícil é
você ser obrigado a resumir suas idéias ou seus resultados.
Da mesma forma, essa
diferença ensina, ao autor, a como ser preciso cientificamente, como selecionar
com mais base sua bibliografia de pesquisa, como avaliar melhor os dados
coletados, entre outros aspectos.
E é exatamente por isso que é
cada vez maior o número de instituições de ensino que solicitam a seus alunos a
entrega de artigos científicos e não uma monografia ou um TCC no final do
curso, já que a correção é facilitada pelo menor texto, que deverá ser muito
mais rico e objetivo que em um material monográfico.
Por sua natureza, a redação
de um artigo científico pode ser precedida pela entrega de um projeto de
pesquisa, que servirá para delimitar anteriormente as bases fundamentais da
pesquisa a ser realizada e entregue quando da elaboração do artigo científico.
DICAS PARA A PUBLICAÇÃO DE
ARTIGOS CIENTÍFICOS
Para tornar a escrita de um
artigo científico como uma atividade mais leve, podemos propor doze
recomendações muito concretas que ajudarão a redigir seu artigo de maneira que
o comitê de redação da revista escolhida por você fique gratamente surpreso.
Regras de ouro do artigo
científico
1- Escrever o título em 15
palavras que descrevam o conteúdo do artigo de forma clara, exata e concisa.
Evitar subtítulos, siglas,
títulos telegráficos e inespecíficos, superexplicações, etc. Deve ser atraente:
chamar a atenção. Esta é a diferença entre seu artigo científico ser lido ou
não.
2- Explicitar até um
máximo de seis autores segundo a ordem de importância de sua contribuição
material e significativa à pesquisa.
Excluir colaboradores
ocasionais ou aqueles que por sua posição hierárquica somente facilitaram a
pesquisa.
3- Identificar a instituição
ou instituições onde se realizou a pesquisa
Incluir todos os dados que
permitam a correspondência a outros autores e instituições, sendo que estas
informações farão parte do artigo científico.
4- Incluir um resumo
estruturado que, entre 150 e 300 palavras, identifique de forma rápida e exata
o conteúdo básico do artigo científico.
Deve conter ao menos:
objetivo, desenho, contexto (localização e nível do atendimento), metodologia,
descrição e análise dos dados, resultados e conclusões.
5- Na Introdução do artigo
científico, você deverá explicar o problema geral, o de pesquisa, o que outros
escreveram sobre o mesmo e os objetivos e hipóteses do estudo.
6- Em Metodologia, cabe a
descrição do desenho da pesquisa adotada e explicar como se levou à prática,
justificando a eleição de métodos e técnicas de forma tal que um leitor
competente possa repetir o estudo.
Apresentar a descrição
segundo a seqüência que seguiu a pesquisa: desenho, população e amostra,
variáveis, coleta de dados, análises, etc.
7- Apresentar os resultados
do estudo mencionando os achados relevantes (inclusive os contrários à
hipótese), incluindo detalhes suficientes para justificar as conclusões.
Utilizar o meio de
apresentação mais adequado do artigo científico, claro e econômico:
preferivelmente o texto (em tempo passado), tabelas e gráficos
(autoexplicativos) e ilustrações (somente as essenciais).
8- Na discussão mostrar as
relações entre os fatos observados
Explicar o significado dos
resultados, extrair inferências válidas, similitudes e diferenças com os
resultados de outros autores, sugerir linhas de investigação, etc.
9- Estabelecer conclusões
inferindo ou deduzindo uma verdade, respondendo à pergunta de pesquisa proposta
na introdução.
10- Na seção de agradecimentos,
reconhecer a colaboração de pessoas ou instituições que ajudaram realmente no
andamento da pesquisa, que colaboraram na redação do artigo cientifico ou
revisaram o manuscrito.
11- Enumerar as referências
bibliográficas segundo a ordem de menção no texto e somente obras importantes e
publicações recentes (salvo clássicos).
Excluir referências não
conferidas pelo autor.
Adotar o estilo formatação de
Vancouver.
12- Incluir na forma de
Apêndices a informação relevante que por sua extensão ou configuração não se
enquadra dentro do texto do artigo científico.
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Primeiro de Maio Anarquismo, o
Massacre de Haymarket e os Mártires de Chicago
Primeiro de Maio Anarquismo, o Massacre de
Haymarket e os Mártires de Chicago
vendredi 27 janvier 2006.
Endereço eletrônico: http://www.fondation-besnard.org/article.php3?id_article=388
Primeiro de Maio Anarquismo, o
Massacre de Haymarket e os Mártires de Chicago (2005)
Todos os anos nos deparamos com as
tais festas do Primeiro de Maio, promovidas pelas grandes centrais sindicais e
que enchem praças e avenidas com milhares de pessoas. Com o objetivo de atrair
o público, em meio aos shows de artistas famosos, sorteiam até carros e
apartamentos. Esquecemos, no entanto, que as origens dessa data tão importante
marcam a luta dos trabalhadores contra as mazelas do capitalismo e suas brutais
conseqüências sobre homens e mulheres. Como sempre, a história é contada pelos
vencedores, e assim também aconteceu com a história do Primeiro de Maio, que
até hoje não é muito conhecida. A mobilização dos operários de Chicago e de
outros lugares do mundo aos fins do século XIX, reivindicando a jornada diária
de oito horas de trabalho refletia uma luta contra o sistema capitalista e as
péssimas condições a que estavam submetidos os trabalhadores. A relevância
atual desse tema é que os motivos que levaram a essa mobilização não mudaram
tanto de lá para cá. Continuamos a viver em uma sociedade em que reina o
desemprego e que esse serve de base para que salários cada vez mais baixos
sejam pagos aos trabalhadores, e que o medo da perda desse emprego seja um
fator que muitas vezes impede o trabalhador de se mobilizar politicamente.
Continuamos a viver em uma sociedade em que impera a pobreza e a fome de
muitos, para o benefício e a prosperidade de poucos. Ainda não temos o controle
completo sobre nosso trabalho. As decisões sobre aquilo que nos afeta ainda
estão conferidas a outros. Ainda não recebemos todos os frutos de nosso
trabalho, que são roubados pelos proprietários das empresas para as quais
trabalhamos. E essas são apenas algumas semelhanças dos fins do século XIX e
dos dias de hoje. Aos finais do século XIX, os Estados Unidos continuavam sua
crescente onda de crescimento econômico, em grande medida, impulsionados pelos
efeitos da Guerra de Secessão. A possibilidade de empregos nas fábricas, atraia
estrangeiros e nativos. No entanto, as condições de trabalho eram precárias ao
extremo. Em nome do lucro, os líderes capitalistas faziam com que homens e
mulheres trabalhassem 12, 14 e até 17 horas por dia, em ambientes sem qualquer
condição para o trabalho: muitos não tinham ventilação e iluminação adequada,
eram extremamente sujos, etc.. Nem as crianças e mulheres grávidas eram
poupadas. O desenvolvimento da crescente industrialização, das precárias
condições de trabalho e das organizações operárias, criava um ambiente propício
para a mobilização, com o objetivo de melhorar as condições de vida. Oscar
Neebe, conhecido militante anarquista desse período, fez uma descrição do
contexto da época em sua autobiografia:
“Eu trabalhava numa fábrica que fazia
latas de óleo e caixas para chá. Foi o primeiro lugar em que vi crianças de 8 a
12 anos trabalharem como escravos nas máquinas. Quase todos os dias, acontecia
de um dedo ser mutilado. Mas o que isso importa... Eles eram remunerados e
mandados para casa, e outros tomariam seus lugares. Acredito que o trabalho
infantil nas fábricas tenha feito, nos últimos vinte anos, mais vítimas do que
a guerra com o sul, e que os dedos mutilados e os corpos destroçados trouxeram
ouro aos monopólios e produtores.”
É dentro desse contexto que se dá o
movimento reivindicativo que marcou na História essa importante data do
Primeiro de Maio. Há anos, existia a idéia de que o dia dos trabalhadores
deveria ser dividido em três partes: oito horas para o trabalho, oito horas de
sono e oito horas para o lazer e o estudo. No ano de 1884, a Federação dos
Sindicatos Organizados dos Estados Unidos e do Canadá (precursora da Federação
Americana do Trabalho - AFL) declarou que a partir do dia 1 de maio de 1886, a
jornada de oito horas de trabalho passaria a vigorar, apesar dos capitalistas
afirmarem que isso era impossível. Esse movimento, na realidade, refletia uma
das reivindicações centrais dos movimentos operários da época, e continuava a
mobilização já iniciada anteriormente em países como Inglaterra, França e
Austrália. As adesões para o movimento foram muito grandes, já que a
reivindicação central era comum a todos os trabalhadores. Um pouco antes do tão
esperado Primeiro de Maio de 1886, milhares de trabalhadores haviam aderido a
luta pela redução da jornada. “Brancos e negros, homens e mulheres, nativos e
imigrantes, todos estavam envolvidos.”
No dia 01 de maio de 1886, as ruas de
Chicago foram tomadas pelo povo, em protestos e greves cujo objetivo central
estava na redução da jornada de trabalho. Chicago, na época, era o principal
centro de agitação política dos EUA e os anarquistas exerciam a maior
influência no movimento. De acordo com o relato de um jornal da época “não saia
qualquer fumaça das altas chaminés das fábricas e dos engenhos, e as coisas
assumiam uma aparência de sabá (o sábado judeu)”. Entre 80 e 90 mil pessoas
saíram às ruas em apoio ao crescente movimento somente na cidade de Chicago.
Grandes manifestações com mais de 10 mil pessoas também aconteceram em Nova
York e Detroit. Aconteceram reuniões e comícios em Louisville, Kentucky,
Baltimore e Maryland. Estima-se que por volta de meio milhão de pessoas tenha
tomado parte nas manifestações do Primeiro de Maio nos EUA. Estima-se também,
que por volta de 1200 fábricas entraram em greve em todo o país em apoio ao
movimento.
A posição dos líderes capitalistas
era claramente refletida na imprensa da época que chamava os manifestantes de
“cafajestes, preguiçosos, e canalhas que buscavam criar desordens”. Outro
veículo da imprensa afirmava que “Esses brutos [os operários] só compreendem a
força, uma força que possam recordar durante várias gerações”. Os capitalistas
compravam armas de fogo para a polícia local. Esses são apenas alguns exemplos
da “rede de apoio” que se formou entre patrões e a mídia, todos em defesa do
Capital e da ordem estabelecida. No dia 03 de maio, as manifestações e greves
continuavam. August Spies, um tipógrafo anarquista e editor do periódico
Arbeiter-Zeitung, discursou para 6 mil trabalhadores. Ainda enquanto ele
falava, os fura-greves da fábrica Mc Cormick Harvester estavam saindo, e parte
dos manifestantes deslocou-se para a frente da fábrica, com o objetivo de incomodar
os fura-greves. Isso aconteceu pois o local em que falava Spies, ficava a um
quarteirão da fábrica. Os manifestantes desceram a rua e fizeram com que os
fura-greves voltassem para dentro da fábrica. Foi então que chegou a polícia.
Eram aproximadamente 200 policiais que, ao reprimir os manifestantes, acabaram
matando seis pessoas (outras fontes dizem quatro ou sete), ferindo e prendendo
muitas outras. Spies, vendo o resultado brutal da repressão policial,
dirigiu-se ao escritório do Arbeiter-Zeitung, e fez uma circular, convocando os
trabalhadores para uma outra manifestação no início da noite do dia seguinte. O
protesto do dia 04 de maio aconteceu na Praça Haymarket, e nele discursaram
além de Spies, Albert Parsons, tipógrafo e militante anarquista, e Samuel
Fielden, imigrante inglês, operário da industria têxtil e também militante
anarquista. Os discursos pediam unidade e continuidade no movimento. Havia
aproximadamente 2500 pessoas no local, que até o momento faziam um protesto
pacífico, tão pacífico que o prefeito Carter Harrison, presente no início dos
discursos, afirmou que “nada do que acontecia, dava a impressão de haver
necessidade de intervenção da polícia”. Já no final da noite, o mau tempo
contribuía para que houvesse apenas umas 200 pessoas na praça. Com a ordem de
dispersar a manifestação imediatamente, um grupo de 180 policiais chegou ao
local. Apesar de Spies ter dito que os manifestantes eram pacíficos, a polícia
iniciou o processo de dispersar o ato. Foi nesse momento que uma bomba explodiu
em meio aos policiais, matando sete e ferindo aproximadamente 70. A polícia
imediatamente abriu fogo contra a população, sendo responsável por incontáveis
mortes. Alguns relatos falam em 100 mortos e dezenas de presos e feridos.
Ninguém nunca soube se quem jogou a bomba foram os manifestantes ou a própria
polícia, para incriminar o movimento.
Em sua autobiografia, Spies diria
algum tempo mais tarde que
“[...] O anarquismo não era nem mesmo
mencionado. Mas o anarquismo era bom o suficiente para servir como um bode
expiatório para Bonfield [chefe de polícia de Chicago]. Esse demônio, com o
objetivo de justificar seu ataque assassino à reunião, disse: ‘eram
anarquistas’. - ‘Anarquistas! Oh, que horror!’ A estúpida massa imaginou que -
anarquistas - deveria ser alguma coisa muito ruim, e incorporou o refrão junto
com seus inimigos e espoliadores: ‘Crucifiquem-nos! Crucifiquem-nos!’”
O fato é que o acontecimento da bomba
foi utilizado como motivo para a perseguição de todo o movimento radical de
trabalhadores. A polícia invadiu casas e escritórios de suspeitos e houve
muitas prisões. Muitas pessoas que nem sabiam o que era anarquismo ou
socialismo foram presas e torturadas. Definitivamente, a polícia primeiro
atacava e prendia, para depois averiguar se havia alguma “culpa” dos acusados.
O resultado desse processo foi a
prisão temporária de Rudolph Schnaubelt, acusado de jogar a bomba. Ele foi
solto depois de algum tempo sem acusações formais e há quem diga que ele era um
agente pago pelas autoridades para cometer o atentado. Com Schnaubelt solto, a
polícia prendeu Fielden e seis imigrantes alemães: Spies, Oscar Neebe,
funileiro, Adolph Fischer, tipógrafo, Louis Lingg, carpinteiro, George Engel,
tipógrafo e Michael Schwab, encadernador. A polícia também procurava Parsons,
já que ele era um importante líder da Associação Internacional dos
Trabalhadores (AIT) em Chicago, mas ele conseguiu se esconder e não ser
capturado. Parsons acabou depois se apresentando no dia do julgamento. Apesar
de apenas três deles terem estado presentes no dia da explosão da bomba, foram
todos incriminados e responsabilizados por esse motivo.
O julgamento teve início em 21 de
junho de 1886 com um júri nitidamente manipulado. Ele era composto de
empresários, seus funcionários e um parente de um dos policiais mortos. Não
houve provas apresentadas contra os anarquistas e nada que levasse a uma
conexão clara dos acusados com a explosão da bomba. Não houve também, quaisquer
provas de que eles teriam incitado a violência ou algo do tipo em seus discursos.
No entanto, o resultado do julgamento foi um claro reflexo do medo por parte da
sociedade burguesa em relação aos operários organizados e combativos. Numa
deliberada tentativa de conter o crescente movimento operário, sete dos
acusados foram condenados à morte em 19 de agosto. Neebe foi condenado a 15
anos de prisão. Apesar de insistir não ser culpado, Neebe, em uma demonstração
de solidariedade aos seus companheiros, falou ao juiz que sentia não ser
enforcado com os outros. A punição aos anarquistas deveria servir como um
exemplo à sociedade, mostrando o que aconteceria àqueles que desafiassem o
poder das instituições do Estado e do Capital. Spies pronunciou-se em sua
última defesa falando sobre os enforcamentos: “Aqui terão apagado uma faísca,
mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas
crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo”. Importante também
a defesa proferida por Parsons:
“A propriedade das máquinas como
privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo
contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas
as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da
inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem,
submetidas ao homem para sempre. Este, e não outro, é o objetivo do
socialismo.”
Schwab e Fielden tiveram suas penas
comutadas para prisão perpétua, depois de uma grande campanha pela liberdade
dos acusados. Lingg suicidou-se na prisão um dia antes de ser enforcado. Em 11
de novembro de 1887 Spies, Parsons, Fischer e Engel foram enforcados, e assim
ficaram conhecidos como os Mártires de Chicago. Milhares de pessoas tomaram
parte na procissão dos funerais e a campanha para liberdade de Fielden, Schwab
e Neebe continuou. Em 26 de junho de 1893 o governador Altgeld libertou-os,
alegando que eram inocentes do crime que estavam sendo acusados. Em 1890 as
manifestações de Primeiro de Maio se generalizaram nos EUA e Europa, assim como
no Chile, Peru e Cuba. O movimento pela jornada diária de oito horas de
trabalho ganhou tanto apoio, que acabou fazendo com que o Primeiro de Maio
fosse uma data mundial de mobilização. Depois disso, generalizaram-se as
manifestações no Brasil, na Rússia e Irlanda, e tomaram o mundo de maneira
crescente. No Brasil, o Primeiro de Maio é comemorado desde 1894 e tornou-se um
feriado nacional por um decreto do ex-presidente Arthur Bernardes em 1925. A
jornada diária de oito horas de trabalho foi incorporada na legislação
brasileira por Getúlio Vargas na década de 1930. Ainda em seu governo,
regulamentou o direito às férias e à aposentadoria, promulgando a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Essa atitude de Getúlio, muito mais do que
benevolência, refletia aceitação, por parte do governo, às reivindicações que
eram feitas pelos movimentos operários desde os anos 1910. Além disso, muitas
industrias já davam esses benefícios a essa altura dos acontecimentos. Com a
Constituição de 1988, incorporou-se às leis brasileiras as férias remuneradas,
o 13º salário, a multa de 40% sobre o fundo de garantia em caso de demissão,
licença maternidade, entre outros “benefícios” conhecidos hoje por nós.
Atualmente, com a adoção das
políticas neoliberais por parte dos nossos últimos governos, e com as novas
propostas de “flexibilização” das relações de trabalho, estamos perdendo os
direitos que conquistamos depois de longas jornadas de mobilização e
reivindicação. Os trabalhadores que ainda têm carteira assinada podem
considerar-se privilegiados, pois a grande maioria dos trabalhadores não tem
mais registros formais. Não têm direito a férias remuneradas, vale-transporte,
multa em caso de demissão, 13º salário, entre outros benefícios que um
trabalhador registrado formalmente tem. Além disso, ter um trabalho hoje, poder
vender a sua força de trabalho e deixar-se explorar pelos patrões tornou-se um
benefício. Há milhões pelo mundo que nem isso conseguem. As centrais sindicais
transformaram-se em redutos burocráticos e corruptos, com vistas apenas aos
seus próprios interesses. O povo é tratado com a política do pão-e-circo, que
agora, além de ser propagada pelo governo, tem a ajuda dos sindicatos com os
“Primeiros de Maio” de festas e sorteios. Definitivamente as políticas
institucionais mostraram-se ineficazes para conquistar, ou ao menos garantir,
os poucos direitos que os Estado ainda nos concede. Já está mais do que na hora
de nos inspirarmos nos antigos militantes operários e, através da ação direta,
reivindicarmos o direito a uma vida em liberdade. Temos todos o direito a uma
vida com a possibilidade de participação completa nas decisões que nos afetam,
que esteja livre da opressão e que nos propicie minimamente as tão antigas oito
horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas para o estudo e o lazer.
Bibliografia Consultada:
August Spies. Autobiography.
Jorge E. Silva. As Origens
Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio.
L. Gaylord. O Primeiro de Maio.
Lázaro Curvêlo Chaves. Primeiro de
Maio - Dia Mundial do Trabalho.
Lilian Caramel. A Origem do Dia do
Trabalho.
Michael Thomas. May Day in the USA: A Forgotten History. Oscar Neebe.
Autobiography.
Tom Moates. Reclaiming Our History. May Day & the Origins of
International Workers Day.
W. T. Whitney, Jr. May Day and the Haymarket Martyrs. Workers
Solidarity Movement. The Anarchist Origins of May Day.
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Muito além do feriado
O 1° de maio surgiu como símbolo mundial da luta por direitos
trabalhistas. No Brasil, teve significados distintos antes de ser
incorporado por Vargas.
Endereço eletrônico: http://maniadehistoria.wordpress.com/1%C2%BA-de-maio-muito-alem-do-feriado/
Bernardo Kocher
No Dia do Trabalho não se trabalha. Esta homenagem às avessas vigora
em boa parte do mundo capitalista. O 1º de maio hoje é vivido por muitos
apenas como mais um feriado no calendário, mas sua criação foi fruto de
uma história de lutos e lutas da classe operária.
As referências simbólicas desse período do ano vêm de longe. Os
romanos festejavam entre 30 de abril e 3 de maio as “floralias”, festa
dos cereais e das flores. A Idade Média manteve viva a tradição, em
comemorações pela “expansão da primavera” ou o “signo da alegria”. Ainda
no século XVI, surgiu a primeira associação da estação com o mundo do
trabalho, quando legislações corporativas instituíram a jornada de
trabalho de oito horas. Foi o caso da legislação de Felipe II, da
Espanha, que estabeleceu este direito para os mineiros em 1573 e para os
demais trabalhadores em 1593.
No século XIX, esta simbologia foi retomada pelo proletariado
moderno, que começava a se organizar. Antes mesmo da consagração da
data, reivindicações trabalhistas se inspiravam naquele período do ano. O
movimento de padeiros irlandeses contra o trabalho noturno e o
dominical no século XIX resultou nos “comícios de maio”, como os
descreveu Karl Marx (1818-1883).
Mas foi nos Estados Unidos que se consolidou o moderno significado do
1º de maio, numa série de manifestações que culminaram em tragédia. Em
1832, a jornada de oito horas foi a principal reivindicação das greves
que estouraram em Boston, na Filadélfia e em Nova York. Três décadas
depois, os operários ainda lutavam pela mesma causa, tanto é que em 1869
criaram a “Liga pelas Oito Horas”. Apesar da crescente organização da
classe, as condições de vida dos trabalhadores ficaram ainda piores com a
depressão econômica que assolou os Estados Unidos entre 1884 e 1885. A
situação se tornou tão calamitosa que em 1886 foi convocada uma greve
geral para 1° de maio, usualmente o dia nacional da renovação dos
contratos de trabalho. No dia 3, cerca de seis mil operários que
permaneciam em greve se reuniram em frente à fábrica McCormick Harvest
Works, em Chicago. A manifestação, a princípio, era pacífica, mas a
polícia resolveu intervir com violência. Graves incidentes deixaram um
saldo de seis mortos e 50 feridos. No dia seguinte, operários
anarquistas convocaram, com autorização oficial, um ato de protesto
contra a ação da polícia. No meio do comício, uma bomba foi arremessada
na direção de policiais que tentavam dispersar a multidão.
O episódio desencadeou uma perseguição a líderes do movimento
operário. Depois de um processo suspeito, com caráter marcadamente
político, sete deles foram condenados à morte por enforcamento e outro, a
quinze anos de prisão.
A luta pela comprovação da inocência dos acusados transformou os
“oito mártires de Chicago” em símbolo mundial da injustiça do Estado
capitalista contra uma classe trabalhadora oprimida. Ainda mais depois
que cinco deles foram, de fato, executados. O incidente americano teve
influência crucial nos rumos da 2ª Internacional dos Trabalhadores,
organização criada em Paris, em 1889, reunindo representantes operários
de vários países sob orientação marxista. Neste congresso, a entidade
decretou o 1° de maio como Dia Internacional do Trabalho. A data nasce
sob o signo da revolta e da luta.
Em torno dela, os operários passaram a promover um grande número de
atividades políticas, sociais e culturais — comícios, greves, passeatas,
poesias, peças de teatro, bailes, caricaturas etc. — canalizando a
pressão pela melhoria de suas condições de vida. O ponto de partida era,
ainda, a necessidade de uma jornada de trabalho de oito horas, que lhes
permitiria oito horas de lazer e outras oito de descanso.
As manifestações chegaram ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil,
justamente no período de transição do Império para a República. O novo
regime criou a expectativa de que vários direitos de cidadania seriam
adotados, e as manifestações que o movimento operário local promoveu
entre 1890 e 1906 refletiram esta esperança. Os trabalhadores braçais
foram os que mais se interessaram pela proposta, já que não tinham
qualquer proteção social nas suas relações com o patronato.
Pouco numerosa e ainda fortemente vinculada ao passado escravista, a
classe trabalhadora carioca adotava uma atitude respeitosa na forma de
fazer suas demandas. Nas primeiras comemorações do 1º de maio no Brasil,
os manifestantes começavam o dia com uma salva de tiros ou de fogos de
artifício. Em seguida, uma comissão de operários ia ao cemitério para
visitar túmulos de líderes e de antigos companheiros mortos. O
sacrifício dos “oito de Chicago” era lembrado em clima de luto.
Outra parte expressiva das manifestações ficava por conta dos
“préstitos”, desfiles em que cada categoria profissional carregava seu
estandarte pelas ruas do centro da cidade, acompanhadas por bandas que
tocavam músicas oficiais. Para a ocasião, os operários vestiam roupas de
qualidade, muito diferentes dos trapos usados no ambiente de trabalho.
Queriam ser reconhecidos não só pela sua profissão, mas como cidadãos
comuns e civilizados, iguais aos demais. Mais do que buscar melhores
condições de vida, tratava-se da reivindicação de um novo status social
numa sociedade elitista e excludente.
Neste mesmo sentido, eram feitas visitas às redações dos jornais para
divulgar a boa conduta da classe, e depois, geralmente havia um
comício. À noite, as manifestações continuavam nas sedes sociais das
entidades de classe, intercalando comícios e sessões solenes com
atividades de lazer.
Mas as reformas políticas e sociais esperadas do novo regime não
vieram. Por conta disso, as manifestações do 1º de maio sofreram
profundas mudanças. Com o 1º Congresso Operário Brasileiro, entre 15 e
20 de abril de 1906, uma nova orientação torna-se predominante nas
formas de se celebrar a data. A tendência do período anterior é
invertida: o luto se transforma em luta.
Um jornal editado por trabalhadores do setor gráfico, publicado em
1916, traduz essa mudança de tom no discurso operário brasileiro, ao
tentar convencer seus leitores do novo significado do 1° de maio:
“Companheiros, hoje não é dia de festas, foguetórios, bailes, etc… mas
sim um dia de protesto, de irmos pedir aos senhores conta do sangue de
nossos irmãos derramado por nossa redenção a estes senhores desta
sociedade sem igualdade e sem liberdade”. Esta era a ótica dos
anarcossindicalistas, para quem a greve deveria ser a forma preferencial
de manifestação dos trabalhadores. Esta corrente política foi
responsável pela mudança, duradoura, do eixo no qual as manifestações de
1º de maio passaram a se inspirar: era um dia de LUTO, não de LUTA,
como até então vinha sendo defendido por setores do operariado.
Embora hegemônica, a interpretação dos anarcossindicalistas para o 1º
de maio não era a única. “O Congresso aconselha aos operários e
respectivos sindicatos que, no caso em que essa data seja decretada dia
feriado, iniciem uma forte propaganda no sentido de patentear a
incompatibilidade da adesão do Estado a tal manifestação, que é
revolucionária e de luta de classes, apontando o seu trágico epílogo a
11 de novembro de 1887”.
Ao longo dos anos 1910 e 1920, a disputa pelo significado da data
ocorreu em ambiente de conflito aberto: as áreas não-operárias não
buscavam mais conciliação com o discurso dos trabalhadores, e elaboravam
outras interpretações. Nesta direção atuaram a imprensa, o Estado e até
a Igreja.
Bendito o 1º de Maio, que nos trazes contigo a alegria das flores, o consolo da prece e o descanso festivo dos que trabalham.
(Correio da Manhã, 1/5/1911).
É que ela – a data de 1º de Maio – deixou de ser uma simples
comemoração dos mártires de Chicago, sacrificados em holocausto aos
interesses vitais das classes trabalhadoras, para se transformar numa
homenagem da própria Civilização aos seus maiores obreiros, quer
mourejem no interior das fábricas e oficinas, quer laborem na liberdade
dos campos e dos mares. Pode-se dizer, portanto, que o socialismo a
instituiu como a marca inicial de suas reivindicações, e a sociedade
aceitou como a festa simbólica de sua gratidão.
(A Razão 1/5/1918)
A luta para se definir o significado do 1° de maio se tornaria ainda
mais intensa a partir dos anos 1920, quando o comunismo substituiu o
anarcossindicalismo na preferência dos operários. Com a ascensão do
regime comunista na Rússia em 1917 – e mais tarde no restante da Europa
Oriental, após a Segunda Guerra Mundial –, a data ganhou fortes
contornos políticos. Enquanto a classe operária conclamava seus
companheiros à luta, setores mais conservadores davam outro tratamento à
efeméride. Em maio de 1929, o jornal Correio da Manhã publicava uma
visão religiosa do feriado, em resposta à influência comunista: “Ontem,
os trabalhadores que ainda não se deixaram seduzir pelas utopias
comunistas foram à tarde à matriz de Sant’Anna (…). Que ensinamentos
lhes terá comunicado o Filho do Carpinteiro?”
Somente na Era Vargas seria elaborado um discurso unificado sobre o
1° de maio no Brasil. O curioso é que esse discurso foi modelado pelo
Estado, e não pela sociedade civil. Levantando a bandeira trabalhista, o
governo instaurado em 1930 se apropriou da data e a utilizou para fins
políticos – para não dizer propagandísticos. Paralelamente às políticas
concretas — jornada de oito horas, férias, carteira de trabalho e
criação do Ministério do Trabalho —, Vargas investiu em um novo caráter
subjetivo para o 1º de maio, afastando-se do significado inicial dado
pelos operários à data. O protagonista não é mais o operariado, e sim o
Estado, o desenvolvimento econômico, a Nação e o seu dirigente máximo.
Foi uma década de repressão ao movimento operário livre e de
instituição de sindicatos atrelados ao Estado. Para regular as
atividades do movimento operário, e o mercado de trabalho de forma mais
ampla, os sindicatos passaram a ser controlados por normas oficiais,
criou-se a carteira de trabalho e foi instituída a Consolidação das Leis
do Trabalho. A partir de 1939, o Dia do Trabalho consolidou-se como
festividade oficial, conduzida pelo governo. As manifestações passaram a
contar com pomposos discursos do presidente no recém-construído estádio
do Vasco da Gama. Após a execução do Hino Nacional, postados em torno
de um círculo que a todos igualava simbolicamente, Getulio Vargas assim
se dirigia ao povo:
Todo trabalhador, qualquer que seja a sua profissão, é (…) um
patriota que conjuga o seu esforço individual à ação coletiva em prol da
independência econômica da nacionalidade. O nosso progresso não pode
ser obra exclusiva do governo, e sim de toda a Nação, de todas as
classes, de todos os homens e mulheres que se enobrecem pelo trabalho,
valorizando a terra em que nasceram.
(…)
A sociedade brasileira felizmente repele, por índole, as soluções
extremistas. Corrigidos os abusos e imprevidências do passado, poderemos
encarar o futuro com serenidade, certos de que as utopias ideológicas,
na prática verdadeiras calamidades sociais, não conseguirão afastar-nos
das normas de equilíbrio e bom senso em que se processa a evolução da
nacionalidade.
(Correio da Manhã, 3/5/1940).
Nem luto, nem luta. O 1º de maio nunca mais seria o mesmo no Brasil. E
no mundo, também não. As décadas recentes nos afastaram do significado
político que lhe deu origem. Isto se deve, por um lado, à derrocada da
União Soviética e dos regimes comunistas do Leste europeu, e, por outro,
às novas formas de produção: flexível e volátil, o capitalismo
globalizado disseminou fábricas por vastas regiões do planeta,
articuladas pela informática e pelos meios de comunicação. Este
processo desconstruiu o proletariado industrial típico dos séculos XIX e
XX, disseminando a produção industrial por vários continentes do
planeta, alcançando a Ásia.
Foi-se o proletariado. Sobrou o feriado.
BERNARDO KOCHER é professor de História da Universidade Federal
Fluminense (UFF) e autor da dissertação “Luto-Luta: O Primeiro de Maio
no Rio de Janeiro (1890-1940)” (UFF, 1987).
Saiba Mais – Livros:
ABENDROTH, Wolfgang. A História Social do Movimento Trabalhista Europeu. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
DEL ROIO, José Luiz. O 1º de Maio. Cem Anos de Luta. 1886-1986. São Paulo: Global, 1986.
DOMANGET, Maurice. Historia del Primero de Mayo. Buenos Aires: Editorial América, 1956.
ELEY, Geoff. Forjando a democracia. A história da esquerda na Europa, 1850-2000. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
História
do Dia
do Trabalho
História do Dia do Trabalho, comemoração, 1º de
maio,
criação da data, origem, eventos, protestos,
reivindicações, direito dos trabalhadores
Manifestações e conflitos em Chicago (1886): origem da data
Endereço eletrônico: http://www.suapesquisa.com/datascomemorativas/dia_do_trabalho.htm
História do
Dia do Trabalho
O Dia do Trabalho é comemorado em 1º de maio. No Brasil e em vários
países do mundo é um feriado nacional, dedicado a festas, manifestações,
passeatas,
exposições e eventos reivindicatórios.
A
História do Dia do Trabalho remonta o ano de 1886 na industrializada cidade de Chicago
(Estados Unidos). No dia 1º de maio deste ano, milhares de
trabalhadores foram às ruas reivindicar melhores condições de trabalho,
entre elas, a redução da jornada de trabalho de treze para oito horas
diárias. Neste mesmo dia ocorreu nos
Estados Unidos uma grande greve geral dos trabalhadores.
Dois dias após os acontecimentos, um conflito envolvendo policiais e
trabalhadores provocou a morte de alguns
manifestantes. Este fato gerou revolta nos trabalhadores, provocando
outros enfrentamentos com policiais. No dia 4 de maio, num conflito de
rua, manifestantes atiraram uma bomba nos policiais, provocando a morte
de sete deles. Foi o estopim para que os policiais começassem a atirar
no grupo de manifestantes. O resultado foi a morte de doze protestantes e
dezenas de pessoas feridas.
Foram dias marcantes na história da luta dos trabalhadores por melhores
condições de trabalho. Para homenagear aqueles que morreram nos
conflitos, a Segunda Internacional
Socialista,
ocorrida na capital francesa em 20 de junho de 1889, criou o Dia
Mundial do Trabalho, que seria comemorado em 1º de maio de cada ano.
Aqui no Brasil existem relatos de que a data é comemorada desde o ano de
1895. Porém, foi somente em setembro de 1925 que esta data tornou-se
oficial, após a criação de um decreto do então presidente Artur
Bernardes.
Fatos importantes relacionados ao 1º de maio no Brasil:
- Em 1º de maio de 1940, o presidente Getúlio Vargas instituiu o
salário
mínimo.
Este deveria suprir as necessidades básicas de uma família (moradia,
alimentação, saúde, vestuário, educação e lazer)
- Em 1º de maio de 1941 foi criada a Justiça do Trabalho, destinada a resolver questões judiciais relacionadas, especificamente,
as relações de trabalho e aos direitos dos trabalhadores.
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A PROPRIEDADE PRIVADA SEGUNDO PROUDHON
mardi 14 août 2007.
Endereço eletrônico: http://www.fondation-besnard.org/article.php3?id_article=578
A PROPRIEDADE PRIVADA SEGUNDO
PROUDHON
“A propriedade é impossível, pois é
homicida” P.-J. Proudhon
Por meio da crítica de Proudhon à
propriedade privada dos meios de produção, chegamos à conclusão que,
independente do período de capitalismo a que nos refiramos, há um fato comum: a
exploração.
Essa exploração do homem pelo homem
provém do capitalismo, cujo principal pilar é a propriedade privada dos meios
de produção. No entanto, o que são os meios de produção?
Os meios de produção constituem-se
pelos meios de trabalho e pelos objetos de trabalho. Os meios de trabalho são
os instrumentos de produção como as máquinas, os equipamentos, as ferramentas,
a tecnologia; as instalações como os edifícios, armazéns, escritórios; as
fontes de energia utilizadas na produção que podem ser elétricas, hidráulicas,
nucleares, eólicas; e os meios de transporte. Os objetos de trabalho são os
elementos sobre os quais ocorre o trabalho humano como as matérias-primas
minerais, vegetais e animais, a terra, dentre outras.
O processo de exploração pela
propriedade privada acontece da seguinte forma: o proprietário detém os meios de
produção e, por diversos formas, dentre elas a contratação de trabalhadores que
recebem salários, apropria-se de parte do seu trabalho, pois não lhes paga os
frutos completos daquilo que produzem. Este excedente do trabalho alheio
apropriado pelo proprietário é conhecido como mais-valia.
Proudhon enfatizava que a um
indivíduo, o máximo que lhe pode ser pago pelo trabalho, é aquilo que ele mesmo
pode produzir. Enfatizava, em O Que é a Propriedade de 1840, que “se o direito
de ganho pudesse sujeitar-se às leis da razão e da justiça, ficaria reduzido a
uma indenização ou reconhecimento cujo máximo não ultrapassaria jamais, para um
único trabalhador, certa fração do que ele é capaz de produzir (1) ”. Ou seja,
a um indivíduo, o máximo que lhe poderia ser pago, seria o total daquilo que
ele produziu.
Isso constituiria a base de seu
raciocínio sobre a exploração por meio da propriedade privada. Ao empregar um
número de trabalhadores, por exemplo, a tendência do patrão será sempre a de
pagar a eles o menor salário possível e receber a maior quantia possível de
dinheiro por seus trabalhos. Ou seja, ter o mínimo custo e o maior lucro.
Na época de Proudhon, tanto ele
quanto outros socialistas que faziam uma crítica do sistema capitalista, ao
discutir a teoria do valor, colocavam como um “mínimo necessário” a ser pago
pelo trabalhador o valor de seu custo de vida (alimentação, saúde, vestimentas,
etc.). No sistema de hoje, as coisas já não são mais assim. O mínimo a ser
pago, é o mínimo aceito pelo “mercado” e como há muitos trabalhadores em
situações gravíssimas de desemprego, subemprego, etc., muito provavelmente,
sempre haverá alguém disposto a receber menos pelo trabalho realizado. E se
valor pago pelo proprietário não puder pagar as despesas do custo de vida do
trabalhador? Ele que se vire para conseguir outras fontes de renda ou reduzir
ainda mais seu padrão de vida.
Ao apropriar-se de uma parte do
trabalho realizado por seus trabalhadores, o patrão - ou o detentor da
propriedade privada - aparece, para Proudhon, como um usurpador, um ladrão.
Isso porque o que é justo, em sua concepção, é que cada um receba os frutos
completos de seu trabalho e, a partir do momento que, por ser o detentor da
propriedade, o patrão lhes paga o mínimo possível, com o objetivo de acumular o
máximo possível, apropriando-se de parte do valor de seu trabalho, o
proprietário constitui-se um ladrão. É por isso que Proudhon afirmará, neste
mesmo livro, que a propriedade é um roubo. E por que isso?
Porque a propriedade privada dos
meios de produção constituirá ao proprietário uma forma injusta de enriquecer.
A propriedade oferecerá ao proprietário o enriquecimento injusto pelo
arrendamento, pelo ganho de aluguel, pelo recebimento de juros, e também pelo
recebimento da mais valia de seus trabalhadores assalariados.
E a ganância do proprietário não tem
limites, na maioria dos casos. Proudhon continua afirmando que “o proprietário
não se contenta com o ganho tal como o bom senso e a natureza das coisas lhe
asseguram: quer ser pago dez, cem, mil, um milhão de vezes (2)”. E para atingir
este objetivo, o proprietário não medirá esforços. Isso levará Proudhon a
concluir sua quarta proposição do porque a propriedade é impossível, dizendo:
“[...] a propriedade, após despojar o trabalhador pela usura, assassina-o
lentamente pelo esgotamento; ora, sem a espoliação e o assassinato a
propriedade não é nada; com a espoliação e o assassinato ela logo perece,
desamparada: logo, é impossível (3)”.
A crítica da propriedade privada pode
ser aplicada, além de no sistema de trabalho assalariado, também nos sistemas
de escravismo e servidão. Isto porque muda a forma de exploração, mas a
essência do sistema não. É, da mesma maneira, um sistema em que alguns poucos
detêm a propriedade e, por este motivo, apropriam-se do trabalho de outros
muitos (em maior ou menor proporção, dependendo do caso), sendo responsáveis
pela exploração. É certo, ainda, que esta crítica também pode perfeitamente
aplicar-se ao sistema “socialista” de Estado. Nos sistemas “socialistas” do
século XX - como foi o caso da ex-URSS -, o papel do Estado pode ser claramente
classificado como o de “patrão”, visto que “emprega” seus trabalhadores,
afastando-os das tomadas de decisão e sustentando a hierarquia em seu seio; não
há término da exploração e da alienação. Nestes casos, a mais-valia dos
trabalhadores do Estado continuou a ser roubada, da mesma forma. E este roubo
nunca voltou ao povo, sequer como um benefício oferecido pelo Estado.
É certo que as relações do século XXI
estão modificadas. No entanto, as críticas de Proudhon continuam válidas e, se
em alguma medida precisam de atualização, há aspectos que estão em plena
contemporaneidade.
* Artigo produzido como contribuição
ao Grupo de Estudos do Anarquismo que, em seu programa Anarquismo: Federalismo
e Organização, havia discutido o capítulo “A Propriedade é Impossível pois é
Homicida” do livro O que é a Propriedade, de P.-J. Proudhon em julho de 2007.
1) Proudhon, P.-J.. O que é a
Propriedade. São Paulo: Martins Fontes, 1988 p. 154.
2) Ibidem p. 154.
3) Ibidem p. 159.
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Revista HISTEDBR On-line Artigo
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.32, p.136-149, dez.2008 - ISSN: 1676-2584 136
PEDAGOGIA LIBERTÁRIA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Clovis Nicanor Kassick
Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL
kassick@uol.com.br
Clovis.Kassick@unisul.br
RESUMO:
Considerando as informações disponíveis sobre a Pedagogia Libertária e, com a intenção
de contribuir para sua discussão, já que ela é uma das constituintes da História da
Educação Brasileira, o presente texto resgata parte da história do movimento anarquista no
Brasil, que realizamos através de folhetos e jornais encontrados no Arquivo Edgard
Louenrouth da UNICAMP e no Centro de Cultura Social de SP, enfatizando suas lutas em
favor da educação do povo e, em especial, dos operários e seus filhos. Educação que se
consubstanciou não só através do ensino ministrado na escola regular como a Escola
Moderna, mas também através do ensino informal dos Centros de Cultura Social, da
Universidade Popular e bibliotecas constituídas nos sindicatos operários que proliferaram
no Brasil do início do século passado. Neste sentido, faremos uma análise da educação no
Brasil, no começo do século XX, a partir da concepção libertária, fornecendo informações
a respeito da relação entre a educação libertária e o movimento de organização do
operariado na luta pela transformação de suas condições de existência. Ao assim
procedermos, é nossa intenção não só recolocar a presença desta pedagogia, mas, a partir
de seus princípios, possibilitar o tensionamento das relações presentes hoje na escola
brasileira.
Palavras-chave: Pedagogia Libertária – Autogestão - Autonomia
THE LIBERTARIAN PEDAGOGY IN THE HISTORY OF THE BRAZILIAN
EDUCATION
ABSTRACT:
Considering the information available on the Libertarian Pedagogy and with the intention
to contribute to it discussion ,since it is one of the constituents of the Brazilian History of
Education, this text rescues part of the history of the anarchist movement in Brazil. The
study was carried out through leaflets and newspapers found in the Edgard Louenrouth
Archive of UNICAMP and in the Social Culture Center of São Paulo, emphasizing their
struggle in favor of the education of people, especially the workers and their children.
Education which is seen not only through education taught in regular schools such as
Modern School, but also through informal education in Social Culture Centers, Popular
University, and libraries established in labor unions which proliferated in Brazil in the
beginning of the last century. For that purpose, we will analyze education in Brazil at the
beginning of the 20th century, starting from the libertarian concept, providing information
on the relationship between the libertarian education and the workers’ organization
movement in their struggle for transforming their life conditions. In so doing, we intend
not only to reestablish the presence of such pedagogy, but based on its principles, allow the
tenseness of relations present in the Brazilian school today.
Key-words: Libertarian Pedagogy. Self-management. Autonomy
Revista HISTEDBR On-line Artigo
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.32, p.136-149, dez.2008 - ISSN: 1676-2584 137
Introdução:
A história oficial da pedagogia se fez omissa em relação à contribuição do
Pensamento Pedagógico Libertário. No entanto, apesar das dificuldades enfrentadas,
experiências educacionais em bases libertárias se desenvolveram em várias partes do
mundo, inclusive no Brasil, e elas foram importantes pelo vínculo com o movimento
operário e com o seu fortalecimento, principalmente no final do século XIX e início do
XX.
Devido à escassez de material escrito, falar de pedagogia libertária no Brasil parece
trazer à memória algo já extinto, ou que, na melhor das hipóteses, dorme sob as cinzas dos
feitos de bravos militantes do passado. Efetivamente, com exceção de poucos livros,
artigos em revistas e algumas dissertações e teses (não publicadas e portanto de circulação
restrita), sobre educação anarquista no Brasil, quase nada além se encontra sobre a
pedagogia libertária.
Essa precariedade de registros deveu-se, em grande parte, a necessidade dos
militantes anarquistas em não deixar pistas que pudessem comprometer o movimento mais
amplo de organização dos trabalhadores na luta contra o Estado e suas instituições
opressoras. Mas, por outro lado, outro fator foi o “esquecimento” por parte da pedagogia
oficial, resultante da rejeição das próprias idéias libertárias.
O anarquismo, enquanto pensamento contestador das idéias hegemônicas que
serviam de pano de fundo para a cena onde o capitalismo se consubstanciava como única
forma de organização da produção encontrava, na classe dirigente, um inimigo forte e
avassalador. Mais que isso, quando colocava em dúvida a própria idéia de Estado, como
ordem política, atraía a ira da esquerda socialista marxista, cujas idéias políticas previam a
tomada do poder para posterior instauração do Estado Socialista (ditadura do proletariado).
Desse modo, enquanto pensamento revolucionário combateu ao mesmo tempo o
sistema sócio-produtivo capitalista e o socialismo (autoritário), por identificar em ambos
uma estrutura verticalista. Em oposição, propôs a autogestão operária como meio de criar
novas formas de organização dos trabalhadores na gestão da produção e da vida social.
Entendendo a autogestão como a única forma de democracia efetiva, idealizam-na
enquanto ação direta a partir de uma consciência de classe que visasse à emancipação dos
trabalhadores. É justamente neste aspecto que se estreitam os laços entre a vontade
revolucionária e uma pedagogia fundamentada no princípio da liberdade.
O resgate da história do movimento anarquista nos informa sobre o elevado número
de Escolas, Centros de Cultura e inclusive Universidade Popular que foram criadas e
mantidas pelo anarco-sindicalismo da época. Desta forma, evidencia-se a importância por
eles atribuída à educação, no movimento de emancipação com vistas à transformação da
sociedade.
Neste sentido, faremos uma análise da educação no Brasil, no começo do século
XX, a partir da concepção libertária, com o propósito de contribuir para o resgate da
história não contada e mantida à margem da história oficial da educação e, ainda, fornecer
informações a respeito da relação entre a educação libertária e o movimento de
organização do operariado na luta pela transformação de suas condições de existência.
De uma maneira geral, quando se fala das tendências pedagógicas que têm
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influenciado a prática escolar de professores brasileiros, as informações sobre a pedagogia
libertária reduzem-se a citações superficiais.
Ao trazermos para análise as experiências pedagógicas libertárias desenvolvidas no
Brasil, é nossa intenção não apenas recolocar a presença desta pedagogia e sua importância
na educação da classe trabalhadora do início do século XX, mas também, rever seus
princípios na busca de novas possibilidades para uma ação educativa menos autoritária e
repressiva na atualidade.
O Pensamento Pedagógico Libertário: uma realidade presente na prática
revolucionária do início do século XX.
O movimento educacional desenvolvido pelos anarquistas brasileiros no início do
século passado, espelhava-se no movimento educacional que, nesta mesma época,
desenvolvia-se noutros países, em particular na Espanha, onde Ferrer y Guardia
sistematizava as bases da educação anarquista em sua Escola Moderna. Apesar de sua
exígua experiência educativa1 os princípios da Escola Moderna de Ferrer foram adotados
em vários países, inclusive no Brasil.
Os novos métodos de ensino, propostos e implantados pela Escola Moderna, tendo
por base o respeito à liberdade, à individualidade e à expressão da criança, reorganizaram o
fazer pedagógico, imprimindo-lhe autêntica função revolucionária.
Ao mesmo tempo em que a educação anarquista buscava novos métodos
pedagógicos condizentes com o projeto revolucionário, realizava a denúncia da escola
enquanto instituição de reprodução dos interesses da Igreja e do Estado.
Princípios como co-educação dos sexos e de classes sociais, ensino racional e
integral apontavam para uma educação livre de dogmas e de preconceitos cuja essência era
o respeito à liberdade.
Tais princípios, frente ao contexto escolar elitista da época, buscavam a superação
do conhecimento filtrado pelos dogmas e interesses da Igreja, bem como a ruptura com o
sistema estatal dual, onde o conhecimento parcelarizado era repassado de forma distinta
para ricos e pobres.
No Brasil, a experiência pedagógica de inspiração libertária, organizada com base
nos princípios da Escola Moderna de Barcelona, foi de grande importância para a educação
dos trabalhadores brasileiros, chegando a se constituir quase que na única escola a que
efetivamente tinham acesso, dado o desinteresse do Estado pela educação do povo.
Além disso, os princípios pedagógicos da educação libertária foram os únicos
parâmetros para a contestação da pedagogia tradicional que, naquele momento, imperava
soberana nas escolas e nos gabinetes, bem como nas mentes de autoridades, de pais e de
professores.
As escolas libertárias não se atinham apenas ao ensino regular para as crianças,
ofereciam também, para os adultos, ensino profissional e ainda, através dos Centros de
Cultura Social, realizavam palestras e conferências à noite ou aos domingos - as chamadas
Sessões de Propaganda Científica.
Verifica-se assim, que apesar de pouco lembrada e referenciada, a educação
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anarquista foi importante não apenas para a “Instituição Escola”2 e para o seu fazer
pedagógico, mas também para a própria Pedagogia, que incorporou muitos de seus
princípios.
Antes de qualquer coisa, devemos entender a escola libertária dentro do contexto de
oposição anarquista à estrutura da sociedade no início do século passado. Neste sentido,
andavam juntos: escola, jornais, centros de estudos sociais, militância, panfletagem,
greves, enfim, todo um conjunto de atividades e ações diretas que visavam
fundamentalmente à transformação da sociedade opressora e exploradora na qual viviam
os operários.
Na escola, os jornais operários serviam de suporte técnico para as salas de aula
através de seus artigos, muitos deles, contendo a tradução de textos de educadores
anarquistas estrangeiros. Deste modo, ao mesmo tempo em que forneciam material para
análise e estudo dos alunos, divulgavam as idéias anarquistas e as experiências
pedagógicas libertárias desenvolvidas em outros países.
Esse procedimento articulado, entre imprensa anarquista e pedagogia, já havia sido
adotado desde as primeiras experiências libertárias, como, por exemplo, as desenvolvidas
na França por Robin, no Orfanato de Cempuis3 na Espanha, por Ferrer4 , na Escola
Moderna e por Faure5 na França, na Colméia. Nessas experiências, a imprensa era apenas
uma das várias oficinas de aprendizagem oferecidas aos jovens, as quais faziam parte da
idéia de educação integral defendida por Robin.
É interessante relatar, em especial, o caso da Colméia em relação ao funcionamento
da imprensa. Aquele serviço, além de atender às necessidades de consumo interno, atendia
também pedidos de fora, encomendados por amigos da Colméia: sindicatos, cooperativas,
universidades populares, bolsas de trabalho e outros empreendimentos de vanguarda. Em
decorrência, tanto os estudantes quanto os trabalhadores estavam sempre em contato com o
texto vivo, crítico e ativo porque expressão da própria militância, ora organizando o
movimento de protesto na fábrica, ora trazendo o conhecimento científico capaz de libertar
a mente do obscurantismo imposto pelo dogmatismo da época.
Tais textos representavam, ao mesmo tempo, a ação integrada dos anarquistas nos
movimentos de luta dos operários e a rejeição aos livros que o clero e o Estado utilizavam
para inculcar os valores e a ideologia burguesa, os quais, ao invés de promover a crítica da
realidade, buscavam apenas “entreter as crianças” (Ferrer apud: Monés, 1980, p.187). Por
esta razão, ao movimento operário logo se ligava à escola e a imprensa operária, capazes
de desenvolver e divulgar suas idéias e realizações.
Conforme informa Rodrigues (1992), as idéias libertárias foram introduzidas no
movimento sindicalista brasileiro pelos trabalhadores anarquistas-imigrantes espanhóis,
italianos e portugueses e representou a frente de luta mais significativa nas duas primeiras
décadas do século contra a exploração do operariado brasileiro.
Foi esse mecanismo adotado pela imprensa anarquista, de publicar o material
necessário à divulgação de suas idéias, que permitiu aos anarquistas brasileiros terem
conhecimento imediato das experiências desenvolvidas em outros países. Conforme nos
traz Luizetto (1982, p.62):
O rumo tomado pelo movimento anarquista na Europa não poderia deixar
de imprimir sua marca na comunidade dos socialistas libertários no
Brasil, formada exatamente naquela ocasião. De fato inspirados nas idéias
e nas experiências dos educadores libertários, criaram em várias cidades
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‘Escolas Modernas ’e ‘Centros de Estudos Sociais’ para a prática do
ensino mútuo.6
Consideramos de fundamental importância essa informação, pois nos remete a
refletir sobre a maneira de recepção de tais idéias vindas de “fora”.
Enquanto o sistema oficial de educação caracterizava-se pelas constantes reformas,
elaboradas em gabinete, à luz de modelos transplantados de outras realidades, os
anarquistas assimilavam de forma crítica as contribuições dos companheiros estrangeiros,
discutindo amplamente, dentro do próprio movimento de organização da luta dos
trabalhadores, a validade de tais contribuições. Nos primeiros, vemos a desarticulação
entre as propostas e as necessidades reais dos destinatários; nos segundos, teoria e prática
se interpenetram e se modificam no contato com a própria prática revolucionária.
Segundo Luizetto (op.cit.) “...a idéia era criar, paralela e rigorosamente em
oposição ao sistema oficial e privado dominante, um autêntico sistema de ensino”.
Como já vimos, para esse fim, articulavam-se a imprensa operária, os sindicatos, os
centros de cultura social, as ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias.
Os militantes envolvidos com a imprensa anarquista foram os maiores responsáveis
pela aquisição e divulgação do material escrito sobre educação anarquista. “Através da
correspondência mantida com núcleos libertários no exterior, recebiam livros, jornais e
revistas, logo postos à venda nas redações dos próprios jornais e/ou distribuídos pelos
vários Centro de Estudos Sociais”. (op. cit., p. 63).
Era de vital importância, para o êxito do empreendimento, esse caráter de rede de
informações e trocas baseadas nitidamente no princípio da ajuda mútua.
Tal princípio, posto em prática através da ação direta no próprio local de trabalho,
representou um autêntico ato revolucionário diante dos altos índices de analfabetismo da
época7. Conforme Rodrigues (1992, p. 25)
...a maioria dos operários havia trocado a escola pela fábrica e pela
oficina aos seis e sete anos de idade, para ajudar seus pais a sustentar a
prole. Por isso, os mais ilustrados, tinham que ler os jornais e prospectos
em voz alta, em grupo, nos locais de trabalho, às horas do ‘almoço’ ou
nas sedes das associações para que a maioria de analfabetos pudessem
ouvir, compreender as idéias, os métodos de luta, memorizá-los, assimilálos!.
Apesar de duramente atingidos pela exploração burguesa e pelas limitações
impostas pelo analfabetismo, os trabalhadores ligados ao movimento anarco-sindicalista,
ao mesmo tempo em que lutavam para melhorar suas condições de vida, adquiriam uma
cultura de base muito superior à dos demais trabalhadores.
Evidentemente, a criação pelo movimento anarquista de várias escolas de
alfabetização para as crianças e de artes e ofícios para os adultos, vinculava-se diretamente
ao fortalecimento das capacidades de luta dos trabalhadores.
O trabalho dos militantes, na imprensa anarquista, se deu também através da
tradução de textos e de relatos de experiências libertárias em educação que, às vezes, era
responsável pelo fato de novas iniciativas serem conhecidas simultaneamente na Europa e
no Brasil. Desse modo, os anarquistas brasileiros, em especial os educadores, puderam ter
conhecimento imediato das experiências desenvolvidas fora do Brasil e que atendiam à
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demanda da educação popular em outros países. À medida que essas informações
circulavam e eram discutidas, forneciam os instrumentos para que os trabalhadores
pudessem avaliar as condições precárias da educação que lhes era oferecida e criar suas
próprias alternativas.
Percebe-se assim, o quanto a imprensa anarquista alimentou o movimento anarcosindicalista
e, de dentro dele, subsidiou o campo da educação.
Vale a pena lembrar ainda, que essa imprensa medrou na marginalidade, sendo
muitas vezes perseguida, confiscada e dizimada pela repressão do governo e do clero.
O movimento libertário, influenciado pelas idéias pedagógicas que chegavam da
Europa, assimilou os pressupostos de duas vertentes pedagógicas: o ensino integral -
sistematizado e aplicado por Paul Robin, no Orfanato de Cempuis; e o ensino racional -
organizado e difundido por Ferrer, fundador da Escola Moderna de Barcelona/Espanha.
Estas duas vertentes não são excludentes, muito pelo contrário, são complementares
e correspondem a dois grandes enfoques eleitos pelos educadores da época como forma de
romper com a educação classista que imperava. Esta, organizada num sistema dual,
oferecia uma educação científica para a burguesia e uma educação profissional para os
filhos do povo. Aos primeiros, o ensino das ciências, das artes e, consequentemente, o
poder intelectual da época, que lhes garantia a função de dirigentes. Aos segundos, a
aprendizagem parcial referente ao ofício, cuja demanda decorrente da divisão social do
trabalho, formava a grande massa de mão-de-obra fabril, apta para o trabalho braçal e para
a submissão.
Contrapondo-se a esse modelo reforçador da divisão social do trabalho,
organizaram uma proposta de educação para o desenvolvimento completo do homem, ou
seja, físico, intelectual e moral. Para tanto, propuseram o acesso ao conhecimento sem a
tradicional separação entre trabalho manual e intelectual, entre saberes do ofício e
conhecimento científico. Portanto, ao mesmo tempo era ensino integral e racional,
integrando o conhecimento teórico e prático, através de “...sólidas noções justas, claras,
positivas, mesmo que muito elementares de todas as ciências e de todas as artes.” (Robin,
apud: Barrancos, 1985, p. 78).
Assim, a intenção era oferecer, à criança, uma base de conhecimentos tão ampla
que lhe permitisse, mais tarde, uma opção consciente, quando da escolha da profissão,
fundamentada nas ciências como forma de escapar do dogmatismo religioso da época.
Se, ao substituir as verdades da fé pela verdade científica, o racionalismo
pedagógico deixa à mostra seu caráter positivista, este se descaracteriza no interior do
processo pedagógico geral, conforme esclarece Gallo (1992, p. 20, 21)
Apesar da importância dada à ciência, em Ferrer o racionalismo e o
positivismo clássico aparecem de certo modo invertidos: a ciência só tem
sentido se estiver a serviço do homem e não ao contrário; e a razão,
embora seja o centro do conhecimento, é encarada apenas como uma das
facetas do homem, formando um conjunto com as emoções, os desejos,
etc. - um verdadeiro ‘sacrilégio ’para o racionalista clássico, que vê na
razão a mestra única.
No final do século XIX e início do XX, tal postura, antes de celebrar uma
comunhão de idéias com o positivismo de Comte, representava a contrapartida capaz de
fazer frente ao obscurantismo imposto pela palavra mística da Igreja.
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No confronto ideológico, os educadores anarquistas combateram esse dogmatismo
onde quer que se manifestasse, atacando, conforme salienta Luizetto (1982, p. 64), “...a
concepção dominante de educação, de escola, em larga medida sob o controle direto de
instituições confessionais, ou oficiais formalmente leigos, mas amplamente permeadas
pelas doutrinas religiosas”.
Essa constante luta dos anarquistas, tanto contra a escola confessional quanto a
oficial, baseava-se na crença de que uma sociedade justa só seria possível se, às novas
gerações, pudessem ser mostradas as causas do desequilíbrio social, e isto jamais ocorreria
se a educação continuasse a ser oferecida separadamente às diferentes classes sociais. A
educação dual, segundo eles, só cristalizaria a desigualdade econômico-social entre as
classes e, em conseqüência, a exploração de uma pela outra, como se isto fosse um
inevitável destino. Por isso, Ferrer defendia a idéia da co-educação de classes, partindo do
princípio de que os homens nascem iguais e devem gozar os mesmos direitos ao longo da
existência. Pensava ele que a convivência entre pobres e ricos, quando ainda crianças,
possibilitaria superar as discriminações sociais e evitar o problema de ódio entre as classes.
O que o levou a afirmar, com relação à educação:
...não podemos confiá-la ao Estado, nem aos outros órgãos oficiais na
medida em que são sustentáculos dos privilégios, obrigatoriamente
conservadores e fomentadores de leis que consagram a exploração do
homem. O ensino, seja oficial ou ‘laico’, está cheio de superstições anticientíficas.
Cabe visitar as Associações Operárias, as Fraternidades
Republicanas, os Centros de Instrução e Ateneus Operários e encontrarse-
á ali a verdadeira linguagem da verdade, aconselhando a união, o
esforço e a atenção constante ao problema da instrução racional e
científica, da instrução que demonstre a injustiça de qualquer privilégio
(Apud: Tragtemberg, 1982, p. 28).
Se, por um lado, os anarquistas rejeitaram a escola confessional e oficial pelos
motivos já apontados, por outro, ficavam na condição de prover os meios necessários para
a manutenção de suas escolas. E este foi um problema constante no movimento libertário,
o qual procurou resolver por vários artifícios: por contribuição direta dos alunos ou de seus
familiares, ou por contribuição indireta, através de festas, rifas, quermesses, etc., ou ainda
através de doações voluntárias.
Para melhor entender essa posição dos educadores anarquistas, de chamar os
operários (apesar dos seus baixos salários) para prover a sustentação econômica da escola,
é necessário relacioná-la ao contexto mais amplo das lutas anarquistas, caso contrário,
correr-se-á o risco de, numa interpretação ligeira, condenar este movimento por querer dos
operários que duplamente sustentassem a escola: pela via dos impostos e pela via da
contribuição direta. Na luta mais ampla - a contra o Estado - incitava os operários a não
efetuarem o pagamento dos impostos cobrados pelo Estado para aplicarem em suas reais
necessidades, com a segurança e certeza do aproveitamento e gestão direta do
investimento.
Convém enfatizar que os anarquistas não acreditavam que a educação confessional
ou oficial estivesse preocupada em promover a libertação dos operários ou de seus filhos
do jugo e da exploração do capital. O que os levava a afirmar: “Camaradas ! arranquemos
a criança ao padre e ao governo!” (citado por Luizetto, 1982, p. 67). Daí a importância
dada às escolas por eles criadas, apesar das dificuldades na sua manutenção.
Era consenso entre os anarquistas que “...a instrução é um dos meios mais eficazes
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de que podemos dispor para o maior derramamento do anarquismo” (op.cit., p. 68).
Frente a essas dificuldades, pode-se dizer que os anarquistas tinham um ousado e
ambicioso plano de educação para os trabalhadores, abrangendo a infância, a adolescência
e a idade adulta.
As atividades dos anarquistas na área da educação estendiam-se através dos Centros
de Estudos Sociais, cujos objetivos, além da propaganda, previa cursos de instrução para os
trabalhadores e instalação de “...biblioteca para o ensino mútuo e para o estudo das
questões sociais” na qual “...a mesa de leitura está à disposição de todos, desde as 8 horas
da manhã até as 10 horas da noite, todos os dias” (op.cit., p. 73). Neste ponto, sentimos a
necessidade de justificar o porquê do uso da “propaganda” para a difusão dos ideais
libertários. Para tanto recorremos novamente ao princípio básico anarquista: a liberdade.
Por este princípio, ninguém pode ser coagido a fazer o que não deseja: “...basta lembrar
que se em seu nome (da liberdade) os libertários reagiram contra todo o gênero de
opressão, sentiam-se em contrapartida, impedidos, pelo mesmo motivo, de
institucionalizar o exercício de qualquer forma de coerção”. (Luizetto, 1982, p. 42). Em
virtude disso, utilizavam a tática do convencimento, e daí a importância da propaganda
anarquista e do jornal que lhe davam suporte técnico.
Completando o quadro das instituições previstas pelo sistema de ensino libertário,
havia ainda a “Universidade Popular de Ensino”, criada em 1904, que apesar da duração
efêmera, de julho a outubro, pretendia complementar o sistema de educação libertária. Sua
organização curricular dava-se através de unidades temáticas independentes, proferidas
através de aulas-palestras e que eram divulgadas com antecedência na imprensa anarquista.
Desta forma, “...aqueles que perdiam alguma palestra não ficavam impedidos de
continuar o curso. Tudo era feito sem burocracia: bastava que qualquer trabalhador
entrasse na Universidade, pagasse uma taxa de 1$000 e estava matriculado nos cursos”.
(Guiraldelli, 1987, p. 122).
A Educação Libertária: objetivos e métodos:
Os novos métodos de ensino propostos e implantados pela Escola Moderna, tinham
por base o respeito à liberdade, à individualidade, à expressão e ao pensar da criança.
Esta metodologia seguia os princípios da co-educação de sexos, co-educação de
classes, do ensino racional, antiautoritário e integral e a formação do ser moral.
A ênfase no ensino racional tinha por objetivo, segundo o que preconizava Ferrer,
substituir os métodos dogmáticos da teologia, pelo método racional indicado pelas ciências
naturais. Ora, se tal posicionamento se fazia necessário na época, em face da contestação
ao ensino dogmático, nem por isso podemos deixar de reconhecer o aparente “caráter
positivista”, conforme já referido, que isto gerou no ensino. Crítica, aliás, já feita pelos
próprios anarquistas, que debitam este fato às necessidades e limitações históricas da
época8.
Outro aspecto relevante diz respeito à importância dada à vivência das situações
enquanto método de ação. Como exemplo, pode-se citar a produção de matérias publicadas
pela imprensa operária da época que serviam, ao mesmo tempo, para refletir os problemas
cotidianos dos trabalhadores bem como para mediar o movimento de organização e luta
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operária. Ou ainda, o que nos permite inferir a nota publicada no Boletim da Escola
Moderna de São Paulo, datado de 13/10/1918, página 4, que esclarece aos leitores que o
jornal “O INÍCIO” (cuja publicação era de responsabilidade dos alunos da Escola
Moderna), não seria editado por razões de ordem financeira. A conseqüência do
comunicado deixa transparecer a relevância dada a tal empreendimento:
...Isto, porém, não impede de tornar a fazer-se a publicação d’O INÍCIO,
mais tarde, quando as cousas melhorarem.(...) E é esse o nosso desejo,
porque entendemos que os alumnos também precisam de exercitar-se na
imprensa, afim de se habilitarem para a luta do pensamento na sua
cooperação para o progresso moral e intellectual da humanidade. Ahi
fica, pois, a explicação” (conservamos a grafia original).
Quanto aos objetivos pretendidos pela educação anarquista, é importante destacar a
relação entre educação e a revolução social.
Se para os anarquistas a questão não era apenas a substituição dos dirigentes, mas
sim a de acabar com a própria hierarquia, isto é, com todas as formas de representação do
Estado, cabia a educação libertária o desenvolvimento da “consciência anárquica”, capaz
de rejeitar, na raiz, qualquer relação autoritária e desejar outra forma de organização social
- a autogestão. Neste sentido, já afirmava Fábio Luz9 “Para derrubar o Estado, o governo
e a propriedade, é necessário que cada um esteja em condições de dirigir-se por si. Do
contrário, cairemos no domínio dos mais audazes e mais espertos, dos guias, dos
preparados” (Apud Luizetto, 1982, p. 79).
Na esteira desse pensamento, percebe-se a importância da educação para a
revolução social, e o esforço realizado pelos anarquistas para atingir toda a classe operária
da época: crianças, jovens e adultos.
O objetivo primordial da educação anarquista pode ser resumido nas palavras do
Comitê Paulista pró ensino racionalista: “...provocar junto com o desenvolvimento da
inteligência, a formação do caráter, apoiando toda a concepção moral sobre a lei da
solidariedade” e assim “...fazer da criança um homem livre e completo, que sabe porque
estudou, porque refletiu, porque analisou, porque fez de si mesmo uma consciência
própria...” (Apud, Luizetto, 1982, p. 70).
Embora o sistema de ensino previsto pelos anarquistas contemplasse a idéia de
educação permanente, englobando modalidades para a educação de adultos, o foco de
atenção era a educação básica, ou seja, uma escola elementar racionalista para ambos os
sexos.
Novamente convém contextualizar esse propósito diante da realidade vivenciada e
contestada pelos educadores anarquistas.
Na época, o contexto educacional impunha a educação de meninos e meninas, em
separado. Por ousar colocar lado a lado ambos os sexos, numa mesma sala, numa mesma
atividade educativa, os educadores libertários tiveram que suportar toda a sorte de pressões
da Igreja, que, utilizando-se de artimanhas, da imprensa, das instituições, buscava colocar a
população contra aquilo que considerava um “descalabro” - a co-educação dos sexos.
Observe-se, por exemplo, o libelo publicado no jornal A Gazeta do Povo em
19/2/1910, em que a Igreja exorta o povo e o próprio governo a banir a escola anarquista
da sociedade:
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...todo o mundo já sabe que em São Paulo trata-se de fundar uns
institutos para a corrupção do operário, nos moldes da Escola Moderna de
Barcelona, o ninho do anarquismo de onde saíram os piores bandidos
prontos a impor suas idéias, custasse embora o que custou. Ora, uma tal
casa de perversão do povo vai constituir um perigo máximo para São
Paulo. E é preciso acrescentar que não somos só nós os católicos que
ficaremos expostos a sanha dos irresponsáveis que saíssem da Escola
Moderna. Brasileiros e patriotas, havemos todos de sentir o desgosto,
uma vez realizados os intuitos da impiedade avançada, de ver insultada a
pátria, achincalhadas as nossas autoridades, menosprezadas as nossas
tradições de povo livre, por estrangeiros ingratos que abusam do nosso
excesso de hospitalidade e tolerância. (...) A Escola Moderna vai pregar a
anarquia, estabelecer cursos de filosofia transcendental, discutir a
existência de Deus e semear a discórdia... Depois, será a dinamite em
ação. (Apud Rodrigues, 1992:69).
Esse manifesto demonstra claramente a posição da Igreja, em relação a educação
libertária. Aliando-se ao Estado no combate aos “...institutos para a corrupção do
operário...” vê concretizado seu objetivo com o fechamento oficial em 1920, da Escola
Moderna nº 1 e Escola Moderna nº 2 de São Paulo.
Educação Libertária e Revolução Social:
Verificamos até aqui a importância dada à educação e os esforços empreendidos
pelo movimento anarco-sindicalista do início do século XX, na organização de um sistema
educacional destinado ao operariado e as seus familiares.
Passaremos agora a aprofundar alguns elementos que esclareçam a ligação entre a
educação e os objetivos revolucionários do movimento.
Devemos ter presente o entendimento e a maneira de encaminhamento da revolução
social no pensamento libertário, que coloca em destaque a relação entre meios e fins, o que
nos permite inferir que todo o movimento de educação do povo (crianças, jovens, adultos),
desenvolvido através das escolas, dos centros de cultura social, dos jornais operários, da
panfletagem, dos discursos, das palestras, das conferências aos domingos, etc., tudo tinha
um objetivo claro: a revolução social. Revolução social como forma de acabar com a
exploração do homem pelo homem através da implantação de uma outra organização
sócio-produtiva, capaz de possibilitar a todos a realização plena no trabalho cooperativo,
solidário e autogestionário.
Diferentemente dos socialistas que pregavam a revolução política, os anarquistas
tinham presente que apenas a revolução política não seria capaz de atender as necessidades
do povo. A revolução política, como a queriam os socialistas autoritários, somente
possibilitaria a inversão do poder, porém nunca a sua extinção. No dizer de Luizetto (1982,
p. 76), interpretando os ideais anarquistas: “Uma sociedade de homens livres não pode ter
seus alicerces fundados no fortalecimento da autoridade que supõe a separação entre
dirigentes e dirigidos, governantes e governados.”
Para eles (os anarquistas), a tomada do poder, isto é, a instauração de um governo
revolucionário, em vez de acabar com as diferenças de classe, estaria somente
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consolidando o Estado e engendrando uma nova sociedade de classes e uma nova classe
dirigente.
O argumento, portanto, da negação da revolução política, fundamentava-se na nãoaceitação
das relações de poder que lhe são inerentes e que mantêm a dicotomia
dirigentes/dirigidos.
Para os libertários, a única forma de eliminar essa relação de desigualdade, na qual
uma minoria dirigente submete a maioria dirigida, é restabelecendo a força social da
coletividade. E este não é um ato de doação, nem mesmo algo que um grupo rebelde de
vanguarda toma de assalto dos expropriadores. Conforme Malatesta (Apud Luizetto, 1986,
p. 46): “...não existem homens e partidos providenciais que possam substituir utilmente a
vontade dos outros pela sua própria e fazer o bem pela força: pensamos que a vida toma
sempre as formas que resultam do contraste de interesses e idéias daqueles que pensam e
que querem. Portanto convocamos todos a pensar e a querer.”
Antes de lutar pela liberdade, o homem precisa desejá-la, gestá-la em pensamento e
assim forjar a ação para concretizá-la, disso resulta a importância da educação na formação
da “consciência social anárquica”, passível de formar sujeitos críticos que não se deixem
expropriar quer economicamente, via excedente produtivo, quer socialmente, via força
social. Tal consciência desencadeia, necessariamente, outras formas de pensar e viver a
relação entre as pessoas. Estas formas distanciam-se da organização social piramidal
própria das sociedades de Estado e aproximam-se da organização social em bases
autogestionárias. Esta última, só pode efetivar-se numa sociedade sem hierarquias de
poder, o que demanda a revolução social como forma de transformação das instituições
autoritárias.
Nota-se, portanto, a influência da lógica proudhoniana10 no pensamento anarquista
ao deixar claro que, da mesma forma que o capital expropria do operário o excedente
produtivo, o Estado expropria da coletividade a força social, utilizando-a, via poder
político, para a submissão e submetimento dos geradores desse poder social (a
coletividade).
Em decorrência, podemos perceber e concluir sobre a importância da educação
dentro do amplo movimento de emancipação popular pretendido pelos anarquistas,
contribuindo ao mesmo tempo para “transformar a consciência humana” (Luizetto, 1982,
p. 79) e para a produção da cultura necessária para propiciar a transformação da sociedade
a partir da recriação permanente do cotidiano, ou seja, das próprias instituições sociais, Nas
palavras de João Penteado11, “...a instrução é o caminho que nos conduzirá ao grande
objetivo, que só alcançaremos pela revolução”. (Apud Luizetto, 1982, p. 79).
Vemos assim o quanto significava a educação, para o movimento mais amplo
desejado pelos libertários e o quanto se empenharam, para que esta educação pudesse
contribuir efetivamente para a transformação social, apesar dos reveses que sofreu, tanto da
parte da Igreja como do Estado.
De certa forma, podemos afirmar que essas instituições (Igreja e Estado), ao se
renovarem, pelo menos em parte, assimilaram a influência de vários ideais e princípios
libertários, mas que, no entanto,
....não tem produzido alterações substanciais no sentido de buscar a
transformação social. O que se percebe são apenas reformas que
desencadearam um avanço qualitativo no processo, sem maiores
implicações referentes à estrutura organizacional hierárquica, ou seja,
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sem colocar em risco a ‘espinha dorsal’ do Estado. ( Kassick, 1993, p.
201).
Vemos, portanto, que apesar de ser violentamente rechaçada e combatida, a
Pedagogia Libertária, vivenciada pelos anarquistas do início do século passado, constituiuse,
para um significativo estrato da população brasileira, num instrumento de luta pela
melhoria das condições de vida e, portanto, digna de ocupar seu lugar na história da
educação brasileira.
Bibliografia citada:
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NOTAS:
1 Ferrer abriu sua escola, a Escola Moderna de Barcelona, em 1901 e em 1906 foi fechada pelo governo, após
atentado sofrido por Afonso XII, sob a alegação de que abrigava em seu interior terroristas. Para maiores
esclarecimentos ver: KASSICK (1993), SOLÀ (1978), MONÉS (1980) e RODRIGUES (1992).
2 Sobre a institucionalização da educação na “Instituição Escola”, ver KASSICK, Clovis N. In: PEY, Maria
Oly, 2.000.
3 Paul Robin (1837-1912) foi diretor do Orfanato de Cempuis, durante o período de 1880-1894, onde aplicou
os princípios da educação integral que havia elaborado, quando, em 1867, no Congresso de Lausanne, a
Associação Internacional de Trabalhadores incluiu, entre os seus temas, o da educação integral e para o qual
Robin foi designado para enunciar e sistematizar, o que o faz no Congresso seguinte, o de Bruxelas, em 1868.
4 Francesc Ferrer y Guardia ( 1859-1909) foi provavelmente o pedagogo mais significativo para a educação
libertária. Seu ideário pedagógico é o resultado da sistematização do pensamento libertário até então
desenvolvido por ele e por outros companheiros libertários. Esta proposta se concretizou através da Escola
Moderna da Rua Baillen, Barcelona-Espanha, fechada pelo governo Espanhol em 1906, mas que,
independente de seu fechamento, originou o chamado “Movimento Pró Escola Moderna”. Este fato, aliado à
repercussão política de seu assassinato, tornaram-no conhecido mundialmente. A este respeito ver KASSICK
(1993).
5 Sebastien Faure (1858-1942) foi o fundador e diretor da escola “La Ruche” durante todo o período de seu
funcionamento, de 1904 a 1917, em Rambouillet (Seine-et-Oise),organizada de forma semelhante a
experiência do Orfanato de Cempuis de Robim. A este respeito, ver: TOMASSI (1978), MORIYON (1989) e
KASSICK (1993).
6 Foram criadas, neste período, segundo Rodrigues (1992) mais de 50 escolas, bibliotecas e centros de cultura
nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Ceará, Sergipe e Pará, cuja
importância foi bastante significativa para a classe operária face ao descomprometimento do governo para
com a educação do trabalhador e de seus filhos.
7 Conforme Ribeiro (1991:74) os índices de analfabetismo da população brasileira para pessoas de todas as
idades, em 1890 era de 85%; em 1900 e em 1920 de 75%.
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8 A este respeito ver Gallo (1992
9 Fábio Luz (1864-1938) - formou-se em medicina, em 1888, pela Faculdade de Medicina da Bahia.
Participou da fundação da Universidade Popular de Ensino Livre, em 1904, onde foi professor da cadeira de
higiene.
10 Pierre-Joseph Proudhon. (1809 - 1865) Filósofo francês responsável pela primeira sistematização do
pensamento libertário expresso através de sua vasta obra, principalmente: Sistema das contradições
econômicas ou filosofia da miséria; Da justiça na revolução e na Igreja; O que é a propriedade?; Do
princípio Federativo e da necessidade de reconstituir parte da revolução; Confissões de um revolucionário
por servir a história da revolução de fevereiro; Da capacidade política das classes operárias., etc
11 João Penteado (1877-1965), diretor da Escola Moderna nº 1, inaugurada em 13 de maio de 1912, na cidade
de São Paulo
Artigo recebido em: 02/11/2008
Aprovado para publicação em: 29/12/2008
.
PEDAGOGÍA LIBERTARIA
A pedagogia libertária é um modo diferente do qual estamos acostumados de conceber a
educação. Por educação entendemos a assimilação pelas pessoas de uma sociedade dos valores e
comportamentos que regem seu funcionamento. Por tanto, as sociedades e seus modelos de
funcionamento dependem da educação para se perpetuar durante o tempo.
Mas a sociedade predominante pretende manter certas estruturas e formas de poder que nós
acreditamos injustas já que não permitem o desenvolvimento igualitário das pessoas, forjando
classes dominantes tanto política quanto economicamente. Este autoritarismo se manifesta na
sociedade desde a educação para criar pessoas dependentes,autoritárias e competitivas que assumem
as injustiças do sistema como algo natural à humanidade, integrando-nos em um sistema instável e
que mantém desigualdades, violência, enfrentamentos e exploração. Buscamos uma transformação
global da sociedade. Para isso devemos mudar muitos valores da sociedade atual, através da
educação buscando apoio mútuo, solidariedade, liberdade, igualdade ético coletiva, dignidade e
responsabilidade, isto é, a felicidade e bem estar do ser
humano.
Toda a sociedade influi na educação e por isso
devemos desejá-la na transformação da escola, já que a
vida principal é a escola. Não devemos nos centrar
somente na idade infantil para introduzir essas idéias e
comportamentos, ainda que é a idade mais importante
para introduzir valores quando, de qualquer forma, a
sociedade, a família, o poder e os meios de comunicação
não nos influenciaram negativamente. Esta educação
deve ser uma forma de funcionamento contínua em
nossas vidas.
O anarquismo pretende criar uma sociedade justa, solidária e participativa e é por isso que
suas idéias pedagógicas tentam ser “CONDIZENTES?” com essas máximas. A pedagogia libertária
deve ser compreendida junto a todo um movimento social. A educação existe para reproduzir as
relações sociais e culturais geradas pelo sistema capitalista. Baseando-se nos princípios da
disciplina e autoridade, fazendo com que as pessoas, desde pequenas, se habituem a pensar e atuar
de forma conivente ao sistema estabelecido. Os princípios, que em maior ou menor medida, segue a
educação libertária são:
- Liberdade do indivíduo. Liberdade individual mas coletiva significa levar em conta aos
demais desde a responsabilidade de viver em grupo.
- Contra a autoridade. Ninguém manda em ninguém, tudo se faz por compromissos assumidos
e a partir da decisão coletiva, aberta e sincera.
- Autonomia do individuo, contra as dependências hierarquizadas e assumidas, cada indivíduo
tem direitos e obrigações assumidas voluntariamente, responsabilidade coletiva e respeito. As
pessoas enfrentam seus próprios problemas, criam suas convicções e razonamientos.
- O jogo como acesso ao saber. Partindo do jogo é mais fácil desenvolver a solidariedade e o
trabalho coletivo, a socialização e o ambiente positivo, alegre e sincero.
- Co-educação de sexos e social. A educação é igual e conjunta, sem discriminação de nenhum
tipo por razões de gênero econômico ou sociais. Mas para especificar mais explicaremos algumas
das formas de funcionamento concreto para conseguir que essas idéias se desenvolvam dia a dia, em
algo estável e assumido por todas as pessoas.
Para criar pessoas livres e auto-geridas é preciso que cada individuo decida, escolha e trate
aquilo que lhe interessa sem necessitar das ordens de ninguém, sendo consciente de suas próprias
limitações, que a pessoa eleja o que, como, quando e onde quer trabalhar os conceitos, atividades e
atitudes necessários para sua educação.
O auto-didatismo é importante nesse ponto, permitindo o acesso à informação que permita
aprender por ele mesmo aquilo que quer aprender, fomentando além de tudo a cooperação didática
ao solicitar auxílio de outras pessoas.
Criando dinâmicas de trabalho coletivo e igualitário, permitindo o acesso aos cadernos de
trabalho, livros e outros materiais impressos ou audiovisuais, que são escolhidos por cada um. Além
disso se conta com o apoio de outros companheir@s ou dos educador@s que são iguais porém com
mais conhecimentos e experiências educativas, mas atuando como meros informadores e
conselheiros sem nenhum poder sobre ninguém. Cada pessoa decide quais são seus compromissos
didáticos pessoais e do grupo, que tentará cumprir um determinado trimestre. Esses compromissos
incluem não somente elementos intelectuais mas também afetivos e de relação com os demais.
A auto-avaliação com registros de observação e prova de maturidade comprova as atitudes
internas e com o grupo, além de interesses, necessidades e relações tanto intelectuais como afetivas
e sociais. Rompendo com os exames como formas repressivas e competitivas de saber como está
sendo o processo educativo. Além de tudo, se dividem entre todas as pessoas as tarefas cotidianas
como limpar, recolher ou administrar materiais e dinheiro do coletivo, mantendo responsabilidades
coerentes às suas capacidades e possibilidades etárias.
A assembléia se converte no marco para tomar as decisões do grupo sem autoritarismo
buscando a melhor solução para os problemas, e onde se assumem compromissos e se autocomprova
seu cumprimento, onde nos comunicamos sinceramente com as demais pessoas do
coletivo e onde geramos nossa participação, nossa relação com os outros, nossa crítica, nossa autoavaliação.
Falando com liberdade de nossas dúvidas, sentimentos e propostas. A assembléia se converte
no referencial de tomada de decisões por isso é necessário de um registro escrito de seus pareceres e
decisões, além de um sistema transparente de tomada de decisões coletivas, por consenso se
possível e se não por votação.
As assembléias podem ser de grupos mais pequenos para temas pontuais que afetam um
pequeno número de pessoas ou gerais nas quais toda a coletividade participa.
A assembléia é a pedra angular da educação libertária já que nela
surge a espontaneidade, a liberdade e a comunicação livre entre as pessoas.
Certamente essas são algumas idéias para por em prática formas libertárias de educação, o
caminho é largo e contínuo, sendo muitos os problemas que tenderemos a enfrentar se quisermos
criar práticas pedagógicas libertárias. Cada assembléia, cada decisão, cada discussão, e cada
tentativa são um passo a mais para contar positivamente. Se não tentarmos não conseguiremos.
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Maturação do pensamento de
Marx
A Maturação do pensamento
de Marx
Trabalho originalmente apresentado para a cadeira de Filosofia Geral –
FFLCH-USP .
por Miguel Duclós
Este trabalho trata de um período histórico-filosófico grande. Abordo aqui
desde algumas leituras marcantes para o Jovem Marx até o primeiro capítulo da
obra prima deste, O Capital, livro que é fruto uma vida inteira de estudos e
coroação de sua maturidade como pensador e teórico. Porém, nosso artigo não tem
a pretensão de tratar todos os conceitos fundamentais que foram determinantes
para a maturidade do pensamento marxiano, mas sim se limitar a três
conceitos específicos incluídos em três obras de Marx. Na primeira, Os
manuscritos Econômico - Filosóficos, de 1844, será destacado o conceito
de alienação, bem como o estilo ainda Feuerbachiano do autor. Na segunda, A
ideologia Alemã e nas Teses sobre Feuerbach, será destacado a ruptura de
Marx com sua consciência filosófica anterior, e sua formulação, junto com
Engels, da teoria que seria uma das designações do seu pensamento: o
materialismo histórico. No centro de tal teoria está o conceito de Ideologia,
que será relacionado com a explanação sobre o fetichismo da mercadoria no
primeiro capítulo de O Capital.
Feuerbach havia demonstrado, em A Essência do Cristianismo, a tese escandalosa
para a sociedade da época, que a essência da religião é a essência do ânimo
humano, e que a teologia pode ser explicada pela antropologia. Explica o autor
que as representações e segredos atribuídos a um Ser sobre-humano não eram mais
do que representações humanas naturais, e que aquilo que no imaginário pairava
no Céu, pode ser encontrado sem maiores dificuldades no solo da Terra. Dessa
forma, o homem transporia para o Céu o ideal de justiça, bondade e virtude que
não conseguia realizar na Terra. Colocaria num grau universal e absoluto
atributos e qualidades de si mesmo. Todos os Deuses não seriam então, mais do
que criações humanas. Feuerbach reconhece o sistema de Hegel como uma teologia
especulativa, e critica a Idéia absoluta, que seria baseada na revelação e
encarnação cristãs, ultrapassando assim o racional e se tornando teologia.
Coloca em seu lugar a noção de Ser genérico do homem. A teologia, religião
institucionalizada, é fonte de dogmas a abstrações metafísicas que perdem a
ligação com o real e palpável. Cada religião pretende ser a detentora da
verdade, e isso é motivo de fanatismo e intolerância com outras formas de
pensamento. A verdade acessível apenas a alguns (revelada pela fé), sem
critérios objetivos, torna fácil a manipulação de pequenos grupos sobre os
demais, por se tratar de algo que não pode ser demonstrado com base em
elementos sensíveis.
Feuerbach inicia A essência do Cristianismo dizendo que o homem difere do
animal por ter uma consciência no sentido estrito, ou seja, sua consciência
“tem por objeto o seu gênero, a sua essencialidade” 1.
Essa consciência do homem enquanto espécie, que é próprio deste por fazer parte
de sua ciência, o difere do animal. Do outro lado está a “consciência de si”.
Afirma Feuerbach sobre ela:
“A consciência de Deus é a
consciência de si do homem, o conhecimento de Deus é o conhecimento de si
homem. Pelo seu Deus conheces o homem e, vice-versa, pelo homem conheces o seu
Deus; é a mesma coisa.” 2
Essa idéia de que a natureza dos deuses difere na mesma proporção da natureza
dos povos não é nova. Feuerbach realmente desenvolve algumas frases dos
pensadores pré-socráticos, como sua frase de que o “ser é, o não ser não é”,
tomada emprestada de Parmênides e aplicada em um contexto mais profunda.
Xenófanes de Colofão, mestre de Parmênides, ficou famoso por ser um dos
primeiros filósofos a defender a unidade da divindade, o monoteísmo. Também
afirmava, como Feuerbach, que a natureza dos Deuses variava com a natureza de
quem os adorava. Vejamos os seguintes fragmento de Xenófanes:
“Mas se mãos tivessem os bois, os
cavalos e os leões e pudessem com as mãos desenhar e criar obras como os
homens,
os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois, desenhariam
as formas dos deuses e os corpos fariam tais quais eles próprios têm”. E mais
adiante:
“os egípcios dizem que os deuses tem
nariz chato e são negros, os trácios, que eles tem olhos verdes e cabelos
ruivos.”3
Por esses trechos, vê-se que, mesmo antes da ascendência do Deus cristão, já
havia uma crítica à antropomorfização dos Deuses. Para Feuerbach, uma essência
finita não pode ter a mais remota idéia de uma essência infinita. Também Hegel
afirma, em Introdução à História da Filosofia, que o homem não pode
conceber o que é o Infinito porque só pode empregar para isso categorias
finitas. A religião cristã pretende a essência do homem infinita, mas para
Feuerbach o homem só pode ter consciência de tal essência se ela for razão,
vontade e pensar. A consciência de si do homem vem pela consciência do
objeto. Feuerbach inicia assim sua busca de superação do subjetivo. O que nas
antigas religiões era considerado objetivo, hoje é apenas reflexo de idéias que
só podem ser sentidas por abstrações, pertencendo portanto ao interior do
homem. Feuerbach constata que a teologia se transformou em antropologia há
muito tempo.
Sua crítica às religiões pretende ser universal, buscando o que há de comum a
todas as religiões. Chega à conclusão de que o mundo transcendente e a
caracterização humana dos personagens divinos é comum nas religiões. Porém,
essa generalização é no mínimo complicada. Muitos povos não podiam separar o
sujeito do objeto, ou seja, o indivíduo nada mais era do que parte integrada do
ambiente, e não podia ser entendido fora do seu quadro social. A religião
muitas vezes não reconhece em sua idéia de divindade características humanas.
Pois, afinal, o homem é apenas uma parte do todo, e nesse caso Deus é
identificado com a totalidade da Natureza. Isso ocorre no panteísmo e em
algumas religiões indígenas e orientais. A natureza é entendida como um
complexo sistema de ambientes que existe independente da percepção humana. O
egoísmo e a vaidade são os responsáveis por representar a divindade como
algo humano, e a raça humana como herdeira da Terra. De fato, não é preciso ir
muito longe para concluir que a idéia do planeta existir para servir ao homem
constitui equívoco grave. O que Feuerbach fala é válido sobretudo para a
religião judaico-cristã. No Velho Testamento está escrito que Deus fez o homem
à sua imagem e semelhança, e no Novo Testamento é um homem que se faz Deus.
Para Feuerbach isto é uma inverção da relação sujeito-predicado. O homem cria
um sujeito infinito e atribui a ele a criação de si.
A teoria feuerbachiana causou profunda influência na filosofia do século XIX.
Os primeiros a se entusiasmarem com ela foram os jovens hegelianos, dentre eles
Marx, que trataremos adiante. Mas a noção materialista de humanismo ateu iria
alcançar um reflexo maior no século em que foi proclamada a morte de Deus. Quem
mais alto bradou sua morte foi Nietzsche, inicialmente em A Gaia Ciência, e
posteriormente em sua obra-prima, Assim Falava Zaratustra. Nietzsche engendra
uma crítica severa à moral cristã, que para ele é ascética e mortificadora da
vida – a moral dos escravos, que limita a Vontade de Potência. No lugar da
metafísica, Nietzsche propõe um apego aos valores da Terra, lugar onde o além-homem
– aquele que cria seus próprios valores – direcionaria sua vida e sua paixão.
No trecho adiante está uma passagem em que fica claro a relação entre o apego
de Nietzsche à filosofia terrena e o materialismo de Feuerbach que prega o
mundo sensível:
“Em outras eras, blasfemar contra
Deus era o maior dos absurdos; porém Deus morreu, e morreram com ele tais
blasfêmias. Agora, o que causa mais espanto é blasfemar da Terra, e ter em mira
as entranhas do impenetrável e não a razão da Terra.” 4
A título de curiosidade, vejamos o que Nietzsche fala em O Crepúsculo dos
Ídolos: “O homem seria tão somente um equívoco de Deus? Ou então seria Deus
apenas um equívoco do homem?”5
. Como se vê, o cerne do pensamento nietzscheano encontra procedência em
Feuerbach. Outros paralelos podem ser traçados, como o da crítica ao plano
transcendente, herança religiosa e platônica:
“Este mundo, o eternamente
imperfeito, pareceu-me um dia a imagem de uma contradição eterna, e uma
alegria inebriante para o seu imperfeito criador (…) Ai, meus irmãos! Este Deus
que eu criei era obra humana e humano delírio, como os demais deuses.
Era homem, apenas um fragmento de
homem e de mim. Esse fantasma surgia das minhas próprias cinzas e da minha
própria chama, e realmente nunca veio do outro mundo” 6
Como se vê, filósofos das mais diversas áreas de atuação se aproveitaram das
veredas abertas pela crítica de Feuerbach à religião e à teologia. Mas
tal alcance não o livrou de críticas, como por exemplo a dos religiosos, que
sugeriram um outro título para o seu livro: “A essência do Anti-Cristianismo” e
a do pensador anarquista Max Stirner, que fazia parte da esquerda hegeliana.
Stirner -criador de um individualismo radical que fundamenta a liberdade- ataca
Feuerbach dizendo que este substituíra meramente a palavra Deus pela palavra
homem. Dessa forma, Feuerbach rezaria pelo homem. Segundo Stirner, ele não
teria deixado de ser hegeliano, porque apenas transpôs o ideal teológico e
divino por uma noção abstrata de humanidade.
Mas Feuerbach teve influência ativa nos hegelianos de esquerda. Engels
escreveria, mais tarde, que todos os neo-hegelianos foram
feuerbachianos. Dentre eles estava Marx, que de inicio adotou alguns conceitos
e terminologia de Feuerbach. No primeiro manuscrito de 1844, Marx trata da
questão da alienação. Tal termo fazia parte do vocabulário de Feuerbach, para
quem a religião era uma alienação, pois, colocando sua essência e sua
humanidade num Ser fora de si próprio, no mundo invertido da divindade, o homem
vira um ser que não se pertence. Esse é o aspecto religioso da alienação que
Feuerbach usa. O homem adora os ídolos que projeta. O próprio Marx afirma que,
quanto mais se atribui a Deus, menos sobra para o homem .7
O termo alienação foi usado também
por Hegel, fazendo parte da dialética, pois o homem aparecia em cada etapa da
dialética como distinto do que era antes. Althusser observa que Marx
aplicou a teoria da alienação de Feuerbach à política e a economia. 8 Para Althusser, Marx “esposou” a
terminologia e a problemática de Feuerbach durante as suas obras de juventude.9 Por isso, o impacto das obras de 1845, no
momento em que rompe com Feuerbach seria muito grande.
Para Marx, a alienação religiosa seria gerada pela alienação econômica. Tal
estado é, para Marx, resultado da realização de o trabalho aparecer como a
desrealização do trabalhador. O objeto produzido pelo trabalhador aparece como
estranho e independente a ele. As mercadorias existem para suprir necessidades.
O sistema capitalista transforma o trabalhador e o trabalho em mercadorias, ao
privar o trabalhador dos objetos que produz. Quanto mais ele produz, menos pode
possuir. Essas apropriação do objeto pelos possuidores da propriedade, se
realiza como alienação do trabalhador. Este, ao pôr sua vida na produção de
objetos que não lhe pertencem, perde a posse desta.
Como afirma Marx, “a alienação do trabalhador no seu produto significa não só
que o trabalho se transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que
existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder
autônomo em oposição com ele”.10
Marx critica a economia política de então esconder a verdadeira relação entre o
empregado e o empregador. O Estado submete os trabalhadores a seus próprios
interesses. O trabalhador ganha um salário que não consegue comprar os
produtos que ele próprio produziu. Ele produz coisas para os ricos, mas pouco
sobra para ele. Esta é a contradição básica do sistema capitalista na época de
Marx. O empregado aparece então apenas como instrumento para o bem estar dos
possuidores.
Marx, dialeticamente, oferece um quadro de inversões para as atividades dos
trabalhadores: quanto mais produz, menos possui, quanto mais civilizado é o
produto feito por ele, tanto mais bárbaro ele se mostra. Nas fábricas as
limitações a que o empregado é submetido, como os movimentos repetitivos, as
jornadas de trabalho sobre-humanas, o baixo salário, a repressão e outras,
apenas evidenciam seu caráter apenas funcional. Ele não transforma mais a
natureza para fazer coisas que estão relacionadas a ele, ou que vão
beneficiá-lo diretamente. Sua atividade apenas vai garantir que não morra de
fome, pois o salário mínimo é a soma das condições mínimas de subsistência
(alimentação e moradia).
A alienação para Marx ocorre não na relação do trabalhador com o produto de
seus trabalhos, mas também na própria atividade produtiva. Ou seja, o trabalho
não pertence à natureza do trabalhador, mas sim é condição para que esse
sobreviva minimamente, sendo obrigado a se adequar à condições de trabalho
acima descritas. Por esse fato, ele apenas se esgota, e não se realiza na
plenitude de suas capacidades mentais e físicas. Como afirma Marx, o trabalho
“não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de
satisfazer outras necessidades”. 11
Estas outras necessidades geralmente se reduzem à prioridades mínimas, como
alimentação, moradia. O meio para satisfazê-las é o dinheiro, um valor que não
existe naturalmente, mas é abstraído e convencionado. O trabalhador vendeu seu
tempo, seu sentimento, sua força, suas aspirações pelo dinheiro, e na posse de
algum, pode trocá-lo por qualquer tipo de mercadoria, inclusive pelas que
ajudou a produzir. Este trabalho alienado é um processo de mortificação, em
que homem exerce uma atividade cansativa que não condiz com sua aspiração
de indivíduo opinante, de cidadão livre, ou mesmo de animal, que tem emoções,
orgulho, instinto, prioridades físicas. Marx afirma que o trabalhador só
consegue ser livre nas funções animais, como beber, procriar, comer, mas nas
atividades humanas se vê reduzido a animal. Mas estas funções animais primárias
estão implicadas com o sistema social a ponto de perderem seu sentido original.
O homem, ao modificar sua animalidade e sua humanidade, subordinado-a a um
sistema social de valores e limitações, modifica-se, perde sua essência. E as
esperanças humanas são então projetadas em um além, num Ser Divino, perfeito,
de valores eternos. Esta alienação religiosa, subordinada à alienação
econômico-política, leva o homem à incapacidade de reconhecer sua
humanidade em si mesmo, porque seu Deus é definido por tudo aquilo que ele
mesmo não possui, ou que perdeu.
Marx, depois de reconhecer dois aspectos do trabalho alienado – a relação do
trabalhador com o produto de seu trabalho, e a relação do trabalhado ao ato de
produção, a auto-alienação - fala de uma terceira determinação do
trabalho alienado, que parte das outras duas. Marx, usando de um vocabulário
feurbachiano sobre Ser genérico, afirma que os dois primeiros tipos de
alienação alienam o homem enquanto espécie. A atividade produtiva se
transformou em social. Os meios de sobrevivência do homem estão condicionados
pelas leis de mercado e do trabalho. Dessa forma, a vida genérica do homem
serve de meio para a vida individual, pois a atividade produtiva é o único modo
de continuar existindo fisicamente. Marx então faz uma comparação entre o
homem e o animal, que lembra muito a Introdução da Essência do Cristianismo.
Ele afirma o animal é a sua própria atividade, não se distingue dela.12 Enquanto o homem possui uma “atividade vital
consciente”, pois submete sua atividade vital à vontade e à consciência.
Feuerbach, como já observamos, afirmava que a diferença principal entre o homem
e o animal é que o homem tem consciência no sentido estrito, que tem como
objeto o seu gênero, a sua espécie.13
Marx continua sua argumentação observando que, se o animal também produz, o
homem reproduz toda a natureza, enquanto o animal apenas se reproduz a si. É
interessante notar que Marx, embora esteja tratando de uma questão já exposta
por outros autores, consegue aprofundar as questões, usando um vocabulário
ainda hegeliano, ainda feuerbachiano. Isso acontece, porque naquele
momento, Marx transformava sua consciência filosófica em economia política. Os
Manuscritos tem esse duplo caráter, o filosófico e o econômico. Segundo
Althusser, os encontros anteriores de Marx com a economia política tratavam
apenas de algumas questões e efeitos relacionados com a política econômica. 14 Marx encara, nos Manuscritos, a Economia Política de verdade,
formulando teorias que tratam dela como um todo, procurando seus fundamentos.
No início dos Manuscritos, Marx afirma que a Economia Política de então parte
do fato da propriedade privada sem o explicar. A propriedade privada era
pressuposto, por isso os economistas não a haviam problematizado como
deviam. Nos Manuscritos, são levantados diversos conceitos e problemas
que aparecerão mais tarde em O Capital. Marx analisa a economia política
burguesa a partir de um conceito chave, o de trabalho alienado.
O homem, ao reproduzir-se fisicamente na natureza através da transformação
da mesma pelo trabalho, reflete a si próprio no mundo objetivo. Sua individualidade
é refletida pela obra que ele mesmo criou. Como já dissemos, a atividade
produtiva é social, ou seja, pertence à vida genérica do homem, que ao
representar-se, representa também a humanidade. O trabalho alienado tira do
homem o fruto de sua produção, tirando assim, ao mesmo tempo, a sua vida
genérica. Para Marx, o homem só era capaz de realizar suas forças intelectuais
e físicas interagindo com o ambiente. O homem depende da natureza para crescer
e conseguir sustento. Sua consciência não pode ser fechada, subjetiva, mas sim
ser moldada pela realidade natural e social. O trabalho alienado transforma o
homem estranho a si mesmo e ao ambiente onde vive. Segundo a concepção
etimológica, alienatus é aquele que não se pertence, aquele que pertence a
outro. O homem, alienado-se no seu trabalho, na sua vida genérica, aliena-se
também dos outros homens. Marx continua dizendo que o ser estranho a quem
pertence o trabalho alienado tem de ser algo real, objetivo. Dessa forma, não é
nem à natureza nem aos deuses que ele pertence, mas sim ao próprio homem. O
produto do trabalho pertence a alguém distinto do trabalhador, ou seja o
capitalista. O trabalho é sofrimento para alguns, enquanto suas condições o
afastam de si e da natureza, mas é fruto de gozo para aquele que desfruta dos
produtos.
Portanto, a propriedade privada é fruto do trabalho alienado. A propriedade
privada, para Marx, é conseqüência e causa do trabalho alienado, da mesma forma
que o salário também é conseqüência deste. Marx chegou ao conceito de trabalho
alienado a partir da economia política, que “tudo atribui 15
à propriedade privada” e nada ao trabalho. Ela apenas formulou as leis do
trabalho alienado, e não denunciou o seu caráter hostil à natureza humana,
escravizador, que transforma o homem em um instrumento da riqueza de outros.
Marx, depois de explicitar as implicações do trabalho alienado, parte para a
explicação da propriedade privada.
Essa importância que Marx dá às condições materiais da transformação humana,
esta aplicação da economia à filosofia levariam Marx a romper com o idealismo
da esquerda hegeliana. A famosa afirmação de Marx, no Manifesto Comunista, de
que a história de toda sociedade até hoje tem sido a história da luta de
classes, está ligado à maturidade de seu pensamento que encontra marco
definitivo no ano de 1845, com a publicação de A Ideologia Alemã, em co-autoria
com seu amigo, Engels. Neste livro estão lançados a base do materialismo
histórico e do materialismo dialético, que ficaram sendo conhecidos como uma
designação da teoria marxista, apesar de Marx não usar exatamente estas
expressões, mas sim “concepção materialista da história”. Nas teses sobre
Feuerbach, Marx dirige àquele que havia sido seu inspirador, como já vimos,
críticas duras. O centro dessa crítica é fundamentado pela economia, pela
atividade humana produtiva, pela política. O motor da história não pode ser, de
modo algum, as idéias ou as teorias, mas sim a atividade humana objetiva - o
trabalho.
Os filósofos sempre separaram o mundo intelectivo do mundo cotidiano, prosaico.
De fato, há essa diferença entre o ócio e o negócio. O cultivo do espírito,
necessário para as atividades intelectuais, não se realiza com o trabalho
obrigatório. Os filósofos, muitas vezes propuseram uma linha de ação prática,
como Bacon e Descartes, mas a filosofia, na contemporaneidade, perdeu muito
espaço para a ciência, às vezes ocupando até um papel adjunto, de fundamentação
da ciência. Isto se deve sobretudo à aplicação prática da ciência. A ciência é
o saber racional do mundo, mas suas descobertas tem valor prático sobretudo por
direcionar melhor a transformação da natureza em produtos utilizáveis pelo
homem.
Marx critica os filósofos por desprezarem a praxis e se preocuparem apenas com
a teoria. A praxis estava sendo entendida até então como uma atividade
suja e mundana, e não estava sendo respeitado seu caráter revolucionário. Marx
ataca Feuerbach por limitar sua crítica da auto-alienação ao terreno
religioso, divino. O fundamento terreno que projeta nas nuvens um reino
autônomo deve ser explicado pela decadência e contradições presentes no próprio
processo evolutivo terreno. Por isso, a realidade terrena deve ser revolucionada.
O fato de que as relações sociais são todas práticas e sensíveis leva à
revelação que o indivíduo abstrato, sozinho, é apenas social. A XI tese
adquire importância como crítica à filosofia, especialmente ao Idealismo
alemão, que representavam o mundo invertido, do invisível colocado acima do
sensível, da idéia colocada acima da matéria.
Marx critica, em Sobre a Questão
Judaica, esta inversão. Vejamos este famoso trecho:
“O fundamento da crítica religiosa é
o seguinte: o homem faz a religião, a religião não faz o homem (…). O homem é o
mundo do homem, o Estado, a sociedade. (…) Portanto, a luta contra a religião é
indiretamente a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. A
religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo perverso, e
a alma das circunstâncias desalmadas. É o ópio do povo”. 16
Nas teses sobre Feuerbach, Marx afirma que o sentimento religioso é um produto
social relacionado a uma forma determinada de sociedade. Para ele, a fonte da
deficiência religiosa deveria ser buscada na deficiência do próprio Estado.
Esta deficiência deveria ser suprimida com a tomada de consciência do homem
como um ser espécie, num coletivismo que mudava o homem individual, abstrato.
Daí advém a divisão da sociedade em classes sociais. Marx lembra que o homem
não é apenas um produto das condições materiais, pois a interação com a
natureza possui um aspecto criativo e subjetivo. As circunstâncias são feitas
pelos homens, e o próprio educador deve ser educado. Mas sua crítica ao
idealismo é cortante, como se vê no Prefácio à Economia Política, onde Marx
diz: “O processo de vida material condiciona o processo de vida social,
política e individual em geral. Não é a consciência dos homens que lhes
determina o ser, mas pelo contrário, é o seu ser social que lhes determina a
consciência.”17
E em A ideologia Alemã afirma que não é a consciência que determina a vida, mas
sim a vida que determina a consciência. 18
O termo ideologia foi criado por Destutt de Tracy, que fazia parte de um grupo
chama de ideólogos franceses. Nesse grupo constam também nomes como Cabanis,
Volney, Garat, Daunou. A ideologia é a ciência que tem por objeto de estudo as
idéias, suas origens, formação e relação com os signos. Posteriormente,
em um sentido mais amplo passou a significar um sistema de idéias que refletem
uma visão de mundo e orientam uma ação política. Marx, como fez com o conceito
de alienação, toma o termo num sentido próprio, dando-lhe conotação pejorativa.
Marx inicia A ideologia Alemã ironizando os pensadores recentes hegelianos por
acharem que uma revolução no plano do pensamento foi mais importante que a
Revolução Francesa. A Alemanha estava atrasada em relação aos outros países da
Europa, como a França e a Inglaterra. A Inglaterra era o pais mais
industrializado, e foi em sua vivência na França que Marx se tornou
verdadeiramente um comunista. A Alemanha sofreu um processo de unificação
tardio com Bismarck, e nela ainda estavam presentes certos elementos feudais.
Para Marx, a filosofia alemã estava ainda nitidamente ligada ao sistema
hegeliano, de forma que toda a crítica que se empreendeu ao hegelianismo não a
tornava independente e superadora de Hegel. Esta crítica é dirigida
especialmente a Feuerbach, Bruno Bauer e Max Stirner. Apesar das frases destes
pensadores que supostamente abalaram o mundo, Marx denuncia seu caráter
conservador. Para Marx, a chave estava na conexão entre a filosofia alemã e a
realidade alemã.
A mudança do modo de produção artesanal, feudal, para o modo de produção
capitalista acarretou uma série de exigências dos novos grupos comerciais, como
por exemplo a livre competição econômica. Os valores entendidos como
representações da realidade ignoravam a base de toda ideologia, a existência no
plano material, sendo entendidos como válidos para toda a humanidade, quando na
verdade eram pertencentes apenas a uma classe determinada, geralmente a
dominante.
O grau de avanço de um país, portanto, é determinado pelas relações de trabalho
e pelas formas de produção. Marx aplica então esta concepção à história,
afirmando que cada nova fase da divisão de trabalho acarreta uma mudança nas
relações entre os indivíduos. Assim, inicia uma teoria da história, onde o
homem ativo – aquele que produz as condições materiais de existência- teria evoluído
em diferentes estágios, desde os tempos de caçador-coletor. Apresenta três
formas de propriedade: a tribal, a comunal e a estamental. A quarta forma de
propriedade estaria ainda acontecendo: a propriedade burguesa. Como observa no
Manifesto Comunista, a burguesia revolucionou totalmente a economia e as formas
de produção, gerando um novo tipo de mercadoria industrial. A burguesia teria
acabado com antigas tradições da cultura popular, de formas de relacionamento.
Marx inclusive chega a afirmar que a burguesia transformou as relações
familiares em relações monetárias.
Com a Revolução Industrial e a produção em escala, os países mais adiantados
conseguiram acumular uma riqueza jamais vista. O homem, ao satisfazer suas
primeiras necessidades, chega inevitavelmente a novas necessidades. Para
satisfazer suas novas necessidades, precisava transformar os meios de produção,
que estariam constantemente se revolucionando.
A questão se houve ou não um corte no pensamento do Marx maduro para o jovem
Marx é respondida pelo próprio com sua afirmação de que ajustara suas contas
com o a consciência filosófica de outrora. Iniciar a Ideologia alemão com
a crítica aos jovens hegelianos, grupo ao qual fez parte, marca seu avanço em
direção a uma visão própria. Como mostramos, seu vocabulário, e sua própria
consciência de si anteriores eram feuerbachianos ou inspirados em outras
filosofia. Foi cm sua análise do sistema capitalista e seu apego à Economia
Política que Marx traçou profundamente seu marco na história. O socialismo, ao
qual só aderiu tardiamente, adquiriu com ele status científico. É na relação de
O Capital com as outras obras que podemos identificar este rompimento de
pensamento. Resta perguntar se foi um corte político ou epistemológico. Louis
Althusser foi criticado por estabelecer “fases” para Marx, desde sua juventude
como romântico em Bonn até o intelectual máximo da esquerda. Althusser afirma,
em Análise Crítica da Teoria Marxista, que houve uma “cesura epistemológica”
situada na Ideologia alemã. Nesta obra estão novos conceitos em profusão, que
ainda seriam desenvolvidos e que mostram sem nenhuma duvida que Marx passou a
fazer uma nova teoria da história, e uma teoria da ciência. Porém, como em toda
transição, sempre encontramos elementos antigos ainda não totalmente superados
nas novas realizações. Marx não chegou ao estilo claro e ao mesmo tempo erudito
de O capital do nada, mas evoluindo de si mesmo, e arregimentando cada
vez mais a filosofia, a ciência, a economia para transformá-las.
O Primeiro capítulo de O Capital é destinado à análise da mercadoria. A
mercadoria é um objeto que satisfaz as necessidades dos homens, e distingue-se
por qualidade e quantidade. Uma mercadoria pode ter valor de troca e valor de
uso. O valor de uso é real, imediato, determinado pela utilidade. As
mercadorias com esse valor diferenciam-se pela qualidade. O valor de troca pode
apenas ser diferenciado pela quantidade, pois produtos iguais tem o mesmo
valor. Dessa forma x mercadorias a eqüivalem a y mercadorias b. A quantidade de
trabalho empregados nestas mercadorias estabelecem o valor de troca entre
elas. Mas a relação entre as mercadorias, entre os produtos, não existe por si
só. É a convenção social quem determina o valor de uma mercadoria em relação a
outra. Pois foi relacionando-se socialmente que o homem logrou produzi-la. No
capitalismo, esta base social da mercadoria aparece como encoberta. A igualdade
do esforço humano de produção (trabalho) fica disfarçada sob a igualdade
dos produtos como valores. A mercadoria tem características sociais, na medida
em que os homens trabalham uns para os outros. O homem que consegue se manter
sozinho foi superado desde a aparição da primeira sociedade, a tribal. Na
primeira forma de interação social, a família, já está implícito a dependência
dos membros de um grupo entre si. Um ferreiro que só mexe com ferro necessita
de pão. E o padeiro que só mexe com pão necessita de ferro. Esta característica
da produção foi levado ao máximo no sistema capitalista, onde o trabalho é especializado
e há padrões universais para o intercâmbio de trabalhos e de mercadoria, como o
valor do ouro e do dinheiro.
O mistério da mercadoria consiste no encobrimento das características sociais
dos produtos do trabalho humano, que aparecem como características materiais e
pertencentes ao próprio objeto. Em última análise, o valor de uma coisa é
atribuído pelo sujeito. Uma muleta não teria muito valor para atleta saudável,
mas seria indispensável para um manco. Um produto nada mais é do que a natureza
transformada. Uma muleta é madeira transformada, medida, trabalhada. Mas não
deixa de ser mera madeira, se olhada objetivamente. No entanto, esta mesma
madeira é transformada em mercadoria. O homem, um ser físico estabelece uma
relação com a madeira, outra coisa física. Mas o valor da madeira enquanto
mercadoria nada tem de físico. Ou como afirma Marx, “Uma relação social
definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma
relação entre as coisas.”19
A isto Marx chama de fetichismo da mercadoria. As coisas, tomadas num ponto
objetivo, tem apenas existência material. É no plano físico onde acontecem as
coisas, o trabalho, a transformação. No entanto, é o homem que, abstraindo e
convencionado com outros homens através da linguagem, transforma o objeto em
uma mercadoria de valor pessoal, subjetivo. E com a troca de mercadoria,
estabelece-se um outro tipo de valor.
Os trabalhos pessoais e privados pertencem ao todo do trabalho social, e é a
relação social entre os indivíduos que cria a relação entre os trabalhos. Os
homens, inconscientemente, igualam os diferentes tipos de trabalho e produtos
numa qualidade comum do trabalho humano. Dessa forma, o valor de uma mercadoria
é um signo social, que precisa ser decodificado por padrões comportamentais
comuns para se efetivarem como valorosos em um sentido específico.
O interessante é notar a relação do
conceito de mercadoria com a diferença clássica da filosofia entre a
coisa-em-si e a coisa-para-si. Esta distinção problematizada por Kant na forma
de aporia, levada ao máximo no Idealismo e colocada sob outra perspectiva pelo
Absoluto hegeliano, é um problema filosófico diretamente ligado aos autores que
mais influenciaram Marx. Este, por sua vez, aplica-o aos valores do mercado e
da economia, sem largar mão de sua posição materialista. Marx, afinal, não nega
que as coisas adquirem um valor apenas na perspectiva do sujeito, mas submete
esta perspectiva à relações definidas entre os membros do corpo social. Não é o
indivíduo sozinho que, em sua percepção estabelece relações determinantes para
o modo de se ver a realidade, mas sim as relações sociais entendidas com base em
coisas materiais, existentes além da existência individual.
Notas
1.FEUERBACH, Ludwig, A essência do Cristianismo, página 9. Editora Fundação
Calouste Gulbenkian. Tradução de Serrão, Adriana Veríssimo. Lisboa, Portugal. Voltar
2.Idem, página 22. Voltar
3. XENÓFANES de Colofão, Tapeçarias, V, 110 e Tapeçarias, VII, 22, in
Pré-Socráticos, página 70. Coleção Os Pensadores. Tradução de
Padro, Anna L. A. de . Editora Nova Cultural. São Paulo, 1996. Voltar
4. NIETZSCHE, Friedrich, Assim Falava Zaratustra, página 10. Tradução de
Fonseca, Eduardo Nunes. Coleção Ciências Sociais e Filosofia. Editora Hemus.
São Paulo, SP.
5. NIETZSCHE, Friedrich, Crepúsculo dos Ídolos, página 10. Tradução de
Pugliesi, Márcio e Bini, Edson. Editora Hemus. São Paulo, SP, 1984. Voltar
6. NIETZSCHE, Friedrich, Assim Falava Zaratustra, página 26. Voltar
7.MARX, Karl, Manuscritos Económico-Filosóficos., página 159. Tradução de
Morão, Artur. Editora Edições 70. Lisboa, Portugal. Voltar
8. ALTHUSSER, Louis, Análise crítica da teoria marxista,
página 36. Tradução de Lindoso, Dirceu. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1967. Voltar
9. O mesmo autor sugere uma classificação para a obra de
Marx, que teria “fases”:
1840-1844 Obras da Juventude
1845 – Obras da cesura epistemológica – Marx rompe com
Feuerbach e Hegel e funda sua própria doutrina, o materialismo histórico.
1845- 1857 - Obras da maturação
1857 – 1883 - obras de maturidade Voltar
10. MARX, Karl, Manuscritos Económicos-Filosóficos,
página 160. Voltar
11.Idem, página 162. Voltar
12. Idem, página 164. Voltar
13. Ver nota 1. Voltar
14. ALTHUSSER, Louis, Análise crítica da teoria marxista,
página 136. Voltar
15.MARX, Karl. Manuscritos Económicos-Filosóficos, página
169. Voltar
16. MARX, Karl, Sobre a Questão Judaica. apud McLELLAN,
David, As Idéias de Marx, página 40. Tradução de Neto, Aldo Bocchini. Editora
Cultrix. São Paulo,1977. Voltar
17. Idem, página 50. Voltar
18. MARX, Karl, A Ideologia Alemã, página 37. Tradução de
Bruni, José Carlos e Nogueira, Marco Aurélio. Livraria e Editora Ciências
Humanas. São Paulo, 1982. Voltar
19. MARX, Karl, O Capital, página 81. Tradução de
Sant´Anna, Reginaldo. Difel Editorial S.A. São Paulo, 1982. Voltar
BIBLIOGRAFIA
Além da bibliografia citada nas notas, usou-se ainda:
1. GIANNOTTI, José Arthur. Notas sobre a categoria “modo de produção” para uso
e abuso dos sociólogos in Filosofia Miúda e demais aventuras. Editora
Brasiliene, 1985.
2. JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Jorge
Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1990.
3. LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Diversos
tradutores. Editora Martins Fontes. São Paulo, 1996.
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Libertação pelo trabalho:
reflexões sobre
o pensamento marcuseano
Introdução
A discussão sobre relações de trabalho sob a nova
configuração mundial possui uma gama de reflexões partindo dos mais variados
pontos de vista. Este texto tem como ponto de partida algumas considerações de Herbert
Marcuse (1968) que remetem a uma maneira específica de considerar as
questões que se apresentam tanto pela herança marxista quanto pela tentativa de
reavaliar a relação indivíduo sociedade através do resgate do pensamento
freudiano, naquilo que se refere à categoria trabalho como elemento formador
por um lado e alienante e opressor por outro.
Apesar da especificidade, Marcuse aponta-nos um caminho
diferente para uma interpretação das atuais mudanças no que se refere ao
universo do trabalho e suas perspectivas futuras.
Relações entre indivíduo e sociedade
Para a
compreensão do fio condutor construído por Marcuse, devemos recuperar os
argumentos principais que lhe servem de base.
O
primeiro está na idéia freudiana de progresso humano. Segundo Freud (apud
Marcuse, 1968), o desenvolvimento humano se dá ontogenética e
filogenéticamente, sendo que a "história do homem é a história de sua
repressão". Além disso, "a cultura coage tanto na sua existência
social como biológica, não só partes do ser humano, mas também sua própria
estrutura instintiva". (Marcuse, 1968, p. 33)
Sob
este argumento, repousa a idéia de que a cultura humana tem em sua base a
repressão dos instintos humanos. Estes últimos são transformados através da
repressão, possibilitando uma reelaboração dos mesmos. Essa reelaboração é o
que Freud considera como o progresso que possibilita o desenvolvimento humano.
O
homem animal converte-se em ser humano somente através de uma transformação
fundamental da sua natureza, afetando não só os anseios instintivos, mas também
os valores instintivos – isto é, os princípios que governam a consecução dos
anseios. A transformação no sistema dominante de valores pode ser assim
definida, de um modo probatório:
de
|
para
|
satisfação imediata
|
satisfação adiada
|
prazer
|
restrição do prazer
|
júbilo (atividade lúdica)
|
esforço (trabalho)
|
receptividade
|
produtividade
|
ausência de repressão
|
segurança
|
Freud descreveu essa mudança como a transformação do princípio de prazer em
princípio de realidade. (Marcuse, 1968, p.34)
Vale ressaltar que a idéia de prazer transcende o prazer sexual. O Eros
percebido por Marcuse na obra de Freud se refere a toda forma de satisfação
humana.
Sendo assim, a referência à modificação do princípio de prazer2 estabelece-se em relação à satisfação.
A
transformação de uma satisfação imediata para unia satisfação adiada, porém
segura, implicando contudo em uma restrição do prazer por um lado e a
construção de uma repressão por outro, transformando atividade lúdica em
esforço (trabalho), a receptividade em produtividade, nos apresenta uma
confirmação não só da reelaboração dos instintos, como também demonstra um
quadro de mudanças principais. Há uma estreita relação entre os itens arrolados
e a estrutura organizacional de uma sociedade fundamentada no trabalho. A
restrição do prazer e a atividade lúdica levam a uma canalização da energia
antes despendida em tais atividades para o trabalho, sendo que posteriormente
direciona-se para a produtividade.
Tanto a idéia do trabalho quanto a da produtividade gerada no seu interior são
suportes da reelaboração dos instintos que adiam a satisfação imediata, em
função da segurança de uma satisfação menor mas garantida. Além disso. as
necessidades são elaboradas na sociedade em detrimento de uma possível vontade
individual. Isto significa que os indivíduos internalizam necessidades que
parecem ser individuais mas que, na verdade, são socialmente engendradas. Uma
vez que o trabalho é fruto da energia liberada com a restrição do prazer e das
atividades lúdicas, é visto como um esforço penoso, alienado e sem
gratificação, mas necessário para a sobrevivência.
É
através do trabalho que a sociedade se desenvolve e garante a existência de
seus componentes. É ainda através dele que a sociedade racionalizada exerce sua
forma de dominação, reproduzindo as condições repressivas de maneira ampliada.
Daí a proposição de uma sociedade não repressiva estar fundamentada em Marcuse
pela instauração de um novo referencial para o trabalho.
A
sociedade racionalizada é, segundo Marcuse, a vitória do "princípio de
realidade
específico que governou as origens e a evolução dessa civilização”. (Marcuse,
1968 p 58) Este principio de realidade é designado como princípio de
desempenho,3 dando destaque "ao fato de que, sob seu
domínio, a sociedade é estratificada de acordo com os desempenhos econômicos
concorrentes dos seus membros [...] o princípio de desempenho, que é o de uma
sociedade aquisitiva e antagônica no processo de constante expansão, pressupõe
um longo desenvolvimento durante o qual a dominação foi crescentemente racionalizada:
o controle sobre o trabalho social reproduz agora a sociedade numa escala
ampliada e sob condições repressivas.
Durante
urna considerável parte dessa evolução, os interesses de dominação e os
interesses do todo coincidem: a utilização lucrativa do sistema produtivo
satisfaz às necessidades e faculdades dos indivíduos. Para a esmagadora maioria
da população, a extensão e o modo de satisfação são determinados pelo seu
próprio trabalho; mas é um trabalho para uma engrenagem que não controla, que funciona
como um poder independente a que os indivíduos têm de submeter-se se querem
viver. E torna-se tanto mais estranho quanto mais especializada se torna a
divisão do trabalho.
Os
homens não vivem sua própria vida, mas desempenham tão-só funções preestabelecidas.
Enquanto trabalham, não satisfazem suas próprias necessidades e faculdades, mas
trabalham em alienação, O trabalho tornou-se agora geral, assim como as
restrições impostas à libido: o tempo de trabalho, que ocupa a maior parte do
tempo de vida de um indivíduo, é um tempo penoso, visto que o trabalho alienado
significa ausência de gratificação, negação do princípio de prazer.
A
libido é desviada para desempenhos socialmente úteis, em que o indivíduo
trabalha para si mesmo somente na medida em que trabalha para o sistema,
empenhado em atividades que, na grande maioria dos casos, não coincidem com
suas próprias faculdades e desejos". (Marcuse. 1968, p. 58). Acrescente-se
a este raciocínio o fato de que os indivíduos podem nem saber quais são de fato
os seus desejos e suas próprias faculdades. Fica claro que Marcuse conecta sua
análise à predominância exercida pelo sistema capitalista. Este é o ponto de
partida para suas reflexões.
Uma
segunda idéia freudiana absorvida por Marcuse é a de que a repressão, além de
realizar-se ao longo da história humana, portanto filogeneticamente,
instituindo um princípio de realidade que sustenta o sistema capitalista, é
desenvolvida em cada indivíduo, reproduzindo nele a história universal,
ontogeneticamente.
A
análise de Freud do desenvolvimento do aparelho mental repressivo é levada
a efeito em dois planos:
a)
Ontogenético: a evolução do indivíduo reprimido, desde mais remota infância até
sua existência social consciente.
b) Filogenético: a evolução da civilização repressiva, desde a horda primordial
até o estado civilizado plenamente constituído. (Marcuse, 1968, p. 39)
Estes pressupostos são essenciais para a compreensão do raciocínio de Marcuse.
Abrem a possibilidade de que se há uma correspondência entre o individual e o
coletivo na construção e reprodução da repressão que dá suporte à civilização,
há também espaços de liberdade correspondentes.
Marcuse
e a Utopia
Segundo
o raciocínio freudiano, há em cada indivíduo um espaço de liberdade.. no qual
os mecanismos repressores não influem, qual seja, a fantasia. Para Freud, de
acordo com citação utilizada por Marcuse,
com a introdução do princípio
de realidade, um modo de atividade do pensamento cindiu-se e manteve-se livre
do critério de realidade, continuando subordinado exclusivamente ao princípio
de prazer. E o ato de elaboração da fantasia (das Phantasieren - a
fantasiação), que começa logo com os brinquedos infantis e, mais tarde,
prossegue como divagação e abandona sua dependência dos objetos reais
(Marcuse, 1968, p. 132)
|
Percebe-se que se há um espaço no individual que permite ao ser humano ser
livre, espaço originado na fantasia e manifestado pela arte, e, se a história
do homem se desenvolve ern dois planos, filogenética e ontogeneticamente,
pode-se concluir que há um espaço no coletivo que lhe garante certa liberdade.
Marcuse reconhece este espaço como a utopia.
O valor de verdade da
imaginação relaciona-se não só coar o passado, mas também com o futuro, as
formas de liberdade e felicidade que invoca pretendem emancipar a realidade
histórica. Na sua recusa em aceitar como finais as limitações impostas à
liberdade e à felicidade pelo princípio de realidade, na sua recusa em
esquecer o que pode ser, reside a função crítica da fantasia [...] Essa
Grande Recusa é o protesto contra a repressão desnecessária, a luta pela
forma suprema de liberdade – viver sem angústia. Mas essa idéia só podia ser
formulada sem punição na linguagem da arte. No contexto reais realista da
teoria política ou mesmo na Filosofia, foi quase universalmente difamada como
Utopia. (Marcuse, 1968, p. 138-9)
|
Um
outro aspecto relevante é o de que a repressão exercida sobre o indivíduo
não é suficiente, uma vez que necessita constantemente ser reforçada. "O
fato do princípio de realidade ter de ser continuamente restabelecido no
desenvolvimento do homem indica que o seu triunfo sobre o princípio de prazer
jamais é completo e seguro." (Marcuse, 1968, p. 36) Este argumento
sustenta a idéia de espaços nos quais a liberdade e a felicidade subsistem
apesar da repressão sofrida.
A equação de liberdade e
felicidade, sujeita ao tabu da consciência, é sustentada pelo inconsciente. A
sua verdade, embora repelida pela consciência. continua assediando a mente;
preserva a memória de estágios passados do desenvolvimento individual nos
quais a gratificação imediata era obtida. E o passado continua a reclamar o
futuro: gera o desejo de que o paraíso seja recriado na base das realizações
da civilização. (Marcuse,1968. p. 38)
|
A
saída possível: automação ou modificação de princípios
Marcuse aponta para uma possibilidade de modificação da sociedade. Longe de
pensar em um retrocesso do estágio evolutivo do ser humano, negando os avanços
civilizatórios, na direção da imagem do homem bom e feliz primitivo, o autor
aponta outro caminho. Neste, a modificação se daria nos princípios que orientam
os homens, mantendo os avanços da civilização, mas construindo, a partir dela,
novas relações não repressivas.
O
papel do trabalho, fundamental na construção da repressão, agora assume a
libertação. na medida em que se torna prazeroso e desalienado. Se esta hipótese
se torna realidade, então a transformação social realizar-se-ia também. Marcuse
elabora duas hipóteses para que se alcance a transformação das relações no
trabalho. A primeira seria a própria transformação da relação do homens com o
trabalho, tornando-a prazerosa e gratificante.
O que distingue o prazer da
cega satisfação de carências e necessidades é a recusa do instinto em
esgotar-se na satisfação imediata, é a sua capacidade para construir e usar
barreiras para a intensificação do ato de plena realização. Embora essa
recusa instintiva tenha feito o trabalho de dominação, também pode servir à
função oposta: erotizar as relações não libídinais, transformar a tensão e
alívio biológicos em livre felicidade.
Deixando de ser empregadas corno instrumentos para reter homens em
desempenhos alienados, as barreiras contra a gratificação absoluta
converter-se-iam em elementos de liberdade humana; protegeriam aquela outra
alienação em que se origina a alienação do homem, não de si mesmo, mas da
natureza: sua livre auto-realização.
Os homens existiriam como indivíduos, realmente, cada um deles moldando sua
própria vida; defrontar-se-iam mutuamente com necessidades e modos de
satisfação verdadeiramente diferentes – com suas próprias recusas e suas
próprias seleções. A ascendência do princípio de prazer engendraria assim
antagonismos, dores e frustrações – conflitos individuais na luta pela
gratificação. Mas esses conflitos teriam, em si próprios, um valor libidinal:
estariam impregnados da racionalidade de gratificação. Essa racionalidade
sensual contém suas próprias leis morais." (Marcuse, 1968, p. 197)
|
A
segunda hipótese seria a automação total do trabalho. Isto porque a automação
total seria a eliminação do trabalho sacrificante e, conseqüentemente, da
opressão sofrida nesse âmbito da vida humana. "Quanto mais completa for a
alienação do trabalho, tanto maior é o potencial de liberdade; a automação
total seria o ponto ótimo". (Marcuse, 1968, p. 144)
Há,
sob este aspecto do pensamento de Marcuse, uma oscilação entre as duas
hipóteses, isto é, por um lado, vislumbra a hipótese da transformação das
relações do trabalho em uma ótica não opressiva e, por outro lado, não tem
tanta certeza assim sobre esta questão. O trabalho possui um caráter dialético,
pois, por um lado, é alienante e opressor no interior do capitalismo, mas, ao
mesmo tempo, o trabalho forma, permite a verdadeira realização da essência do
homem. Sendo assim, o trabalho pode constituir-se no espaço para a libertação
da opressão.
A
consciência política4 e o princípio de desempenho
As
relações de trabalho desveladas em sua condição de elementos constituintes de
uma organização da produção material que propiciam a alienação do trabalhador
em relação ao produto de seu trabalho, bem como dos conhecimentos técnicos
necessários inerentes à produção, aliadas a uma consciência política que
permita a compreensão do processo, formariam a base para a nova ordem social.
Isto se daria através da manutenção do papel do trabalho como organizador da
produção material, mas não mais orientando-se pelo princípio de desempenho e
sim pelo princípio de prazer, de certa maneira modificado pelas conquista
humanas.
O
trabalhador deixaria de ser alienado tanto do produto quanto dos conhecimentos
técnicos exigidos para a sua produção. Esta condição seria elementar na
percepção da atividade desenvolvida no processo de trabalho como gratificante
e, portanto, correspondente à uma opção individual do trabalhador pela sua
atividade.
Isso
possibilitaria também uma maior participação nas decisões dentro do processo
produtivo. A consciência política seria a base para a pecepção do indivíduo não
só do processo tal qual estabelecido sob o domínio do princípio de desempenho,
mas também para a tomada de consciência de sua individualidade5, de suas reais necessidades
e da satisfação delas. Na medida em que se percebe a história humana
entrelaçada ao princípio de desempenho, principalmente na elaboração das
relações de trabaalho, a segunda hipótese. de Marcuse é algo mais próximo de
ser realizado: a automação total 6. Esta conteria, no processo de sua instauração,
a libertação de tempo e energia aos seres humanos, para assim retornarem à
busca da felicidade.
Conclusão
As
recentes discussões sobre a automação total, que seria a realização da segunda
hipótese de Marcuse, levam-nos a questionamentos um tanto pessimistas. Em
primeiro lugar, porque ao invés de liberar os homens para a busca da
felicidade, temos a conformação de um novo processo, também constituído pelo
princípio de desempenho, que gera relações de exclusão entre os que são
necessários e estão adaptados às novas exigências do mercado e os que não são
necessários à produção e não conseguiram adaptar-se às novas exigências. Os
bolsões de miséria formam-se a partir daqueles que sã excluídos do processo de
produção, uma vez que, cada vez mais, é necessário um número menor de pessoas
para a manutenção da produção material e que tem acesso ao consumo dessa
produção. Dessa forma, temos um grupo alienado não so do ponto de vista da
produção mas também da participação da sociedade. Os indivíduos não teriam mais
o que trocar na sociedade, já que sua força de trabalho não é mais necessária.
Este seria um processo de alienação inclusive de sua existência.
Se
o princípio de desempenho revigora-se com a automação total, retornamos à
primeira hipótese de Marcuse. Para tal intento vale ressaltar algumas
observações de Claus Offe. (1995) De acordo com o autor, a categoria trabalho
perdeu o papel de referencial sociologicamente fundamental. Isto porque não
seria mais o referencial condicionante da vida humana, seja pela propria
diminuição do tempo de trabalho, seja pela perda da potencialidade de
recompensar e punir os indivíduos em termos materiais, ou pelo fim da
contemplação dos esforços em função de uma estratégia setorial progressista. O
que talvez Offe (1995) tenha deixado de levar em conta é exatamente a situação
excludente a que os indivíduos são expostos em função da automação. Esta
situação é esclarecedora no sentido de nos permitir um olhar mais fino para o
problema da perda da centralidade da categoria trabalho.
O
que mudou foi a maneira pela qual os indivíduos competem, segundo o princípio
de desempenho. A questão posta não é mais por uma melhor colocação social, o que
levaria à preocupação com uma estratégia setorial progressista. É uma questão
eminentemente de sobrevivência. A diminuição do tempo de trabalho faz os
indivíduos perceberem que há menos espaço para sua única mercadoria, sua força
de trabalho. A categoria trabalho não deixa de ser condicionante da vida
humana, altera-se em função das exigências do princípio de desempenho. Este,
agora, delimitando um maior espaço à agregação de conhecimentos, e assim
abrindo campo para a satisfação individual, passa a ditar quem estará inserido
no processo social, uma vez adequado aos novos moldes. A potencialidade de
recompensa ou punição no espaço do trabalho altera-se também, pois passa pela
recompensa de estar ou não inserido no processo ou de ser punido, o que significa
a exclusão social.
Sob outro ponto de vista, poder-se-ia perguntar: o modo de produção capitalista
teria chegado ao seu limite, atingindo uma situação onde sua lógica de
acumulação precisaria ser redimensionada? Se cada vez mais um número menor de
pessoas podem ter acesso aos bens produzidos e o numero de excluídos está
crescendo, para onde o sistema se expandiria, a fim de manter os padrões de
acumulação. haja visto que necessita de bolsões inexplorados de mercados
consumidores em potencial?
Se
a resposta é duvidosa, então poderíamos imaginar um ponto de inflexão onde se
daria o início de uma nova ordem social, redimensionando os valores inerentes
ao sistema capitalista. Na medida em que o mercado de trabalho apresenta
índices crescentes de desemprego, aumentando o número de excluídos sociais, a
questão da sobrevivência se coloca na medida em que o retorno ao mercado de
trabalho se apresenta como um horizonte cada vez mais longínquo. Assim. a saída
estaria na reorganização dos trabalhadores excluídos do processo produtivo sob
um novo princípio: a sobrevivência. Esta questão crucial é de certa forma a
pedra de toque das experiências autogestionárias no Brasil atualmente7.
A
hipótese de Marcuse possibilita-nos recolocar no trabalho o aspecto da
satisfação, bem como redimensionar a necessidade da substituição do princípio
de desempenho pelo princípio de prazer (ou de sobrevivência?). Este último
contribuindo para a transformação social e a transformação individual
concomitantemente. Segundo o exposto acima, não basta simplesmente haver uma
recuperação do trabalho em termos de gratificação, mas estabelecer, a partir
dessas novas relações, uma transformação ampla que passa pela reorientação dos
princípios norteadores da razão do próprio trabalho.
Referências
Bibliográficas
OFFE, C. Trabalho, a categoria sociológica chave? In: ______ . Capitalismo
desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1995.
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro, Zahar Editor,
1968.
1 Socióloga, docente da
Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat, mestre em Educação e doutoranda
em Educação pela Unesp. Artigo publicado originalmente in A Empresa
sem patrão, Marília: Unesp: 1997.
2 Princípio de prazer é
entendido como diretrizes voltadas para a a satisfação das necessidades humanas
,mediata. para a conquista do prazer de maneira irracional de maneira
irrestrita, independente da previsão ou consideração acerca de seus atos.
Caracteriza-se principalmente pela ausência de repressão dos instintos humanos.
3 .Princípio de desempenho é
compreendido como sendo um tipo específico de principio de realidade. Na medida
em que o homem constrói a civilização, a constrói com a ajuda da repressão dos
instintos que lhe penam a associação aos outros indivíduos para obter a
satisfação de suas necessidades asseguradas. Esse processo é caracterizado como
a construção do princípio de realidade. Na construção da sociedade capitalista
essa repressão introduz-se a idéia de mais-repressão. No momento em que a
produtividade é classificada de acordo com os desempenhos econômicos
concorrentes de seus membros, estratificando-se a sociedade em torno desses
valores, temos, para além da satisfação das necessidades dos indivíduos, a produtividade
colocada como centro orbital das relações que se estabelecem na sociedade
racionalizada.
4. A consciência política
poderia ser definida como o desvelamento das relações de poder, dominação e
influência a que os seres humanos estão sujeitos em um sistema social, o que
tornaria possível inserí-lo como sujeito ativo nesse processo.
5. Esta individualidade que foi
utilizada sobre o princípio de desempenho para atomizar os indivíduos,
enclausurando-os em sua existência privada, agora é retomada como elemento a
ser reconhecido como inerente à existência humana e que, sob este ponto de
vista, reconheceria a especificidade de cada membro da sociedade em relação a
universalidade da sociedade.
6. Esta hipótese é obsewrvável
nos dias atuais como um processo irrerversivel em alguns setores prdutivos.
Além disso, é mais viável no sentido de que, para reorientar um incontável
número de trabalhadores a fim de que pudessem superar os moldes do princípio de
desempenho, seria necessário que passassem por um processo de reeeducação, o
que não parece tarefa considerada necessária nem por governos, nem por
sindicatos ou partidos políticos, os quais teriam a organização e o dinheiro
necessários para tal empreitada.
7. Sobre esse assunto há alguns
dos relatos dos casos de empresas ligadas à ANTEAC, como a Skilcoplast em São
Paulo e a Markeli em Franca/SP.
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Thomas More e Maquiavel –
Teoria social e política no Renascimento”
Thomas More e Maquiavel-
Teoria social e política no Renascimento.
por Miguel Duclós
Trabalho originalmente
feito para a cadeira de Introdução à Filosofia I- professor Renato
Janine Ribeiro
Desde a queda do Império
Romano, da Era patrística até o Renascimento, a Igreja católica estendeu sua
influência por todo o conjunto de relações sociais e políticas que
caracterizaram a Europa medieval. A sociedade desse longo período, tinha sua
economia organizada pelo feudalismo, onde o senhor feudal exercia sua
suserania. Essa economia era essencialmente agrícola, e os servos possuíam o
direito do usufruto sobre tratos da terra, sendo permitido a eles cultivá-la em
troca do pagamento de rendas ao senhorio. A propriedade privada não era plena,
pois os senhores nobres não tinham o direito de alienar sua propriedade,
segundo a instituição de Morgadio. Politicamente, o Estado era descentralizado.
Não havia um Estado organizado, e os interesses políticos se confundiam com os
interesses particulares. A Igreja passa a acumular o poder temporal e espiritual,
e chegou a ter posse de cerca de um terço das terras da Europa. O clero é a
principal ordem, e sua principal função é rezar. A segunda ordem é formada pela
nobreza, e finalmente vem os que trabalham, a terceira ordem. Notável é o
trabalho de monges, que juntamente com os árabes, preservaram grande parte dos
escritos clássicos da antigüidade. A filosofia escolástica, fundada por Santo Anselmo,
tem como principal representante Santo Tomás de Aquino. Esses padres cristãos
desprenderam um grande esforço em conciliar a fé com a razão, a teologia com a
filosofia grega, notavelmente de Platão e Aristóteles. A vida medieval era
essencialmente cíclica, contemplativa. Isso parecia estar mais de acordo com a
vida regida por preceitos religiosos, de adoração ao Deus todo poderoso. Nesse
ponto, temos a contraposição entre o ócio e sua negação, o negócio. Essa
diferença ia ocupar um papel de destaque no final da Idade Média, compreendido
no século XIV, quando os nascentes burgueses discutiriam com alguns humanistas
qual era a vida mais nobre a ser seguida. As cidades, apesar de diminuídas
durante a Idade Média, devido à intensa agricultura, permaneceram vivas. Nelas
predominava o trabalho corporativo. De fato, na sociedade medieval, um
indivíduo não podia ser compreendido fora da sua condição na esfera social. Nos
burgos ou cidades que o poder passou a mudar de mãos.
Esse breve resumo, tão
breve que chega a ser um crime de lesa-história, tem como objetivo
contextualizar o aparecimento da tradição humanista, a qual pertencem os dois
autores que vamos examinar: Thomas More e Maquiavel. Os humanistas passam a
questionar o teocentrismo, até então predominante. Acreditavam que o homem
devia ser o centro das investigações filosóficas por ser ele o único ser capaz
de conhecer. Os humanistas achavam que no período que compreende a Idade Média,
acontecera um retrocesso, porque a humanidade se separara do modelo antigo.
Propõe então, a volta ao modelo clássico (grego e latino), uma
antropocentrização da arte e das ciências. Com os aparatos tecnológicos que
surgiram na época de nossos autores, (tais como e bússola e a pólvora) a antiga
visão do mundo já não atendia mais às exigências, a religião em decadência
precisava ser repensada. O mundo acordava de seu sono. O homem clamava pelo
domínio sobre a natureza.
O Renascimento é um período
que compreende o fim da Idade Média e o Início da Idade Moderna, entre os
séculos XIV e XVI, e tem alcance em diversos campos da sociedade, do saber e da
arte. Por causa disso, muitos estudiosos o classifica como um período de
transição, não mais medieval, mas ainda não moderno. Autores recentes como
Michel Foucault, no entanto, ampliaram o valor do Renascimento sustentando que
ele constitui um sistema completo.
Os humanistas resgataram o
conceito romano de studia humanitatis. Como afirma Skinner,1. os humanistas
italianos ensinavam o latim, a retórica, os estilistas clássicos, além de
história antiga e filosofia moral. Maquiavel foi formado nesses ensinamentos.
Embora preferisse o italiano florentino para escrever suas obras, sabia muito
bem o latim, e os títulos dos capítulos de O Príncipe são escritos nessa
língua. Como adverte Skinner,2 é um erro reincidente querer separar Maquiavel
de outros pensadores humanistas italianos da mesma época. Afinal, quando O
Príncipe fora lançado, já existiam idéias como as propagadas nos livros.
Acreditavam muitos humanistas, que o exército não deveria ser mercenário e que
a virtu é a única força capaz de vencer a força da fortuna, deusa romana (e
pagã) da sorte e do acaso, capaz de controlar o destino dos homens. Ora,
lembramos bem de como Maquiavel dava ênfase à importância de um reino ter
exército próprio, do treinamento militar dos cidadãos, que devem ser armados
para ficarem dependentes e não desconfiados do Estado. Afinal, todo Estado
precisa de boas leis e boas armas. Lembramos também de como ele acreditava ser
necessário, principalmente ao governante cultivar a virtu, e tratar a fortuna
como uma mulher, que se deixa seduzir pelos jovens audaciosos. A diferença para
Maquiavel de outras obras de aconselhamento de príncipes, é que ele separa a
virtu das virtudes no sentido platônico e cristão. Maquiavel via a Igreja
também como uma coisa política, e admirava os papas armados que souberam
unificar o poder do Estado. Mas se distancia de todo ideal de bom governante
católico para defender a necessidade de o príncipe ter autonomia em suas
decisões e poder agir de acordo com as circunstâncias para manter a Unidade do
Estado. Vale notar que estava escrevendo contra a devastação da Itália pelos
Bárbaros, Itália essa que estava enfraquecida e dividida em diferentes
cidades-estado. Ao separar a religião da política, transformando a última em
uma ciência, que Maquiavel adquiriu o status de amoral por seus inimigos. Ele
desmantela a validade das virtudes cristãs no governo, tais como a liberalidade
e piedade. Maquiavel modifica a visão do que deve ser um bom governante. Como é
comum ocorrer antes da Revolução Francesa, o governante é colocado como um
adulto ativo, e o povo como um infantil espectador dos assuntos políticos. O
governante tem pleno direito de mentir, enganar, viver para a guerra, eliminar
os mais poderosos que poderiam vir a ameaçar seu governo, deve ser mais temido
do que amado e assim por diante. No entanto, não deve pôr seu interesse
particular acima do Estado. Príncipe e súditos são vistos como um corpo
complementar, em que é necessário ser um para se conhecer o outro. Também, para
não despertar ódio, o Príncipe não deve cometer abusos, tais como seduzir as
mulheres dos súditos. Maquiavel cita uma série de qualidades negativas e
positivas, e reconhece ser impossível para o príncipe ter só as positivas. Isso
se deve ao fato de ele reconhecer ser a natureza humana imprestável, capaz dos
maiores vitupérios e crueldades por um pouco de dinheiro ou fama. Portanto,
vimos porque Maquiavel trouxe a teoria política à realidade prática,
afastando-se do modelo medieval. citando inúmeros exemplos históricos para
validar seus argumentos. E se insurgiu contra idéia medieval de justitia,
defendendo uma ação eficaz.
Thomas More foi outro
humanista, amigo do maior deles, Erasmo, que no entanto difere muito de
Maquiavel. Homem de grande influência e cultura em sua época, era como Erasmo,
um cristão. Mas adepto do verdadeiro cristianismo, aquele que existiu em tempos
remotos e foi se deteriorando até se tornar não mais espiritual e humilde, mas
mercenário, político e suntuoso. No início do século XVI, época em que viveu
More, a Igreja tinha alcançado níveis absurdos de exigências e deturpação da
mensagem cristã original. O sistema de “loteamento” do céu funcionava
fortemente, e a autoridade dos eclesiásticos era de tal forma exagerada, que
esses abusos acabaram por gerar as reformas protestantes. No livro A Utopia,
percebemos o quanto a ironia de More ataca o luxo desnecessário em que estava
envolvida a Igreja. Na figura de Rafael Hitlodeu, More mostra o quanto a massa
de camponeses tem que trabalhar a mais para sustentar aqueles que nada fazem,
como é o caso de grande parte dos clérigos e dos nobres. Na utopia de More,
todos cumprem a sua parte para que a ilha tenha superabundância de produção.
Ainda no tocante à religião, os sacerdotes utopianos tem verdadeira autoridade
espiritual e o prazer é tido como um grande bem, que traz a felicidade. O
ascetismo na ilha é uma opção, mas pergunta More: Se o objetivo do asceta é
melhorar a vida do mais próximo, porque não começar pela nossa própria casa e
melhorar nossa própria vida?
A influência de A
república, de Platão, outra obra que versa sobre a sociedade ideal, na utopia
de More é notável. A começar pela crítica à propriedade privada. Tantos os
utopianos quantos os habitantes da cidade de Platão viviam em regime de comum –
unidade. A propriedade privada, comum na Grécia, e recém – ressurgida na época
de More, é vista como um empecilho à prática da virtude humana, ou do
verdadeiro motivo para o qual o homem foi criado. Para More, o homem deveria
viver de acordo com a natureza, daí seu esforço de defender uma nova
civilização. Muitas vezes, a crítica social de A Utopia parece estar endereçada
à Inglaterra, lugar onde More nasceu. O principal problema da civilização
ocidental, para ele era o “monstro pestilento” do orgulho, que seria o único
motivo de os homens não terem uma sociedade igual a de Utopia. A crença em um
além-mundo é compartilhada tanto por More quanto por Platão, e essa crença
serve de sustentação para se levar uma vida espiritualizada na Terra e garantir
a validade de um esquema social planejado e muitas vezes imposto. A religião
utopiana tem diversos pontos parecidos com a cristã. Rafael cita expressamente
sua admiração por Platão e por alguns conceitos estóicos, mas achava impossível
que a mente deturpada dos governantes ocidentais pudesse alcançar a maravilha
de um tipo de sociedade igualitária, sem dinheiro nem vaidade. Para Rafael, não
há lugar para filósofos nos conselhos reais. A hierarquia existe em Utopia, mas
é diferente da que conhecemos. Há um grande fluxo de troca de cargos, e os
sifograntes, príncipe e traníboros estão interessados só no bem-estar público.
No demais todos são iguais, numa escala que chega a ameaçar a pluralidade. Cada
pessoa em Utopia só pode ser entendida por meio da sociedade. De fato a ilha
inteira é como uma grande família, onde todos se vigiam mutuamente. Podemos ver
nisso uma volta ao corporativismo da vida social medieval, acima mencionado.
Com o surgimento do capitalismo, a propriedade privada volta a ter valor
efetivo, até mesmo sagrado, como para Locke, no século XVIII. A tese de que
More propunha uma volta ao passado se baseia principalmente no fato de que o
autor defende esses dois modos de vida, corporativo e sem propriedade privada.
Mas se estudarmos More como um precursor de Marx, perceberemos que não é assim
necessariamente.
Na sociedade ideal de
Platão, a hierarquia é consideravelmente mais forte. Há a divisão entre os que
trabalham, os que guardam as cidades de ataques e os que a governam. Todos
passam, ao longo de suas vidas, por testes programados, que determinarão a
ascensão ou não na escala social. A família não existe, e existência da família
é inibida. As relações sexuais são feitas de modo a garantir o mais alto grau
de eugenia, e os filhos são tirados dos pais. O modelo da República era a
sociedade espartana. Nesse ponto, a teoria social de More difere totalmente.
Não só a ilha de Utopia é uma imensa família, como essa existe de fato. Os
casarões são divididos entre familiares, onde o homem mais velho manda. Os pais
são responsáveis por educar os filhos, e se há excedente de população, um grupo
é selecionado para iniciar uma colônia no continente. O ouro e o modo de vida
estranho ao da ilha é desencorajado desde cedo entre as crianças. Mas os
utopianos são abertos ao intercâmbio cultural, como se demonstrou com as
visitas de Hitlodeu. Não só eles aprenderam algo da filosofia e ciência
ocidental, como também vemos que muitas das descobertas morais e científicas de
utopia são parecidas com a ocidental.
Existem muitas diferenças entre More e Maquiavel no campo de vista político e
social. Maquiavel, por exemplo, considerava o homem mau por natureza, como já
foi dito. More não compartilha essa crença. Para ele o homem é capaz do
verdadeiro bem e de uma vida com virtudes, desde que seja submetido à educação
de leis e costumes justos. Diz More que a Mãe natureza ama a todos por igual, e
deseja ela igual bem estar para todos. A terra é mais que suficiente para garantir
o sustento de todos, e eliminando a mesquinharia, as disputas e desavenças tão
comuns na Itália de Maquiavel, somem por completo. Maquiavel enobrecia a arte
da guerra ao máximo, enquanto More procura evitá-la a todo custo. Maquiavel
aceitava conselheiros sábios do lado do príncipe, More achava inútil reunir
conselheiros e advogados ao redor de si. More era contra qualquer tipo de
crueldade e vício humanos, inclusive a caça, admirada por Platão, abolida de
Utopia. A função de matar animais nessa ilha é relegada a escravos. O fato de
haver essa brusca desigualdade social numa sociedade pretensamente ideal, dá
margem à críticas. Mas devemos lembrar que os Utopianos são muito
nacionalistas, e preferem qualquer um dos seus ao maior dos reis estrangeiros.
Os escravos geralmente são estrangeiros ou criminosos, e muitas vezes sua
ocupação é dignificada. O fato de haver um príncipe em Utopia está muito mais
ligado à necessidade de um controle interno, pois mesmo numa perfeita
organização é natural alguns quererem escapar das leis. E mesmo o príncipe se
chama Ademos, ou seja, sem povo.
Procurei mostrar nesse
trabalho as principais diferenças entre More e Maquiavel, além de procurar as
evidências de que ambos não são autores a parte, mas estão ligados à sua época
e ao movimento humanista. Nesse sentido, vimos porque se pode dizer que ambos
“acertam contas” com o passado medieval, mas não totalmente de forma original
ou sui generis. O Príncipe, de Maquiavel pertence ao gênero de espelho do
príncipe, livros de conselhos para as monarquias, que ressurgiam com força. A
Utopia de More pertence ao gênero das teorias sobre sociedade ideal, como é o
caso de A república de Platão e A Cidade do Sol, de Campanella.
1. Maquiavel, Quentin Skinner, pag 15. Editora
Brasiliense, 1988.
2 .Fundações do pensamento político moderno, Quentin
Skinner, Cap. 5.
1. Dicionário Enciclopédico Ilustrado, volume 3. Editora
Círculo do livro, 1977.
2. Maquiavel, Niccolo. O Príncipe ,editora Cultrix, São
Paulo. Tradução de Antonio D’elia.
3. Skkiner, Quentin. Fundações do pensamento político
moderno. Companhia das Letras.
4. Quentin Skinner, Maquiavel, Editora Brasiliense, 1988
5. More, Thomas A Utopia, editora Marins Fontes. São
Paulo, 1993.
6. Platão, A República. Fundação Calouste Goulbekian,
Portugal, 1989. Tradução de Maria Inês da Rocha.
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A teoria das inteligências múltiplas e sua importância para auxiliar nos problemas de aprendizagem
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